Mina Guaíba: “Somos contra, porque somos a favor da vida”, afirma assentado

Declaração demarca o posicionamento do Assentamento Apolônio de Carvalho, no RS, em relação à mineração em Eldorado do Sul
O assentado Marcelo Paiakan disse que não há nenhum acordo das comunidades com a Copelmi. Foto – Catiana de Medeiros.jpg
O assentado Marcelo Paiakan disse que não há nenhum acordo das comunidades com a Copelmi.
Foto: Catiana de Medeiros

Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST

 

Em roda de conversa sobre os impactos do avanço da mineração no Rio Grande do Sul, o camponês Marcelo Paiakan reafirmou que as famílias do Assentamento Apolônio de Carvalho são contra a implantação da Mina Guaíba entre os municípios de Charqueadas e Eldorado do Sul, na região Metropolitana de Porto Alegre. A atividade, que aconteceu na tarde da última quarta-feira (17) na Assembleia Legislativa, foi promovida pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH), com o apoio do MST e de outras organizações.
 

A manifestação de Paiakan, em nome das famílias do assentamento, se deu após questionamento de uma participante sobre a posição das comunidades em relação ao projeto da Copelmi. A mineradora estaria afirmando em alguns espaços que tem apoio dos impactados para instalação da maior mina de extração de carvão a céu aberto do país. No entanto, conforme Paiakan, essa afirmação é uma grande mentira. “Nós somos contra, porque somos a favor da vida. Se a Copelmi fala isso aí, ela está mentindo. Não tem nenhum apoio do Assentamento Apolônio de Carvalho e muito menos do Guaíba City”, explicou.
 

Objetivo da roda de conversa foi informar a população sobre os impactos da mineração no RS. Foto – Catiana de Medeiros.jpg
Foto: Catiana de Medeiros

O assentado argumentou que as famílias participam de espaços de discussão sobre o projeto porque acreditam na democracia. Ele reforçou que não há nenhum acordo com a empresa, e que o assentamento é contra a Mina Guaíba pelos danos que causará à saúde das pessoas e ao meio ambiente. “Nós sabemos que os poderes municipais de Charqueadas e de Eldorado estão apaixonados pelo projeto. Para eles o ser humano não vale nenhum centavo, é tipo cachorro de rua. Mas, para nós, a luta vai continuar. Sempre seremos contra, pois é um projeto poluidor, que mexe com a vida das pessoas”, disse.
 

Paiakan complementou que a posição é de resistência, pois o Assentamento Apolônio de Carvalho foi conquistado com muita organização e luta do MST. “Não estamos lá por que o governo quis ou alguém quis”, enfatizou. Além disso, o assentado destacou que a batalha contra o avanço da mineração na região Metropolitana de Porto Alegre e no Rio Grande do Sul não pode ser individual, uma vez que esses projetos trarão problemas a todo o estado.
 

Assentamento Apolônio de Carvalho
 

O projeto Mina Guaíba prevê a instalação da maior mina de carvão a céu aberto do país – previsão é extrair 166 milhões de toneladas. Isso somente na primeira fase. Depois, viria um pólo carboquímico que emitiria ainda mais poluição com usinas termoelétricas e indústrias de produção de fertilizantes químicos. O Assentamento Apolônio de Carvalho, de 952 hectares, seria diretamente atingido. Ele foi criado em 2007 por meio de decreto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que desapropriou a área por interesse social. Setenta e duas famílias das regiões Metropolitana de Porto Alegre, Sul e Norte do estado vivem no local.
 

A mobilização do MST para conquista da área começou em agosto de 2005, quando cerca de 600 famílias de um acampamento em Arroio dos Ratos, na região Carbonífera, ocuparam a fazenda pertencente ao traficante colombiano Juan Carlos Ramirez Abadía. O local era utilizado para lavagem de dinheiro do tráfico internacional de drogas. Era um gigantesco haras, com apenas 15 cavalos de raça. As famílias ficaram na área por 68 dias até serem despejadas, período em que sofreram diversos ataques do governo estadual e dos latifundiários da região.
 

Em 2006 os acampados fizeram uma marcha rumo a Eldorado do Sul, para denunciar à sociedade a situação da fazenda e reivindicá-la à Reforma Agrária. Paiakan lembra que à época nem conseguiram ingressar na área, pois havia várias barreiras feitas por policiais e latifundiários. No ano seguinte, Lula propiciou às famílias o assentamento.
 

Placas de madeira no assentamento reforçam a rejeição das famílias em relação ao projeto da Copelmi. Foto – Divulgação.jpg
Foto: Divulgação

O local se transformou e a terra passou a cumprir a sua função social. Hoje os camponeses trabalham com três principais cadeias produtivas: leite, hortaliças e arroz orgânico. Alguns ainda criam cabeças de gado. Há assentados que participam de feiras ecológicas nas cidades de Porto Alegre, Eldorado do Sul e Charqueadas. A produção também alimenta, em vários estados, milhares de crianças através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e é distribuída a uma entidade de Guaíba por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Já os queijos e leite são vendidos para comunidades vizinhas.
 

Metade Sul tem 166 projetos
 

A roda de conversa sobre os impactos do avanço da mineração no Rio Grande do Sul teve palestra de Paulo Brack, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O evento contou com o apoio do MST, da UFRGS, da Fundação Luterana de Diaconia (FLD), do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá), do Instituto de Biociências da UFGRS e da Cooperativa Central dos Assentamentos do RS (Coceargs).
 

Conforme a advogada Elaine Rissi, o objetivo da atividade foi estudar e debater os impactos do avanço da mineração no estado. Segundo Michele Ramos, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), no RS há 166 projetos de mineração, sendo que os principais estão localizados em Lavras do Sul (fosfato), São José do Norte (titânio e zircônio), Eldorado do Sul (carvão) e Caçapava do Sul (chumbo, zinco e cobre).
 

Quase 100% desses 166 projetos estão localizados na metade Sul do estado, atingindo pelo menos 88 assentamentos. Michele explicou que as áreas mais afetadas por essa atividade são as de Reforma Agrária, indígenas e quilombolas. “A mineração, nos lugares em que chega, aniquila a pequena agricultura, o turismo, a diversidade que compõe a economia municipal. Além disso, a fiscalização infelizmente é muito precária, e os empregos são poucos e sucateados”, ressaltou.
 

O professor Brack apontou a necessidade de organizar um grande movimento para barrar a mega-mineração no RS. Ele alertou que essa atividade irá destruir toda a diversidade de fauna e flora, além de contaminar a água, o ar e o solo, expulsar famílias de seus territórios e prejudicar a produção de arroz orgânico do MST. “O Rio Grande do Sul é muito rico, não precisa desses grandes empreendimentos. Temos que fazer um grande debate sobre o que representa esse modelo espoliador. Temos que fazer a resistência e mostrar que o estado tem alternativa pela sociobiodiversidade”, concluiu.
 

População será ouvida sobre a Mina Guaíba
 

As comunidades que estão na mira da mineração na região Metropolitana de Porto Alegre denunciam que estão sendo silenciadas, uma vez que não há interesse da Copelmi, nem do Estado, de ouvir suas opiniões sobre os projetos. Na roda de conversa o deputado Edegar Pretto (PT) informou que em breve será realizada uma audiência pública, proposta por ele à Assembleia Legislativa. O objetivo é dar oportunidade e voz à população impactada. “Queremos que as pessoas possam discutir, opinar, terem o direito à informação e saberem mais sobre o projeto Mina Guaíba”, finalizou.