Manelão: “Se eu não venho pra uma marcha dessa, eu adoeço”

Agricultor com quase 20 anos de MST conta como tornar-se sem terra o “libertou da escravidão”

 

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Para ele, entrar para o MST significou deixar de ser escravo e trabalhar para o lucro dos outros, por isso é tão grato por ser um sem terra. Foto: Leonardo Milano

 

Por Nadine Nascimento 
Da Página do MST 

Saído de Campina Grande, na Paraíba, no final dos anos 1990, Manuel Dionísio da Silva, o Manelão (51), procurava oportunidades de emprego na capital do país quando conheceu o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Ele, então, se instalou no assentamento Gabriela Monteiro, em Brasilândia e, desde, então, segue ativamente dentro do movimento.

Compondo a coluna Tereza de Benguela da Marcha Nacional Lula Livre, que saiu da cidade de Engenho da Lages, dia 11 de agosto, em direção à Brasília, o camponês conta sua história de quase duas décadas de militância.

“Hoje está no meu sangue não tem quem tire mais. Se eu não vier pra uma Marcha dessa aqui, eu adoeço. Em 18 anos de MST eu perdi duas ocupações de terra e eu passei um bocado de dias sem dormir”, conta. Manelão diz ainda ter uma coleção de cadeados de fazendas que ocupou. “Não faço ideia de quantas ocupações eu participei. Hoje eu estou contribuindo no setor de produção regional, mas meu hobby mesmo é Frente Massas. Eu era o primeiro a quebrar os cadeados e a enfrentar polícia”, relembra saudoso. 

O sorriso gentil e espontâneo emoldurado pela pele preta contrastada com a barba branca em perfeita harmonia, é substituído pela emoção ao falar da família: “Uma filha minha é formada – diz orgulhoso -, fez administração e agora está fazendo direito.  Tenho outro filho que é da cultura do MST aqui no DF, e tem o José Carlos que é acampado também. A gente não se separa. Eles estão sempre na nossa casa. A nossa base é a nossa chácara”, diz. Mas a voz embarga mesmo ao falar do netinho Artur de cinco anos: “minha relação com ele é boa demais. Só vendo lá em casa. Estou falando dele e me arrepiando todo. Ele é uma gracinha, o moleque. Bom demais…”, silencia para conter a emoção.

Para ele, entrar para o MST significou deixar de ser escravo e trabalhar para o lucro dos outros, por isso é tão grato por ser um sem terra. “Hoje trabalho pra mim e vivo bem. Não devo a ninguém, graças a deus, minha vida é abençoada. A gente produz milho, feijão, abóbora, mandioca, cria porco, cabrito, galinha, graviola, banana… Tudo orgânico. A gente não mexe com veneno”, diz referindo-se aos agrotóxicos. 

Manelão vê em sua luta a oportunidade de ajudar todos aqueles que ainda são explorados ou que ainda não tem um pedaço de terra para trabalhar. “A gente tem que combater essa grilagem de terras e essa desigualdade. Essa Marcha é boa para os movimentos sociais, para as famílias que não tem nenhuma renda para sobreviver, que estão lutando por um pedaço de chão viver”, acredita.

Com sua fala segura e eloquente, própria daqueles que carregam uma longa bagagem, Manelão acredita que desde o golpe houve um avanço do conservadorismo no Brasil e sobre o MST. “Querem parar a gente, mas não vamos deixar. Só se nos matar, mas se não, a gente consegue dar a volta por cima e seguir com nossa luta. Vamos derrubar esse golpe”, diz o agricultor. Com muita fé, ele encontra no divino as explicações para suas conquistas e as conquistas coletivos do movimento. “A minha fé está bem pertinho daquela que move montanhas. Deus olha por nós”, enfatiza.

Sobre o legado que quer deixar para seus filhos, netos e para os sem terra, Manelão não hesita ao dizer: “A bandeira do MST. Quando eu passar dessa vida para a outra, eu quero que as pessoas não chorem mas que estejam juntos com a bandeira do movimento cantando”, a voz embarga e ele silencia por alguns instantes. “Agora acabou, agora fechou. É difícil alguém conseguir fazer isso comigo”, encerra a entrevista.

*Editado por Iris Pacheco