Cadeia para a Cutrale e liberdade aos presos políticos do MST

Hoje, 11 de outubro, completa um mês da prisão de Willian Miranda Cabeçoni, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Agudos, interior do estado de São Paulo

 

Da Página do MST 

 

Hoje, 11 de outubro, completa um mês da prisão de Willian Miranda Cabeçoni, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Agudos, interior do estado de São Paulo. Na verdade, é mais um militante do MST preso, entre tantos outros que ainda sofrem processos por lutarem pela terra na região de Iaras, onde a Cutrale concentra milhares de hectares de terras griladas, entre elas, a Fazenda Santo Henrique, um latifúndio de 2.500 hectares de terras públicas, invadido e explorado ilegalmente pela empresa.

A fazenda Santo Henrique faz parte do antigo Núcleo Colonial Monções, um conjunto de cerca de 40 mil hectares de terras da União, invadido por empresas de cana-de-açúcar, eucalipto e laranja, entre elas a Cutrale. Pelo menos desde 2009 o próprio Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) afirma se tratarem de terras públicas. À época, seu superintendente, Raimundo Pires Silva, afirmou ao jornal Folha de São Paulo que “estão irregularmente em terras da União todos os proprietários em empresas com fazendas no antigo Núcleo de Colonização Monções”. Mais tarde, em 2011, o então presidente do Incra, Celso Lacerda, em entrevista à jornalista Lúcia Rodrigues, disse que “a Cutrale sabe que está em terra pública”. Mesmo assim, e com todas as denúncias feitas pelo MST, há pelo menos 40 mil hectares de terras griladas. E são os sem terra quem estão presos e não a família José Luís Cutrale.

José Luís Cutrale Jr. é neto de um imigrante italiano bilionário, Giuseppe Cutrale, que negociava laranjas no Mercado Municipal de São Paulo e, favorecido pela ditadura civil-militar de 1964, comprou sua primeira fábrica de suco de laranja em 1967, além de cinco complexos industriais no interior de São Paulo e duas fábricas norte americanas, entre a elas a Minute Maid.

Em algumas décadas a Cutrale tornou-se um poderoso complexo com negócios diversificados. Segundo relatório da empresa inglesa Burlingtown LLP, entre 2007 e 2013, o faturamento anual da holding controlado por José Luis Cutrale alcançou as cifras anuais de cerca de US$ 1,3 bilhão, contando com dez subsidiárias nos EUA, Reino Unido, Países Baixos e Portugal, com participações em empresas na Alemanha, Japão, entre outras. Ainda em 2012, diante da crise do setor citrícola, a Cutrale passou a operar no comércio de commodities e na plantação de soja, por meio da Cutrale Trading, que na safra 2015/2016 registrou a produção de 1,5 milhão de toneladas, destinadas ao mercado chinês e oriundas, sobretudo, dos estados que fazem parte da Amazônia Legal. Junto com o banqueiro Joseph Safra, a Cutrale também adquiriu a empresa Chiquita Brands Internacional Inc., de origem norte americana, passando a atuar também no ramos de frutas, chips de frutas para saladas, entre outros gêneros. Além disso, vale destacar que a empresa é acionista da Coca-Cola no Brasil. Seu império inclui ainda mais de uma dezena de empresas, o controle de mais 200 mil hectares de terras com laranja e soja, contando ainda com uma das maiores frotas de caminhões e navios do Brasil, para escoar sua produção.

Cutrale é conhecido no mercado pelo jogo sujo que faz e que se traveste de “estratégias agressivas”. Não é à toa que a ascensão do grupo empresarial coincide com suas práticas criminosas: ainda nos anos de 1980 já era acusada pelo Departamento de Comércio dos Estados Unidos por práticas anti-concorrenciais; em 1990, acumularam-se processos por formação de cartel, manipulação do mercado e criação de barreiras para a entrada de concorrência. De 1994 a 2003, a empresa foi alvo de, ao menos, cinco processos por formação de cartel, junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão que tem por função principal garantir as condições de concorrência no mercado brasileiro. Em 2006, durante a Operação “Fanta”, a polícia reuniu mais de 30 sacos de documentos e computadores de exportadores de laranja, onde a Cutrale era acusada de fixação de preços no mercado. Na ocasião foi encontrada uma submetralhadora Uzi no escritório de um diretor da Cutrale. Até hoje não houve nenhuma punição para a empresa.

Ao longo destes anos também não foram poucas as ações trabalhistas enfrentadas pela Cutrale. Há 6 anos, a empresa foi condenada pela Justiça do Trabalho de Botucatu a cumprir normas de medicina e higiene do trabalho e a regularizar os alojamentos de trabalhadores, que apresentavam condições infra-humanas para seus trabalhadores. Além disso, a empresa arregimentava trabalhadores do Nordeste sem atender às mínimas exigências da legislação trabalhista brasileira. Recentemente, a empresa foi investigada pelas longas e extenuantes jornadas de trabalho de seus motoristas, que trabalhavam sem descanso e em péssimas condições.

Em 2012, no município de Iaras, trabalhadores da empresa denunciaram as situações de superexploração do trabalho: recebiam 29 centavos por cada caixa de laranja colhida que, em média, pesa cerca de 50 quilos e devem ser carregadas pelos próprios trabalhadores. São inúmeros os casos de lesão por esforço repetitivo (LER), problemas na coluna e outras doenças provocadas pelo trabalho pesado. Isso sem contar as várias doenças decorrentes da utilização de agrotóxicos na produção da laranja, tanto pelo contato direto, quanto pelo contato indireto – como, por exemplo, o consumo de água contaminada.

Em fevereiro de 2013, um ônibus que transportava trabalhadores sofreu um acidente no trecho entre o município de Iaras e Agudos. O ônibus caiu no Rio Pardo depois do motorista desviar de um ônibus escolar que vinha em sentido contrário, em razão de falha nos freios. Onze trabalhadores ficaram feridos, dois deles com traumatismo craniano. Como a Cutrale não é a empresa oficialmente responsável pelo transporte de trabalhadores, nada sofreu. Recentemente, há pouco mais de um mês, em Araraquara, a empresa foi condenada a pagar R$ 2 milhões por danos morais coletivos a trabalhadores que eram revistados nas trocas de turno de trabalho.

A usurpação de terras públicas, assim, é apenas uma parte da montanha de ilegalidades que constituem o complexo bilionário da família Cutrale, que escapa sistematicamente do Judiciário brasileiro, mesmo sendo ela uma organização criminosa – na última década, a Cutrale foi investigada 286 vezes por promotores brasileiros por suas práticas trabalhistas ilegais.

No dia 10 de julho de 2013, a juíza federal Melina Faucz Klentenber, da Vara Federal de Ourinhos, chegou a bloquear a matrícula da fazenda Santo Henrique, impedindo a Cutrale de fazer qualquer negociação com a área. Do mesmo modo, a advogada da União, Lucia Helena Brandt, pediu à Justiça a declaração de nulidade da matrícula da fazenda e a abertura de matrícula própria do imóvel em nome da União. A Advocacia-Geral da União foi categórica quanto ao fato de 1,1 mil hectares eram grilados, tendo sido adjudicados e transferidas da antiga Cia. Colonial São e Paraná para a União em 1909.

Entretanto, é a luta pela terre os Sem Terra – que denunciam sistematicamente a empresa Cutrale – que têm sido alvo da criminalização, mesmo com a decisão da Sexta Turma do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, de que a Lei n. 12.850/2013 não pode enquadrar um militante social como responsável por crimes, pelo simples fato de ser um militante social. O Ministro Rogério Cruz destacou, na ocasião, que “participar de movimentos sociais, entre eles o MST, não é crime”. Deste modo, os militantes do MST acabam acusados por “crimes comuns” que não praticaram, sendo, por este caminho, criminalizados e condenados pela justiça, como é o caso de Willian Miranda Cabeçoni.

Em tempos de golpe e de acirramento da luta de classes, com ascensão das forças mais conservadoras e reacionárias, para as quais convergem amplos setores do agronegócio e suas personalidades, é preciso afirmar com veemência que lutar não é crime.

Liberdade para Willian Miranda Cabeçoni e todos os presos políticos do MST.

São Paulo, 11 de outubro de 2018.

Direção Estadual do MST/SP