“Nos encontramos na eminência de um verdadeiro etnocídio das populações indígenas no Brasil”, denuncia professor da Unifesspa
Por Solange Engelmann
Dá Página do MST
Em entrevista ao site do MST, o professor da Faculdade de Educação do Campo da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) e doutorando do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ), Haroldo de Souza, avalia o programa de governo de Jair
Bolsonaro (PSL) para o território da Amazônia.
Ele também aponta questões, que de forma dialética e articuladas são fundamentais para compreendermos e analisarmos a ofensiva adotada por esse governo, contra a Amazônia e os seus povos.
Na visão de Souza, o programa de governo de Bolsonaro possui um caráter ultraneoliberal e rentista, com objetivo de “consolidar um estado de exceção permanente no país e na Amazônia”.
O que coloca o território amazônico e seus povos: índios, quilombolas, comunidades tradicionais e assentamentos rurais em suas diferentes modalidades, em risco permanente, considerando que esses territórios representam; aproximadamente 55% dos cerca de 500 milhões de hectares de terras e territórios da Amazônia Legal, são eles que se encontram; expostos aos interesses do agromineral.
Qual a política do governo Bolsonaro para a Amazônia?
As políticas de todos os setores desse governo buscam consolidar um estado de exceção permanente no país e na Amazônia. Desde a economia, a educação, direitos sociais, meio ambiente e questões agrárias, luta por terra e territórios. São políticas que assumem um caráter ultraneoliberal rentista, orquestrado, basicamente, pela Emenda Constitucional 95/2016 que impôs o congelamento dos gastos públicos [por 20 anos], a consolidação da reforma
trabalhista e a realização da reforma da previdência.
Essas políticas de caráter nacional atingem a Amazônia, pois se associam diretamente à criminalização dos movimentos sociais. No caso específico da Amazônia, do ponto de vista político, a indicação dos militares para alguns ministérios estratégicos como da Defesa, Minas e Energia, Ciência e Tecnologia e Infraestrutura, indica uma tentativa de flexibilização da leis ambientais e reversão. Alteração dos direitos sociais, territoriais dos povos e comunidades tradicionais na Amazônia. Isso preocupa porque eleva o nível de violência contra, sobretudo, os indígenas, quilombolas e as populações camponesas e de áreas tradicionalmente ocupadas.
Como o governo de Bolsonaro ameaça a floresta Amazônica e os seus povos?
A declaração da Ministra do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Tereza Cristina, no início do ano é emblemática em relação a essa política. Ela se pronunciou taxativamente contra a demarcação das terras indígenas, pela venda de terras aos estrangeiros e pela aprovação, praticamente irrestrita, do uso de agrotóxicos. Isso coloca em risco qualquer tipo de organização social, política e formas de vida que vão de encontro aos interesses ultraneoliberais e rentistas, assumido pelo governo Bolsonaro.
A violência desses proprietários de terra, articulados em torno da “bancada do boi”, “bancada da bala” e a “bancada evangélica”, caracteriza uma possível tragédia civilizatória para a Amazônia, como a gente ainda não viveu no período da história mais recente, da abertura democrática do país. A aprovação governamental dessas medidas violentas e o silêncio sobre tais truculências, juntamente com a intimidação e a criminalização é o viés que esse governo assume e as ameaças que representa para Amazônia.
Qual a política desse governo para as populações indígenas da Amazônia?
De acordo com o relatório do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e os dados da Funai, do ano passado. Há na Amazônia Legal hoje 287 terras indígenas sem reconhecimento. São indígenas que não possuem nenhum acesso a direitos e políticas públicas. Por outro lado, há 338 terras indígenas registradas e reconhecidas. Estas obrigatoriamente devem ser consideradas no planejamento e na locação de recursos para as necessidades básicas do povos e comunidades indígenas, nos setores e nas áreas de educação, saúde, cultura, transporte, infraestrutura, produção, etc.
Estamos falando de 625 terras indígenas que estarão sendo diretamente atingidas pela ação do grande capital nacional e transnacional na Amazônia, sem qualquer tipo de mediação positiva ou propositiva do Estado Brasileiro. O que agudiza e acentua o quadro de uma tragédia civilizatória sem precedentes na história democrática da Amazônia.
Se mantendo esse quadro atual político anunciado pelo governo Bolsonaro nos encontramos na eminência de um verdadeiro etnocídio com essas populações indígenas, anunciados pela desarticulação da Funai e pelo fim da demarcação das terras indígenas. Ações que estão diretamente articuladas com os interesses do agromineral negócio e seus representantes no governo.
Como o aumento do desmatamento e a exploração da mineração afetam os povos que dependem da floresta Amazônica?
É clara a perda de autonomia e poder na reforma ministerial do Ministério do Meio Ambiente, que abre caminho ao desmonte das políticas ambientais. O combate ao desmatamento desaparece. A gestão sócio territorial do setor produtivo das comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas também desaparecem. A ideia de
uma responsabilidade ou de uma justiça socioambiental que articula a produção e o consumo, de forma sustentável e a própria interlocução com a sociedade, também se tornam inexistentes.
O que foi reduzido?
O poder sobre as negociações internacionais e toda uma política educacional e social, que desaparece. Esse é um primeiro elemento, diretamente relacionado com essa articulação do meio ambiente e a exploração dos recursos naturais. O aumento do desmatamento na Amazônia tem como atributo primeiro a extração ilegal de madeiras, ditas nobres, mas após abertos os territórios e as terras, a formação de pastagem para a criação de gado em larga escala de forma intensiva propicia a apropriação e incorporação de centenas de milhares de hectares de terra ao processo produtivo das grandes empresas agropecuárias.
Essa perversidade se acentua brutalmente no caso da mineração, por exemplo. Porque a mineração não se encerra nela mesma. Mas, vem acompanhada de um conjunto de obras de infraestrutura e geração de energia para que os projetos minerais possam extrair essas riquezas do subsolo. Vale destacar a abertura e duplicação de estradas e ferrovias, como por exemplo, ocorreu recentemente no Estado do Pará, na região Sudeste, no município de Canaã dos Carajás para a implantação e funcionamento do projeto S11D, [um dos maiores complexos da mineradora Vale], a serviço do grande capital nacional e internacional.
Há atualmente 270 projeto e megaprojetos de interesses nacional e internacional que estarão cortando os 625 territórios indígenas por estradas ferrovias, portos, projetos de mineração e hidrelétricas. Na Amazônia Legal hoje são aproximadamente 108 milhões de hectares de terra indígenas, se considerarmos as áreas de projetos de assentamentos rurais, em suas diferentes modalidades temos em torno de 40 milhões de hectares. As unidades de conservação de esfera estadual e federal constituem aproximadamente 120 milhões de hectares e os território quilombolas, por volta de 700 mil hectares. Estamos falando de aproximadamente 55% dos cerca de 500 milhões de hectares de terras da Amazônia Legal, que estarão diretamente expostos aos interesses do agromineral
negócio do governo Bolsonaro.
Quais as formas de resistência e luta dos povos da floresta e os movimentos socais para impedir a destruição da Amazônia?
É preciso construir, reconstruir no horizonte estratégias de lutas sociais e tentar entender por que esses territórios são alvo. Esses espaços significam mudanças, outras formas de organização societária, política e de relação com a natureza. E nos apontam outras possibilidades de valores fundados na justiça social, ambiental, na defesa da diversidade étnico-cultural da Amazônia e do povo brasileiro, e na defesa da vida. É isso que a Amazônia representa e por isso está na centralidade dos ataques e na mira do governo de Bolsonaro, que quer de alguma forma exterminá-los, mudá-los.
A ultraneoliberalização hegemonizada pelo capital financeiro em aliança ou em conluio com oligarquias, agrária, latifundiárias, exportadoras e produtoras de commodities associada ao capital nacional e transnacional dessas grandes corporações nos colocam diante desse quadro que é preciso ser rompido. Mas, é preciso reconhecer que em outubro do ano passado, foi aprovado no Conselho de Direitos Humanos da ONU uma declaração dos Direitos Camponeses e outros sujeitos que trabalham e vivem na zonas rurais. Pela primeira vez na legislação
internacional um conjunto de direitos: à alimentação saudável, ao acesso à terra, conservação dos recursos naturais, das águas e dos territórios, representa uma conquista importante que deve ser enaltecida.
Não se trata de uma questão de alternativa, mas de direito. Por mais que há uma perversidade hoje de manipulação da nossa esfera jurídica tentando fazer com que a ilegalidade se torne legal. Se trata de reafirmar os direito dos povos camponeses e do campo.