“Me sinto parte da história do MST”

Conheça a história de Gilvânia Ferreira, a Vânia do MST

 

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Vânia do MST em caminhada com outras mulheres
Foto: Mariana Castro

 

Por Mariana Castro
Da Página do MST*

Em novembro de 2012, Gilvânia Ferreira – conhecida como Vânia do MST – era homenageada por sua luta pela Reforma Agrária e defesa dos acampados do Cipó Cortado, em Senador La Roque (MA). Há anos a região é local de intenso conflito fundiário.

A condecoração, promovida pelo do Centro de Promoção da Cidadania e Defesa dos Direitos Humanos foi realizada no dia em que se comemorava a suspensão de uma ordem de despejo do acampamento. 

Vânia foi recebida por muitos homens, mulheres, crianças e idosos. As crianças com cabelos enfeitados, os homens com as camisetas vermelhas e as mulheres erguendo gritos de luta como: “lugar de mulher é na revolução”.

Ao descer do carro, a homenageada foi rodeada por militantes que a aguardavam para resolver problemas, contar uma novidade ou pedir um palpite sobre uma decisão do grupo. Naquele momento, percebi a força desta mulher Sem Terra, nordestina de raiz, camponesa e que escolheu o Maranhão e a Amazônia para atuar pelo MST.

As diversas frentes de Vânia do MST

Paraibana de Canafistola, hoje Município Alagoa Grande, Vânia conviveu desde pequena com conflitos de terra, pois aquela é uma região cercada por cana-de-açúcar, onde já atuava um combativo sindicato de trabalhadores rurais. Aos 14 anos, ela já participava das greves dos canavieiros. “Me encantava a forma como as mulheres ficavam à frente das lutas. Não entendia muito bem, mas já achava que aquele era o caminho certo”.

Católica praticante, desde pequena ajudava nas reuniões da igreja. Vânia foi animadora da comunidade e, a partir dos 14 anos, tornou-se membro da Pastoral da Juventude, onde iniciou seu processo de engajamento político.

A menina ficava encantada com os sermões de padres italianos da comunidade membros da Comissão Pastoral da Terra (CPT), tanto que nunca esqueceu os nomes. Eles, Cristiano e Luís, ensinavam sobre a Bíblia e pregavam a necessidade de batalhar pelos seus direitos. “Foi ali que despertei para a necessidade da luta pela terra, pois na minha comunidade, eram poucos os que tinham um pedaço para morar e produzir”, lembra Vânia.

Ainda aos 14 anos tornou-se professora na escola onde foi alfabetizada, lia literatura de cordel para os moradores, fazia teatro na igreja e redigia cartas. Quando as pessoas da comunidade não sabiam o que dizer, pediam que Vânia contasse as novidades da região aos amigos e familiares distantes.

Com 16 anos, se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT), inspirando-se em mulheres atuantes de sua comunidade, como Margarida e Maria da Penha. À última, Vânia credita uma época importante em sua vida, pois foi ela quem lhe ofereceu o livro: “As mulheres da Nicarágua – Estamos todas espertas”, de Margaret Randall, sobre a guerrilha e a revolução lideradas por personalidades femininas. “Eu lia e chorava. Nem entendia porque chorava tanto, mas foi um livro que marcou a minha vida”, lembrou.

Tornando-se a Vânia do MST

O primeiro contato de Vânia com MST veio a partir de um convite para participar do Jornal Sem Terra. Ela não só aceitou o convite como passou a ser uma zeladora e correspondente do veículo. “Eu escrevia o que acontecia na comunidade e enviava ao jornal, depois o distribuía na escola. Foi quando começaram a me chamar de comunista”, contou Vânia.

Ao concluir o ensino médio, em 1989, Vânia participou de um encontro nacional do MST, evento que viria a marcar definitivamente sua entrada movimento. Naquele momento, ela deixou suas outras atividades na Paraíba para se dedicar somente à luta pela terra e foi participar de sua primeira ocupação. “Foi quando eu decidi que realmente era importante fazer a luta. Antes eu entendia o conflito, mas não tinha vivido na pele”, lembra.

“Eu me sinto parte da construção dos 35 anos do MST. Tenho 27 anos de luta e muito orgulho do grão de areia que coloquei na obra”. afirmou ao recordar das dificuldades que enfrentou para levar as suas decisões à frente.

“Eu dizia à minha mãe que ia a um encontro da igreja, mas a verdade é que depois ia para ocupação. Fiz todo o trabalho de base escondida da família. Foi a forma que encontrei pra participar.”

Unida a outros dois amigos militantes, liderou uma ocupação em Pernambuco e a fundação do Movimento no estado. Logo foi convidada para a Escola de Mulheres, encontro que acontece em Cuba e discute a participação das representantes mulheres nas lutas sociais. Como na época ela ainda precisava da assinatura dos pais, com 19 anos precisou ser emancipada. “Minha mãe não assinou não, quem assinou foi meu pai. Ela negou”.

Um ano depois ela retornou para a Paraíba, onde organizou outras ocupações. Em 2 de junho de 1992, foi convidada para chegar em Imperatriz, “pois era onde ficava a secretaria estadual do MST no Maranhão”. Na cidade, participou de quase todas as ocupações na baixada maranhense, só na primeira metade da década de 90, ajudando posteriormente a consolidar o Movimento em diversos outras regiões do estado.

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Foto: Mariana Castro

Um região de conflitos

A cidade de Imperatriz fica na divisão geográfica do Maranhão, chamada de Região Tocantina, por ser banhada pelo Rio Tocantins. É a área mundialmente conhecida como o Bico do Papagaio, que compreende o sudoeste do Maranhão, norte do Tocantins e sul do Pará.

Espaço de grandes conflitos, Imperatriz está situada no local onde Padre Josimo foi assassinado. É um dos polos de atuação da União Democrática Ruralista (UDR), principal opositora do MST no final do século passado. A cidade chegou a ser apelidada nacionalmente de “capital da pistolagem”.

Além das revoltas no campo, outros conflitos também fazem parte da história da região, como Renato Cortez Moreira, prefeito assassinado em 1993, e do deputado federal Davi Alves Silva, morto em 1998. Ainda nesta década, a cidade entrou em ebulição quando a prefeitura e a câmara municipal foram ocupadas por uma semana, resultando inclusive em uma intervenção estadual.

O cenário de efervescência era ideal para a atuação de grandes movimentos e de fortes lideranças. Assentada desde 1997 no Projeto de Assentamento Alegria, em Davinópolis – cidade vizinha à Imperatriz –, Vânia se tornou uma das primeiras dirigentes nacionais do MST pelo Estado. Sua chegada na região foi fundamental para a articulação entre os diversos movimentos camponeses, entidades e organizações urbanas.

Nesta intermediação, Vânia conseguiu o respeito da imprensa na região e nos espaços acadêmicos produzidos pelas universidades, além da própria classe política, recebendo em 2015 o título de cidadã imperatrizense.

Como o guerrilheiro Che Guevara, Vânia acredita que é preciso ter pulso firme, mas sem perder a ternura: “dizem que a luta embrutece, mas é no enfrentamento que vemos a crueldade e nos sensibilizamos com os desiguais. A luta me fez ver outra dimensão da vida e ser mais sensível”, afirmou.

Antes professora substituta na Universidade Estadual do Sul do Maranhão, Vânia é pedagoga formada pelo MST e atualmente coordenadora pedagógica do Programa de Formação de Docentes “Caminhos do Sertão”, nas unidades avançadas da universidade. É uma militante múltipla, que vive intensamente as lutas sociais a partir da diversidade da vida e das causas.

 

*Este perfil é parte das publicações especiais da Jornada Nacional de Lutas das mulheres do MST.