Um beijo infinito para madrinha de todos nós

​Quem parte às vésperas de um primeiro de maio o faz para lembrar que trabalhadora e trabalhador não chora: faz festa e faz luta

 

Por Tiaraju Pablo
Da Página do MST 

 

Escrevo no calor da hora, como quem sangra com o coração ferido por um punhal. A notícia chegou por celular, por onde chegam as más notícias: Beth Carvalho se foi…

Em frações de segundos, um filme musicado passou pela minha cabeça. Fragmentos de lembranças se sobrepuseram, lembrando que Beth está por toda parte. 

Recordei de quando quando liguei para seu empresário convidando-a para um show, e quem atendeu foi ela mesma. Ficamos um tempão batendo papo por telefone.

Se não fosse ela, aquela geração dos 1980 de Fundo de Quintal e Zeca Pagodinho possivelmente não teria existido, talvez não com a mesma potência. Beth abriu portas pra rapaziada do Cacique de Ramos e foi a primeira a levar Zeca pra cantar num palco a épica “Camarão que dorme a onda leva”. Talvez Beth nem saiba, mas se não fosse ela, minha infância teria sido diferente, sem tantas rodas de samba regadas a partido alto em esquinas de ruas de terra nos confins da zona leste. 

Como esquecer a Beth da Mangueira, das épicas gravações de Nelson Cavaquinho ou de uma versão irretocável de “O mundo é um moinho”, do saudoso Cartola? 

A Beth dos palcos jamais se dissociou da Beth em verde e rosa, e a Beth carioca soube cantar, com respeito e altivez, sambas de São Paulo e sambas da Bahia. 

E como não lembrar a Beth do amor. Do amor difícil de “1800 colinas” ao amor correspondido de “Andanças”, uma das canções mais belas já compostas neste país. 

Beth foi latinoamericanista. Gravou com Mercedes Sosa “Só eu peço a Deus”, versão em português do hino composto pelo argentino León Gieco. 

Beth também foi a marte, privilégio de poucos, entoando “Coisinha do pai”, de Jorge Aragão. E, para quem não sabe, Beth sempre foi povo e sempre foi luta. Se posicionou contra as injustiças em todos os momentos políticos do país. Na década de 1970, antenada com a luta das mulheres, gravou “Olho por olho”.

Em 1974 desafiou a ditadura militar cantado “Pra seu governo”. Em 1987, tempo de carestia e pobreza, perguntava: “e o povo como está?/está com a corda no pescoço”. Nos últimos anos se posicionou ferozmente contra o avanço conservador no país. 

Beth madrinha…você foi múltipla e foi milhões. 

Impossível te sintetizar num texto. Você foi Artista com A maiúscula.

De maneira sensível e corajosa, cantou nosso povo, nossas alegrias, tristezas e esperanças.

Quem parte às vésperas de um primeiro de maio o faz para lembrar que trabalhadora e trabalhador não chora: faz festa e faz luta.

Você agora deve estar com Almir Guineto e Dona Ivone Lara cantando partido alto para os anjos.

Obrigado madrinha, obrigado.

Por onde for, quero ser seu par…

*Tiaraju Pablo é sociólogo e sambista