Violência no campo e o padrão de criminalização dos movimentos sociais

Acompanhe o segundo de uma série de três artigos o impacto do governo Temer no campo e o rastro destrutivo do agronegócio

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Por Kelli Mafort*
Especial para a Página do MST

 

Atualmente muitas medidas jurídicas visam a ampliação da dimensão da criminalização dos movimentos sociais. Tomemos como exemplo o Projeto de Lei (PL)  5065/2016, que pretende alterar o artigo 2º da Lei 13.260/2016, conhecida como a lei do terrorismo sancionada pela presidenta Dilma a pretexto dos jogos olímpicos no Rio de Janeiro em 2016; o artigo vigente busca excluir os movimentos sociais da tipificação de terrorista.

O referido PL pretende estender a tipificação de terrorismo à “…prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, ou por motivação ideológica, política, social e criminal (…) expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública, a incolumidade pública e a liberdade individual, ou para coagir autoridades, concessionários e permissionários do poder público, a fazer ou deixar de fazer algo”. Indo além, o deputado Jerônimo Goergen, do Partido Progressista do Rio Grande do Sul, apresentou em fevereiro de 2018, PL que também altera, se aprovado, o artigo 2º da lei 13.260/2016, mas com uma redação ainda mais direta, afirmando que não se aplica à exclusão de terrorismo, os movimentos sociais do tipo MST e MTST.

Outra aplicação jurídica contra os movimentos sociais tem sido a lei da autotutela: trata-se de uma interpretação do artigo 1210, do Código Civil, (JUS/BRASIL, 2018) que reza sobre a possibilidade de uso de força própria para restituição ou manutenção da posse em caso de bens particulares. A interpretação que foi aplicada primeiramente no estado de São Paulo, pelo então Secretário de Segurança Pública, Alexandre de Moraes (atual ministro do STF), face às ocupações das escolas por estudantes secundaristas é de que o mesmo artigo 1210 pode ser
utilizado para justificar o uso da polícia militar para a desocupação de prédios ou áreas públicas, na “defesa” de bens públicos.

O despacho 193/2016 da PGE/SP – Procuradoria Geral do Estado corrobora com a mesma interpretação e dá providências para sua aplicação. (PGE, 2018). Com isso, o Estado entende que não é necessário mover um processo judicial de reintegração de posse e a própria polícia militar pode fazer o despejo sem mediações da justiça, ou mesmo de outros agentes – conselho tutelar, serviço de saúde e assistência social – necessários em situações que envolvem pessoas e uma questão social que motivou a ação de reivindicação. A tese da autotutela nacionalizou-se e tem sido uma das responsáveis por colocar as famílias Sem Terra, sem teto, estudantes e outros, frente a frente com a polícia, numa exposição à conflitos diretos, sem nenhum tipo de mediação institucional.

O padrão de violência contra os trabalhadores rurais que se mantém até os dias atuais é revelador de como a questão agrária nunca esteve perto de uma solução. Padrão que se repete ao longo da história, assegurando o pacto entre capital/estado e latifúndio combinando várias formas de repressão contra os trabalhadores que estão em luta por Reforma Agrária, pelo direito de reconhecimento de territórios, para manter suas formas tradicionais de reprodução social, para resistir à migração forçada ou simplesmente por serem “pessoas do lugar”; destaca-se ai o massacre de Pau D’arco/PA (2017) onde a atuação das polícias civil e militar se deu em conjunto, desde o planejamento até a execução, com o fazendeiro e seus jagunços.

Os indicadores de violência no campo pós golpe, apontam aumento expressivo, principalmente ligados a conflitos resultantes da pressão sobre os territórios, especialmente, assentamentos de reforma agrária, áreas quilombolas, comunidades indígenas, áreas de pequenos produtores, faxinais, entre outras. Ou seja, é precisamente o modelo do agronegócio, da mineração e do hidronegócio, que tem gerado um rastro de conflitos no interior do país, causando um significativo aumento da violência. No ano de 2017, segundo a CPT, foram cometidos 71 assassinatos no campo.

Esses e tantos outros exemplos relacionados à degradação do trabalho no campo, são prova inequívoca da urgência de uma Reforma Agrária, que não somente atue na desconcentração das terras, acabando com o latifúndio, mas fundamentalmente coloque a relação ser humano – natureza sob as bases das necessidades humanas e não subordinadas aos imperativos do capital.

 

* Kelli Mafort é integrante da coordenação nacional do MST