Carta assinada por intelectuais e ativistas exalta a importância do 8 de março

Texto conta com autoras renomadas de várias nacionalidades e reforça a importância de uma visão transnacional
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Mulheres preparam mobilização global no dia 8 de março. Foto: Agência Brasil

 

Da Página do MST

 

Neste 8 de março, um texto escrito por 24 autoras têm chamado atenção nas redes sociais ás lutas das mulheres em todo o mundo. A  composição fala sobre “a nova onda feminista” como uma ferramenta fundamental na luta contra o fortalecimento da extrema direita. Segundo elas, as mulheres estão liderando a resistência em inúmeros países.

O texto ressalta também que este é o terceiro ano consecutivo desta solidariedade internacional pelos direitos de todas as mulheres. Das 24 autoras do manifesto, como Angela Davis, filósofa socialista estadunidense, e Verónica Gago, liderança do movimento Ni Una Menos na Argentina, destacam-se quatro brasileiras: a escritora e ativista Antonia Pellegrino; Jupiara Castro, integrante do Núcleo de Consciência Negra; a arquiteta Mônica Benício, viúva de Marielle Franco; e Sônia Guajajara, liderança da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.

Outras notoriedades da luta pelo direitos das mulheres no Brasil também assinaram a carta, que propõe ações relacionadas a uma “Internacional Feminista”. Destacam-se nomes como Amara Moira, trans e doutora pela Unicamp, Gleisi Hoffman, presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Luiza Erundina, deputada estadual do PSOL e Sueli Carneiro, fundadora do Geledés – Instituto da Mulher Negra. Para assinar o manifesto, é necessário enviar informações pelo site internacionalfeminista.org.

Leia a carta na íntegra:

 

Para além do 8 de Março: rumo a uma Internacional Feminista

 

Pelo terceiro ano consecutivo, a nova onda feminista transnacional chamou um dia de mobilização global no 8 de março: greves legais do trabalho assalariado, como as 5 milhões de grevistas do 8 de março de 2018 na Espanha e as centenas de milhares no mesmo ano na Argentina e na Itália; greves protagonizadas pelas bases de mulheres sem direitos ou proteção trabalhistas, greves do trabalho de cuidado e não pago; greves de estudantes, mas também boicotes, marchas e trancamentos de vias.

 

Pelo terceiro ano consecutivo, mulheres e pessoas que por todo o mundo estão se mobilizando contra os feminicídios e toda forma de violência de gênero; pela autodeterminação de seus corpos e acesso ao aborto seguro e legal; por igualdade salarial para trabalhos iguais; pela livre sexualidade. Se mobilizam também contra os muros e fronteiras; o encarceramento em massa; o racismo, a islamofobia e o anti-semitismo; a desapropriação das terras de comunidades indígenas; a destruição de ecossistemas e a mudança climática.

 

Pelo terceiro ano consecutivo, o movimento feminista está nos dando esperança e uma visão para um futuro melhor em um mundo em desmoronamento. O novo movimento feminista transnacional é moldado pelo sul, não só no sentido geográfico, mas também no sentido político, e é nutrido por cada região em conflito. Essa é a razão de ele ser anticolonial, antirracista e anticapitalista.

 

Estamos vivendo um momento de crise geral. Essa crise não é de forma alguma somente econômica; é também política e ecológica. O que está em jogo nessa crise são nossos futuros e nossas vidas. Forças políticas reacionárias estão crescendo e apresentando-se como uma solução a essa crise. Dos EUA à Argentina, do Brasil à Índia, Itália e Polônia, governos e partidos de extrema direita constroem muros e cercas, atacam os direitos e liberdades LGBTQ+, negam às mulheres a autonomia de seu próprio corpo e promovem a cultura do estupro, tudo em nome de um retorno aos “valores tradicionais” e da promessa de proteger os interesses das famílias de etnicidade majoritária. Suas respostas à crise neoliberal não é resolver a raiz dos problemas, mas atacar os mais oprimidos e explorados entre nós.

 

A nova onda feminista é a linha de frente na defesa contra o fortalecimento da extrema direita. Hoje, as mulheres estão liderando a resistência a governos reacionários em inúmeros países.

 

Em setembro de 2018, o movimento “Ele Não” juntou milhões de mulheres que se levantaram contra a candidatura de Jair Bolsonaro, que agora tornou-se um símbolo mundial dos planos da extrema direita para a humanidade e o catalisador de forças reacionárias na América Latina. Os protestos ocorreram em mais de trezentas cidades no Brasil e em todo o mundo. Hoje, Bolsonaro está colocando em prática uma guerra contra os pobres, as mulheres, as LGBTQ+ e as pessoas negras. Ele apresentou uma reforma da previdência draconiana e afrouxou as leis de controle das armas.

 

Feminicídios estão disparando num país que já em 2018 tinha um dos maiores números de feminicídios do mundo, sendo 70% dessas mulheres assassinadas negras. 126 feminicídios já ocorreram em 2019. O movimento feminista brasileiro está respondendo esses ataques e se preparando para a mobilização no 8 de março e novamente no 14 de março, no aniversário do assassinato político de Marielle Franco, ao mesmo tempo em que emergem informações sobre os fortes laços entre os filhos de Bolsonaro e um dos milicianos responsáveis por sua morte.

 

Da mesma forma, o Non Una Meno na Itália é hoje o único movimento organizado respondendo às políticas anti-imigrantes e misóginas do governo de direita da Liga Norte e do Movimento Cinco Estrelas. Na Argentina, mulheres lideraram a resistência contra as políticas neoliberais de direita do governo Macri. E, no Chile, o movimento feminista está lutando contra a criminalização da luta dos povos indígenas e o machismo sistêmico de uma educação muito cara.

 

O movimento feminista também está redescobrindo o significado da solidariedade internacional e da iniciativa transnacional. Nos últimos meses o movimento feminista argentino usou o evocativo nome de “Internacional Feminista” para se referir à prática da solidariedade internacional reinventada pela nova onda feminista, e em alguns países, como a Itália, o movimento está discutindo a necessidades de encontros transnacionais para melhor coordenar e compartilhar visões, análises e experiências práticas.

 

Diante da crise global de dimensões históricas, mulheres e pessoas LGBTQ+ estão encarando o desafio e preparando uma resposta global. Depois do próximo 8 de março, chegou a hora de levar nosso movimento um passo adiante e convocar reuniões internacionais e assembleias dos movimentos: para tornar-se o freio de emergência capaz de deter o trem do capitalismo global, que descamba a toda velocidade em direção à barbárie, levando a bordo a humanidade e o planeta em que vivemos.

 

*Editado por Fernanda Alcântara