Convicto de que a disputa eleitoral é decisiva para reescrever a história do país, Gilmar Mauro (51), da coordenação nacional do MST, em entrevista para nossa página fala sobre o contexto da luta política no Brasil, aponta os desafios e as tarefas práticas que os trabalhadores e trabalhadoras possuem há poucos dias do 1º turno das Eleições, que acontecerá no próximo domingo (7).
Para Mauro, a luta contra o golpe e o fascismo tem centralidade nessas eleições e destaca ainda, que é preciso conclamar os progressistas do Brasil e do mundo. “Não é momento de titubear. É momento de tomar partido. É momento de tomar decisão política”, enfatiza o dirigente Sem Terra e complementa, “a principal tarefa agora é de manhã tirar o leite e sair para fazer campanha. Voltar para casa de noite e fazer o debate nas comunidades, dentro dos assentamentos. Temos poucos dias que farão uma diferença muito grande”.
Confira a entrevista na íntegra.
As Eleições se pautam num contexto de acirramento da luta de classes. Que processos acentuaram essa conjuntura?
Tem um fenômeno de fundo que é a questão da crise. A crise do capital acontece em escala planetária e é histórico esse fenômeno. As crises abrem janelas importantes para esquerda, porque ficam mais explicitas as contradições do sistema capitalista, mas não é sinônimo da possibilidade de avanço. Nas crises também abrem-se janelas para direita e a humanidade já passou por experiências extremamente graves em contextos de crises. É bom lembrar que o surgimento do fascismo e do nazifascismo surge a partir de grandes crises econômicas e são opções colocadas no contexto de disputa […].
Nessas eleições, ela [a crise] tem uma característica, porque quando se acirra as lutas de classe o meio desaparece, o centro desaparece, e os polos se reforçam. Então nós estamos vendo no Brasil hoje alguns pastores, o Poder Judiciário, os grandes meios de comunicação, embora não querendo o “coiso” enquanto candidato, tomarem partido pela direita e, evidentemente, os outros setores progressistas terão que tomar partido nos próximos dias e muitos já tomaram. Então, é evidente a disputa de classes nessas eleições e que não se compara a nenhuma outra na história do nosso país.
Entretanto, é bom sempre ter claro, que as coisas não mudam de um dia para o outro. Em geral nós tivemos no último período de democratização no Brasil, a partir das eleições, um percentual, mais ou menos, dessa forma: em torno de 30% são votos de direita; em torno de 30% são votos de uma centro-esquerda; e 40% que oscila muito, hora vai mais para direita e hora está mais com a centro-esquerda. Nas últimas eleições, as urnas tenderam para centro-esquerda e houve também um público que absteve seu voto. Por essa razão, a disputa esta semana será muito intensa e é preciso disputar palmo a palmo nessas eleições, porque esses com certeza farão a diferença nesse processo eleitoral.
Um dado que nós temos é da última eleição da Dilma e diz que 23% das pessoas decidiram seu voto na última semana. Ou seja, essa eleição ainda está em aberta e por essa razão é importante conclamar a militância para rua e fazer a disputa política, que não é apenas uma eleição para presidente, é uma disputa política que determina o país a médio e a longo prazo. Embora, obviamente, e quero reforçar isso, as eleições não encerram a polarização da sociedade brasileira. A tendência da crise política é de ser prolongada, mas obviamente que para os progressistas, não tenhamos nenhuma dúvida, a eleição de uma “fascistoide” [Bolsonaro] vai gerar inúmeras dificuldades a nós e ao futuro do nosso país.
Entendendo esse contexto de crises e as eleições, o que mudou na vida dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo?
Há uma perca de direitos muito grande. O aumento da violência no campo, o aumento da violência muito grande na cidade, que é fruto da barbárie do mundo capitalista. Aumento do índice de negros assassinados, pobres assassinados, de mulheres violentadas, de LGBTs violentados. Ou seja, há um aumento de um preconceito muito mais explícito a partir do golpe de 2016. Porém, é importante dizer que nós sofremos um golpe em 2016 e não foi um golpe contra Dilma foi um golpe contra classe trabalhadora e o capital tinha e fez, a partir de seus interesses, a reforma trabalhista, congelou os investimentos por 20 anos, cortou políticas públicas importantes desse nosso país. Entretanto, nós resistimos. O povo brasileiro resistiu.
Agora, em 2018, estamos completamente diferentes do que estávamos em 2016. As próprias mobilizações agora do dia 29, talvez ainda não tenhamos refletido, foi um balizador muito importante e um sinalizador para sociedade brasileira. A resistência contra o fascismo, contra os preconceitos é muito grande e não há dúvida que a centralidade da luta contra o ‘coiso’, não era uma luta apenas contra o ‘coiso’, era uma luta contra comportamentos, concepções retrogradas. O debate político acerca das concepções de gênero, das questões de sexo, das questões de violência, principalmente, contra as mulheres, negros, homossexuais, vai ser completamente diferente no nosso país no próximo período.
Agora é evidente, e é preciso dizer isso com a maior naturalidade e tranquilidade, que não houve nos governos de centro-esquerda um processo de politização da sociedade. Ou seja, era muito ‘vota em mim que eu resolvo’ e nós não podemos trabalhar isso aqui. Vamos votar em nossos candidatos e isso está claro, mas não há possibilidade de fazer o enfrentamento ao golpe se não houver participação popular. Imagina a hora que a gente for discutir meios de comunicação, colocar em questão o tema da Terra, da Reforma Urbana, da Reforma Tributária, a hora que colocarmos em questão as contra reformas que foram aprovadas pelo governo golpista, certamente a direita continuará mobilizada contra e nós vamos ter que ter um amplo processo de luta popular para fazer com que um governo popular, somado as lutas populares, possa fazer as reformas que nós queremos para o Brasil.
O MST, enquanto um dos maiores movimentos de luta pela terra na América Latina e no mundo, como tem se posicionado nesse contexto?
Desde 2016 é importante dizer, nós nos posicionamos contra o golpe. Olha, nós tínhamos muitas críticas à política econômica e social da presidenta Dilma. Mas, desde lá, nos demos conta que o golpe não era contra Dilma, era contra a classe e assumimos essa postura com muita clareza.
Esse é o momento que precisamos conclamar a todos os progressistas do Brasil e do mundo. Não é momento de titubear. É momento de tomar partido. É momento de tomar decisão política. Por essa razão nós sempre defendemos Lula Livre e estamos na campanha do Haddad, sem medo nenhum ou receio. Porque essa é mais uma das batalhas políticas, sem deixar de ser quem nós somos. O MST vai continuar ocupando o latifúndio. Vai continuar fazendo a sua luta pela terra e pela construção de alimentação saudável e de um outro modelo de agricultura. Mas, nós não tenhamos nenhuma dúvida: esse é o momento de tomar partido. Porque o outro lado já tomou partido. Na crise acaba o centro. Acredito que as próprias pesquisas acendem uma luz vermelha para os setores que estão titubeando. Como os setores de classe média, não tem meio termo nessas eleições, ou você está de um lado, ou você está do outro.
Agora existem fenômenos que têm percorrido o Brasil, um, é o fenômeno do medo. Nas redes sociais, nas redes familiares, de amigos e etc. há muitas pessoas que estão com medo de se posicionar, porque o conflito está aberto e as pessoas não querem ter conflitos familiares. Eu até entendo, talvez explicitar esse voto ainda não seja uma questão tão natural o quanto é para um militante, e nós precisamos compreender isso. Dois, há um descontento generalizado sobre a realidade e com esse tipo de política, que não é apenas uma particularidade brasileira. Esse jeito de fazer política precisa ser reconfigurado e nós precisamos extrair lições desse processo.
Evidente que nós precisamos também pensar em métodos e formas organizativas que estimulem a participação popular, que estimulem a participação da juventude, que combatam o verticalísmo, o vanguardismo, que combatam visões equivocadas da política. Eu acho, que a partir do golpe, a partir dessas eleições, teremos um aprendizado muito grande. A partir dos erros cometidos poderemos estabelecer novos paradigmas de luta política e de organização para o próximo período.
Quais são as tarefas práticas que os trabalhadores do campo e da cidade possuem nestas eleições?
Primeiro é o combate intransigente ao golpismo e ao fascismo. Isso é fundamental. O nosso povo é sábio e sabe que companheiro é companheiro e golpista é golpista. Isso precisa estar claro permanentemente. A uma expressão comum para nosso povo: ‘traíra é traíra, ser humano é ser humano’. Explicitar isso no interior da nossa base e para fora da nossa base é fundamental.
Agora é evidente que precisamos fazer o enfrentamento, mas com muita generosidade e paciência. Porque é um enfrentamento político-ideológico, que vai sem dúvida colocar balizas importantes nestas eleições […].
Por fim, precisamos combater a extrema direita e articular os muitos setores que estão em dúvida para se somarem nesta tarefa. Por isso, eu diria e conclamaria todos. A principal tarefa agora é de manhã tirar o leite e sair para fazer campanha. Voltar para casa de noite e fazer o debate nas comunidades, dentro dos assentamentos. Temos poucos dias que farão uma diferença muito grande na nossa história.