Livro discute Pedagogia do Movimento Sem Terra e Relações de Gênero

Confira entrevista com Djacira Araújo, autora do livro sobre incidências, contradições e perspectivas da Pedagogia do MST

 

Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST

 

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 Djacira Maria de Oliveira

Diante do desafio de estudar a  Pedagogia  do  MST numa perspectiva de gênero, Djacira Maria de Oliveira Araújo lançou o livro “Pedagogia do Movimento Sem Terra e Relações de Gênero: incidências, contradições e perspectivas em movimento”. Oriunda das lutas do campo, Djacira contribuiu por muitos anos com a educação no Brasil. Ela é pertencente e dirigente do  MST, coordenou também a Escola Nacional Florestan Fernandes por anos, e agora mostra os resultado de suas observações.

O livro é fruto da pesquisa de dissertação defendida por Djacira no Programa de Pós-Graduação  da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e mostra um olhar acurado sobre a Pedagogia do MST e as questões de gênero, especialmente na forma como se articulam frente as  questões de dominação com a temática de opressão de gênero e raça/etnia. Sua  dissertação,  agora convertida  em livro, expõe  de maneira clara e objetiva a luta pela emancipação da classe  trabalhadora sob a ótica dos problemas enfrentados pelas  mulheres.

Confira entrevista exclusiva com a autora:

Página do MST: O que você considera “Pedagogia do MST”, defendida neste livro?

Djacira Maria de Oliveira Araujo (DMOA):  A sociedade conhece o MST como movimento de luta pela questão agrária e pela terra, mas ao se constituir como sujeito coletivo de luta no campo, o MST também elabora uma nova dinâmica pedagógica. Esta dinâmica está presente em todo o processo de organização nas formas de luta e nós a denominamos de práxis pedagógica, construída a partir de  ações, do estudo e contribuições históricas para o desenvolvimento da sociedade brasileira do campo. Ao desenvolver essa práxis pedagógica, o MST acaba sendo um sujeito coletivo e educativo para sua própria base social, ou seja, para o indivíduo Sem Terra que se organiza, se mobiliza e reconstrói a dinâmica de desenvolvimento de vida no campo.

E qual o impacto desta práxis na sociedade?

DMOA: O MST é um dos movimentos sociais mais conhecidos na sociedade brasileira, e atualmente em todo o mundo. Alguns gostam, outros podem discordar em alguns pontos, mas hoje não se pode negar que o campo brasileiro e a sociedade como um todo ganhou outra dinâmica com o MST. Os movimentos sociais intensificaram esta nova forma de organização do campo a partir da práxis educativa e pedagógica do MST. Com ela é possível olhar a comunicação do campo e os processos de organização da sociedade considerando essa relação campo e cidade, e especificamente no livro, repensando as relações sociais.

Nesse estudo, a preocupação foi olhar não somente a incidência desta práxis pedagógica nas relações entre homens e mulheres, mas também articular essa reflexão à proposta geral do movimento e da luta de classe. Temos uma  compreensão metodológica da luta do campo, e essa práxis pedagógica do movimento articula um conjunto de mudanças que perpassa até entre nações, uma vez que a questão da propriedade de terras está relacionada à colonização. 

E como você chegou a este tema?

DMOA: É preciso considerar o lugar social de onde eu vim. Como militante e educadora do MST, refletimos sobre as práticas pedagógicas e percebemos singularidades à nossa metodologia, como a maneira diferente de se relacionar com as práticas reais, ou seja, o MST formula as intenções, mas nós precisamos criar as condições. E as mulheres estão no centro destas contradições, almejando ampliar estas construções que o movimento vem fazendo e, ao mesmo tempo, se deparando com heranças culturais e atitudes das quais que ainda não conseguimos nos separar. Não podemos pensar o MST como uma ilha, as nossas escolas e espaços pedagógicos no campo são permeados a essas contradições, heranças culturais, patriarcais, machistas e de ideologias conservadoras. Mas com a Pedagogia que aprendemos no MST entendemos a importância do princípio de organização, direção e representação coletiva e participação democrática. A partir desses princípios pedagógicos, conseguimos enxergar as contradições e perceber que elas ainda estão presentes, mesmo que não-intencionalmente.

Além destas reflexões, que novidades o livro traz?

DMOA: O livro traz as contradições, as incidências e perspectivas, e como avançar nesta construção. Tem muita coisa nova, muitas experiências sendo desenvolvidas e várias iniciativas alternativas que o MST defende, mas é preciso repensar as condições para este desenvolvimento, porque não dá para considerar igual os diferentes, aqueles em condições de diferentes sem o princípio da cooperação. Precisamos exercer a democracia, ampliar a participação e estabelecer igualdade, ao mesmo tempo em que também é preciso elucidar as circunstâncias reais, porque as condições que as mulheres tem para se inserir no processo coletivo não são as mesmas que o homens. É necessário que o homem assuma outras tarefas, outros papéis e entenda a função da organização da vida familiar nas relações de trabalho, com base na cooperação. São questões que muitas vezes se tornam contradições, mas precisam avançar. A vantagem é que o MST reconhece que existe uma desigualdade nas relações de gênero e nas relações de classe; como movimento, ele denuncia e intenciona em sua Pedagogia para esta nova construção, mas  cabe também aos instrutores, homens e mulheres, a tarefa de lidar com essas contradições, tencionar e lutar por justiça.

E quais as perspectivas que você traz no livro?

DMOA: Muitas vezes as pessoas aprendem a teoria comunista de forma rasa e distorcida, sem prestar atenção nas ações reais, então minha intenção foi contribuir para este debate, mostrando as lições que a Pedagogia do MST traz. O fato de termos uma Pedagogia elaborada não garante um processo de transformação nas relações, então é preciso olhar essas teorias e esta fundamentação e levá-las à prática. Que em cada espaço, seja em sala de aula, escola ou cotidiano, possamos levar os princípios desta Pedagogia para gestão coletiva. Avançamos muito nas construções do debate sobre as mulheres, mas ainda há muito a construir, e a intenção é levar este diálogo, principalmente neste momento de ofensiva que estamos vivendo sobre direitos, feminismo e democracia.  Este estudo visa contribuir em tempos de barbárie e de fortalecimento do conservadorismo. Seguimos na compreensão da importância de apontar o abismo existente entre as relações sociais dos homens e das mulheres como sujeitos na construção de uma nova sociedade mais igual, mais democrática.

 

*Editado por Gustavo Marinho