Educação no campo é pauta de audiência do MST com governo gaúcho

Educadores e dirigentes apresentaram reivindicações à Seduc para amenizar problemas de escolas em assentamentos

 

Educadores se reúnem em Porto Alegre com Secretário e Secretária-adjunta da Educação. Foto Maiara Rauber.jpg
Educadores se reúnem com Secretário e Secretária-adjunta da Educação – Foto Maiara Rauber

Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST

 

O acesso à educação pública e de qualidade sempre foi uma das lutas prioritárias dos camponeses ligados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Desde a origem de seus primeiros assentamentos no Rio Grande do Sul, no final dos anos 80, inúmeras foram as batalhas para que esse direito se tornasse realidade em áreas de Reforma Agrária.
 

No último dia 16 de abril, além de lembrar os 23 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás e de exigir a retomada da Reforma Agrária, o MST foi às ruas protestar contra o desmonte da educação. Em Porto Alegre esse tema foi tratado em reunião com o governador Eduardo Leite (PSDB), no Palácio Piratini, a qual se desdobrou em várias agendas, inclusive uma específica para tratar das escolas do campo na Secretaria Estadual de Educação (Seduc).
 

A audiência pública com o secretário Faisal Karam e a secretária-adjunta Ivana Flores aconteceu na tarde dessa segunda-feira (6). Uma comitiva de mais de 30 pessoas ligadas à rede estadual de ensino e ao setor de educação do MST expôs os problemas enfrentados pelas escolas em assentamentos. No encontro, que durou aproximadamente 3 horas, foi reivindicado a necessidade de que os gestores tenham um olhar diferenciado sobre essas instituições, uma vez que elas estão inseridas em realidades diferentes do contexto urbano.

Na reunião foi discutido a importância da alimetação saudável para os educandos. Foto Maiara Rauber.jpg
Na reunião foi discutido a importância
da alimentação saudável para os
educandos. Foto Maiara Rauber

Ivori Moraes, diretor da Escola Rui Barbosa, situada no Distrito de Águas Claras em Viamão, apresentou que o RS possui 657 escolas do campo ligadas à rede estadual de ensino e, dessas, 35 estão localizadas em assentamentos. Segundo ele, algumas possuem mais de 30 anos de resistência, e outras mais novas ainda funcionam em prédios provisórios. Moraes lembrou que, independente da sigla partidária frente ao governo do Estado, a luta pela educação sempre foi travada pelos Sem Terra. Resultado disso foi a conquista de ensino a mais de 6 mil crianças de acampamentos por meio de escolas itinerantes.

O diretor alegou que a intenção dos educadores ao dialogar com a Seduc é atender da melhor forma possível os estudantes que têm uma realidade diferente daqueles que estudam na cidade. “Quando pensamos uma gestão geral para o Estado, alguma coisa não se consegue traduzir num bom atendimento às nossas crianças”, disse. Moraes destacou que é preciso garantir infraestrutura, funcionários e professores. Ressaltou ainda que o posicionamento das comunidades é pelo não fechamento das escolas, pois são elas que mantêm vivos os assentamentos, pela construção de novas instituições e pela criação de cursos voltados à agroecologia e à formação do agricultor do século XXI.
 

Demandas pedagógicas e de infraestrutura
 

Além de complementar o diálogo sobre a situação das escolas do campo, representantes do setor de Educação do MST apresentaram ao secretários inúmeras demandas que dizem respeito a questões pedagógicas. Entre elas estão a contratação imediata de educadores em áreas específicas, o contrato emergencial e convocação por período sem data fim, o atendimento especializado, a flexibilização do calendário letivo, concurso público para professores atuarem na realidade do campo e a implementação do ensino médio em algumas escolas.
 

Também foi ressaltada a necessidade de aumentar o valor repassado pelo estado aos municípios para amenizar a precariedade do transporte escolar e melhorias de estradas. “A questão do transporte público é caótica, não há segurança. Tem crianças que acordam às 4 horas para passar horas num ônibus e ficar a manhã inteira na escola. Nós queremos que sejam consideradas as especificidades do campo. Muitas escolas estão com número pequeno de estudantes porque a parceria Estado-Município não foi feita para a educação infantil”, explicou Diana Daros, da coordenação do setor de educação do MST.

Secretário Faisal e Secretária-adjunta Ivana Genro debatem sobre as escolas no Campo. Foto Maiara Rauber.jpg
Secretário Faisal e Secretária-adjunta
Ivana Genro debatem sobre as escolas
no Campo. Foto Maiara Rauber

Outras reivindicações estão relacionadas ao estímulo à leitura, como a ampliação de acervo bibliográfico, e à educação física, como a construção e melhorias de quadras esportivas. A comitiva também pediu liberação de verba emergencial para instalação de energia elétrica em algumas escolas que estão sem esse tipo de infraestrutura. A formação de educadores, a implantação do Programa Sim, eu Posso! e a construção de escolas também estiveram em pauta. Há demandas de novas estruturas nos assentamentos Três Pinheiros, Dom Orlando Dotti e Novo Alegrete, localizados respectivamente em Sananduva, no Noroeste; Esmeralda, no Campos de Cima da Serra; e Alegrete, na Fronteira Oeste.

Olhar diferenciado
 

Os educadores e dirigentes do MST pediram que o governo do Rio Grande do Sul tenha um olhar diferenciado sobre as escolas do campo, já que elas estão inseridas numa realidade diferente das urbanas. Por isso se faz urgente o atendimento às demandas, que são históricas e sempre foram motivação de luta para os Sem Terra. De acordo com Daiane de Souza Marçal, professora e vice-diretora da Escola Ataliba Rodrigues das Chagas, de São Gabriel, na Fronteira Oeste, garantir o pleno funcionamento das instituições e o ensino de qualidade é fundamental para o conjunto da sociedade. “Se queremos uma sociedade sustentável, temos que manter a população no campo e com qualidade. A educação é fundamental para isso”, apontou.
 

Elizabete Witcel, vice-diretora da Escola Nova Sociedade de Nova Santa Rita, na região Metropolitana de Porto Alegre, falou que as instituições mantêm as famílias no campo, trabalhando e produzindo alimentos. Em muitos assentamentos, elas são o único espaço social existente, se tornando essenciais à sobrevivência das comunidades. “Fechar escolas é um crime que se faz com a comunidade e principalmente com as crianças. Há relatos de crianças que saem às 4 horas da manhã e chegam em casa às 4 horas da tarde. Assim, quando é que elas vão querer continuar no campo?”, questionou.
 

Orgânicos na merenda escolar

Outro assunto tratado na audiência foi a necessidade de desburocratizar os processos de compras e a prestação de contas feitas pelas escolas. A proposta é que se viabilize a aquisição de alimentos produzidos por assentamentos, cooperativas e agricultores familiares. Entre as amostras de produtos levadas aos secretários estão leite em pó, geleias, mel, suco e arroz orgânicos. Conforme Carlos Pansera, do setor de comercialização do MST, atualmente 250 escolas recebem alimentos da Reforma Agrária no Rio Grande do Sul.

O que diz a Seduc

Educadores se reúnem em Porto Alegre com Secretário e Secretária-adjunta da Educação. Foto Maiara Rauber.jpg
Demandas foram apontadas durante
a reunião na Secretária da Educação
Foto Maiara Rauber

O secretário Karam afirmou que as demandas apresentadas pelos representantes das escolas do campo, apesar de terem suas especificidades, retratam a realidade da rede estadual de ensino. Reforçou que o governo está fazendo um diagnóstico da situação dessas instituições, e que o Estado tem uma estrutura que precisa ser refeita. “Escolas chegaram à situação de precariedade pela falta de dinheiro, mas principalmente de organização e planejamento”, argumentou. Em relação aos professores, assumiu o compromisso de manter os atuais contratos temporários para o ano de 2020.

Karam disse ainda que o governo não pretende fechar escolas do campo, justamente por compreenderem que suas características são diferentes daquelas localizadas nas zonas urbanas.

“Nós temos que buscar o melhor, identificando oportunidades de mercado e o tipo de alunos que a gente quer formar no futuro, permitindo que eles sejam inovadores, empreendedores, que vivam na sua área territorial e que gerem riqueza para o local”, ressaltou.

A secretária-adjunta Ivana reforçou que cada realidade será tratada a partir de suas particularidades e com muito diálogo, pois entende que “as crianças do campo e dos assentamentos não podem ficar sem os seus direitos”, garantiu. “Temos que nos unir em um propósito único, que é melhorar a Educação que está no campo e na cidade, que é quilombola e indígena. Queremos que as pessoas sejam bem atendidas, que tenham suas necessidades básicas satisfeitas, que cresçam e tenham seus direitos. Porque crescer sem ter uma educação de qualidade é limitar uma pessoa a ser o que ela não deseja”, concluiu.

Encaminhamentos

Foi agendada para o próximo dia 14 de maio uma nova reunião para tratar da alimentação escolar. Foi constituído um grupo de trabalho, que envolverá o setor de educação do MST e representantes da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), da Seduc, da Secretaria Estadual de Agricultura e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O objetivo é pensar formas de possibilitar que os estudantes tenham acesso a refeições mais saudáveis e de boa qualidade, aumentando os índices de compras da agricultura familiar e camponesa.
 

Editado por Fernanda Alcântara