Brasil avança na liberação de agrotóxicos que matam 193 mil pessoas por ano no mundo
Por Lilian Campelo
Do Brasil de Fato
Na contramão de diversos países do mundo e das resoluções da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil tem avançado na liberação de agrotóxicos e aprovação de projetos de lei que abrandam as restrições ao uso de químicos agrícolas que, segundo dados da Organização das Nações Unidas, são responsáveis pela morte de 193 mil pessoas todos os anos.
O número foi apresentado pela a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), organismo internacional de saúde pública e que faz parte dos sistemas da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas (ONU), durante reunião realizada na sede da Agência Regional em Brasília na terça-feira (11). O encontro contou com representações de instituições nacionais de regulação e sociedade civil que integram a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida.
Na avaliação de Murilo Oliveira de Souza, professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e membro da Campanha, a reunião foi importante, porque insere o Brasil no debate internacional sobre a regulamentação do uso de agrotóxicos e destaca que representantes da ONU fizeram críticas ao Projeto de Lei 6.299/02, conhecido como PL do Veneno, defendido pela bancada ruralista.
“Os representantes da ONU tiveram uma postura muito crítica ao próprio PL do Veneno, mesmo não conhecendo ele em profundidade. [Fizeram] críticas em relação a abertura que o Brasil estabelece para as cooperações do agronegócio, principalmente na liberação de agrotóxicos que são cancerígenos e que são teratogênicos [agentes que afetam a formação do feto]. Então, a postura dos membros da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglễs) foi muito importante no processo de liberação de agrotóxicos no Brasil”, afirma o pesquisador.
Pacote do veneno
O PL do Veneno pretende revogar as Leis nº 7.802/1989 e 9.974/2000, que regulam o processo de liberação e uso de agrotóxicos. Carla Bueno, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pontua que a Lei 7.802/1989 é considerada uma referência como mecanismo de controle, contudo o momento político dos pós-golpe tem diminuído a incidência do Estado na questão. Ela ainda analisa que a medida que o modelo produtivo do agronegócio se torna hegemônico, cresce o aumento do uso de agrotóxicos no país. Uma das propostas do PL do Veneno é, por exemplo, alterar a terminologia do termo “agrotóxico” pela expressão “produto fitossanitário”.
Com a aprovação do PL do Veneno, será possível viabilizar rapidamente a utilização diversos produtos, entre eles os que são feitos à base de glifosato. Pesquisas científicas apontam que o glifosato, vendido sob o nome comercial de Roundup, causa severos danos à saúde e ao meio ambiente. O Ministério Público Federal solicitou a suspensão do uso. A justiça atendeu, mas a decisão foi derrubada no dia 5 de setembro.
Recentemente, tribunais estadunidenses condenaram a Bayer-Monsanto, produtora do Roundup, a pagar US$ 289 milhões de doláres ao jardineiro Dewayne Johnson, diagnosticado com cãncer terminal após utilizar o herbicida. Após a decisão, a multinacional sofreu outra derrota cinco dias depois, quando a Suprema Corte da Califórnia negou uma apelação da Monsanto que pretendia evitar que o glifosato integrasse a lista de substâncias cancerígenas do estado.
Atualmente, é proibido o registro de agrotóxicos que possam apresentar características teratogênicas, carcinogênicas, mutagênicas, distúrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor. Com a mudança proposta pela PL do Veneno, as proibições poderam apenas acontecer em casos extremos de toxicidade.
De caráter oposto ao PL do Veneno, tramita atualmente também o Projeto de Lei 6670/2016, de cunho popular e defendido pela sociedade civil organizada, que quer instituir a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA). O pesquisador Murilo de Souza destacou que na reunião diversos palestrantes apresentaram os parâmetros de regulação da União Europeia sobre o uso de pesticidas e outras substâncias nocivas, e verificou-se que são “extremamente parecidos com a proposta do PNaRA”.
Agências discordam
Apesar dos pareceres contrários ao PL do Veneno, houve também posicionamentos favoráveis por parte de agências estatais. Segundo relata Franciléia Castro, educadora da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, retomou um antigo debate. “Foi o único órgão a questionar na reunião a retomar a discussão de nomenclatura”. Em nota publicada em seu site, a Embrapa afirma que a alteração “(..) representa uma mudança positiva, uma vez que o uso do termo agrotóxico é bastante questionável do ponto de vista toxicológico”.
Apesar do posicionamento da Embrapa, Franciléia, que também participou da reunião na sede da OPAS, destacou que um dos pontos importantes do evento foi o posicionamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre a questão.
“Foi um dos poucos momentos que o Ibama se declarou contrário à proposta do PL do Veneno, um posicionamento diferente do que vinha acontecendo nos últimos meses de audiência pública de debates. O órgão tinha ficado meio que intimidado, tem uma nota técnica contraria ao PL do Veneno, mas foi importante que assumiu um posicionamento frente a esses órgãos internacionais ao dizer que é contrário ao PL 6.299”, relata.