Estudar, sorrir e lutar!

Com base na história, cultura, organização coletiva e no trabalho, escolas do campo constroem experiências que formam sujeitos
Aulas em escola itinerante de acampamento do MST em Nova Santa Rita (RS). Foto_LeonardoMelgarejo.jpg
Aulas em escola itinerante em Nova Santa Rita (RS). Foto: Leonardo Melgarejo

Por Wesley Lima
Da Página do MST

 

Uma educação feita pelo povo, com o povo e para o povo. Essa é a síntese do método educacional adotado nas escolas públicas do campo, localizadas em assentamentos e acampamentos do MST, de Norte a Sul do país.

O processo metodológico conecta a realidade vivida no campo com a escolarização e a luta pela terra. Ou seja, as crianças, jovens e adultos, homens e mulheres, fazem do conhecimento científico uma chave de leitura em torno da sua realidade e, de maneira crítica, pensam ações coletivas que possam melhorá-la.

 

Para isso, o método, trabalhado como um processo que precisa dialogar com as distintas realidades de nosso território nacional, não é único em sua prática, mas possui princípios importantes.

A educadora popular e militante Sem Terra no Estado do Ceará, ​Maria de Jesus, afirma que não existe distinção entre o estudar e o lutar, pois ambas ações fazem parte da construção do sujeito. “Esse processo de participação na luta social, na luta de classe, é um processo que educa. E a educação do campo vem para reafirmar a permanência dos sujeitos no campo, com dignidade, com projeto de campo, contrapondo ao projeto do capital”, explica.

 

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​Maria de Jesus, educadora popular e militante
Sem Terra no Ceará. Foto: Aline Oliveira

Para ela, a educação do campo é uma educação contra hegemônica ao projeto do agronegócio e tem como objetivo fortalecer a agricultura camponesa com base na agroecologia e continua: “nesse contexto, a educação do campo é uma educação emancipatória. É uma educação que forma os sujeitos do campo e que valoriza o campo nas dimensões culturais, nas suas lutas, nas suas memórias. A educação do campo é uma educação em movimento. É uma educação em luta permanente”.

Conhecimento é luta coletiva

Ao dialogar com essas questões e juntar o conhecimento, enquanto uma síntese do técnico e do político, a militante do setor de educação em Pernambuco, Rubneuza de Souza, enfatiza ainda que o desenvolvimento das potencialidades humanas é uma “praxis”. Desse modo, “ao desenvolver o trabalho também se pensa no que está sendo feito. Nossas metodologias dão conta disso”.

“Nós tomamos a educação como um processo de formação humana e, além da educação popular, a gente está fundamentado na pedagogia socialista, que coloca a educação como uma combinação da educação e da instrução, onde a vida, o trabalho, a luta, fazem parte da construção do que a gente chama de conhecimento”, afirma Souza.

Já Jesus pontua que o conhecimento, enquanto um alicerce da formação humana, precisa ser construído a partir de matrizes. A primeira é a história, seguida da dimensão cultural, organização coletiva e trabalho. Para ela, os processos educativos precisam dar conta desses quatro processos.

Sobre a perspectiva do trabalho nas relações educacionais, Jesus explica também que o mesmo é criador, recriador e transformador do processo de humanização e organização da luta no campo. O objetivo é ser um instrumento de resistência à ofensiva do capital no campo, que se expressa também no agronegócio e nas relações de exploração produzidas.

Agroecologia e educação

Horta Coletiva no Extremo Sul da Bahia. Foto_DivulgaçãoMST.jpg
Estudantes cultivam horta coletiva no 
Horta Coletiva no Extremo Sul da Bahia.
Foto: Divulgação MST

Para avançar nessa dimensão do trabalho, mas não perder de vista as necessidades do local onde a escola do campo está inserida, é necessário pensar essa escola e organizar seu currículo escolar também a partir do campo.

Experiências que marcam a luta pela inserção de uma gama de temas, como a Agroecologia, enquanto disciplina nas escolas do campo, encontram-se no Estado da Bahia. Hoje, nas regiões Sudoeste e Extremo Sul em que essa disciplina encontra-se no currículo escolar de centros de formação e de escolas públicas, que trabalham com a infância.

No Extremo Sul da Bahia se destacam as experiências construídas a partir de uma luta conjunta que são realidade no município de Alcobaça. O primeiro passo foi propor ao município a disciplina da Agroecologia como componente da grade curricular nas escolas do campo. A seguir, em parceria com o Sindicato dos Professores foi possível mobilizar e aprovar a disciplina na Câmera de Vereadores. Essa foi a primeira localidade no estado a prever a disciplina em sua grade curricular no ensino público municipal.

Em entrevista para Página do MST, concedida em novembro de 2018, Dionara Ribeiro, da coordenação pedagógica da Escola Popular de Agroecologia e Agrofloresta Egídio Brunetto (EPAAEB), diz que o foco dessa conquista foi o “zelo” pela construção coletiva.
 

“Todas e todos os educadores que se engajaram nesse trabalho tiveram um papel fundamental, tanto na prática pedagógica que construíram em cada escola, quanto na participação, problematização e na reflexão realizada em cada curso e seminário”, argumenta.

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Dionara Ribeiro, da coordenação pedagógica
da EPAAEB. Foto: Coletivo de Comunicação
do MST na Bahia

No período da conquista, a definição do coletivo escolar, composto por educadores e a coordenação das escolas do campo na região, foi de que a disciplina de Agroecologia seria trabalhada de forma interdisciplinar, o que exigiu um trabalho coletivo entre os professores, remetendo a uma reestruturação organizativa em muitas escolas para a realização do planejamento. Como resultado, o município de Santa Cruz Cabrália, localizado na mesma região, inseriu como disciplina a Agroecologia.
 

Fechar escola é crime

Porém, mesmo com um processo educativo amplo, reconhecido e premiado, a educação do campo corre perigo neste momento e o fechamento de escolas é uma realidade no campo brasileiro.

De acordo com um levantamento da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), de 2002 até o primeiro semestre de 2017, cerca de 30 mil escolas rurais no país deixaram de funcionar. Hoje, o MST, por exemplo, tem mais de 2 mil escolas públicas construídas em acampamentos e assentamentos e diversas são as investidas de desmonte construídas contra essas escolas.

Uma série de problemas são enfrentados nas escolas do campo, que vão desde o atraso ou não pagamento dos salários dos funcionários à total falta de infraestrutura das mesmas. A saída para resolver essas questões dada pelos municípios é a saída das crianças, jovens e adultos do campo para estudar na cidade.

Pensando nisso, Jesus explica que a luta do MST contra o fechamento das escolas e por um projeto político pedagógico que dialogue com a realidade do campo é permanente. “A educação precisa ser encarada enquanto direito básico de todas e de todos, por isso nos negamos sair do campo para estudar na cidade onde nossa realidade camponesa não é aprofundada”, denuncia.

Nesse quadro, o MST lançou em 2011 a Campanha Nacional contra o Fechamento de Escolas do Campo que pretende promover o debate sobre a educação do campo com o conjunto da sociedade, articular diversos setores contra esses retrocessos e denunciar o fechamento de escolas.

 


 

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*Editado por Solange Engelmann
**Esse é o terceiro texto de uma série sobre a educação no MST