Assentamento Contestado celebra Festa do Divino Espírito Santo

Festa promove abundância de alimento, alegria e liberdade entre os assentados
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Festa do Divino Espírito Santo no assentamento Contestado, no Paraná – Fotos: Estefano Lessa

Por Sylviane Guilherme
Da Página do MST

Era alvorada de mais um domingo de outono. A grande estrela, o sol, tentava romper a neblina que encobria as araucárias, a estrada de chão e o Casarão. Aos poucos, a cada janela que se abria e a cada caixa que era repousada em frente ao altar, o azul estonteante do céu ia se desvelando e confirmando nossa expectativa: a Festa do Divino Espírito Santo do Contestado seria divina!

O antigo Casarão do período colonial, que pertenceu a um poderoso senhor de terras e de pessoas escravizadas, naquele dia foi palco e altar da herança de uma das mais tradicionais celebrações protagonizadas por mulheres negras no Brasil. A senzala fria, escura e úmida, localizada no porão posterior do Casarão estava vazia. Afinal, a celebração do povo que um dia lá esteve, naquela manhã reinava soberana na casa grande.

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Revolvendo ainda mais a história ao avesso, outra memória retumbou. Há pouco mais de 100 anos, as caboclas e caboclos de Santa Catarina e Paraná se reuniram para uma grandiosa festa ao Divino Espírito Santo, e com o fim do festejo e o cair da noite, ninguém debandou.

Naquela celebração de devoção e festa o povo também conspirou resistência às ofensivas dos representantes estaduais e federais brasileiros de expulsá-los de suas terras, sob a justificativa da construção de uma estrada de ferro que escoaria madeira e traria o progresso à região. A folia do Divino foi o gérmen de uma das maiores referências de luta pela terra existentes no Brasil: a Guerra do Contestado.

A festa

Mais de um século depois, no primeiro espaço de arte em área de reforma agrária da região sul do Brasil, às margens desta mesma estrada de ferro construída de sangue caboclo, pode-se dizer que houve uma outra conspiração de camponeses, artistas e educadores, onde o mote fundante foi enaltecer a fé, a arte e a luta.No dia 26 de maio de 2019, no Centro Cultural Casarão, localizado no Assentamento Contestado, município da Lapa (PR), cerca de 60 pessoas participaram da primeira Festa do Divino Espírito Santo do Contestado.

Organizada pelo Centro Cultural Casarão, o Coletivo de Mulheres do Assentamento Contestado e as Caixeiras do Divino Espírito Santo de Curitiba, a festa foi resultado de um processo de três encontros onde foram realizadas oficinas de canto, bordado e toque de caixa.

A festa foi iniciada com um Ato Ecumênico que contou com a participação de representantes da Igreja Católica, dos Povos de Terreiro e da Igreja Céu de São Sebastião do Santo Daime. Na sequência, as Caixeiras do Divino Espírito Santo de Curitiba e o Coletivo de Mulheres do Assentamento Contestado entoaram as salvas e alvoradas.

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Como segue o fundamento, foi servido um banquete para as crianças e em seguida para os demais participantes da festa, com alimentos preparados e partilhados por cada convidado.

Segundo a caixeira Dayse Santiago, “a Festa do Espírito Santo do Contestado foi um encontro entre campo e cidade. […] Uma troca de saberes e afinidades, de receitas e bordados, de sorrisos e afetos. É a cultura popular junto à resistência por terra, arte e pão”.

Por fim, como toda boa festa do Divino, além da partilha dos doces, os cacuriás e demais brincadeiras dançantes reforçaram a missão e compromisso de tal celebração: não se faz luta, arte e fé sem corpo em movimento, sem alegria e sem beleza.

“Todas as festas populares já são uma grande ação política, porque as pessoas se juntaram, se reuniram solidariamente para festejar e exercitar a alegria. Nesses tempos que estamos vivendo, uma festa do Divino que carrega consigo a simbologia da paz, da solidariedade e da liberdade se faz ainda mais necessária. Festejar o Divino significa celebrar a abundância e a fartura, não só da comida, mas também da alegria, da amizade e da liberdade”, afirmou o multiartista Itaercio Rocha.

Salve o Divino! Salve as Caixeiras! Salve o MST!

*Editado por Fernanda Alcântara