A luta também une

Próximo ao 28 de junho, Dia do Orgulho LGBTI, conheça a história de luta, amor e resistência de Isabel e Lúcia
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Isabel e Lúcia são educadoras e moram juntas no assentamento Palmares 2, no Pará. Foto: Laís Alann

Por Wesley Lima*
Da Página do MST

 

“Estamos há 15 anos juntas”, afirmam Isabel Soares (34) e Lúcia do Socorro (41). Lésbicas, educadoras do campo e trabalhadoras Sem Terra, elas contam que a luta do MST no interior do estado do Pará atravessa a construção de suas orientações sexuais e de uma família composta por duas mulheres e dois filhos, o pequeno Pedro Luide (8) e a Maria Cecília (7). 

Isabel é filha de assentados de reforma agrária e participa da luta desde os 12 anos. Lúcia, sem vínculo com o MST num primeiro momento, já contribuía em atividades da igreja católica e em movimentos de juventudes. 
 

Apesar de estarem em espaços distintos, ambas se conheceram a partir de amigos e em atividades formação. Na época, Lúcia estudava pedagogia e Isabel, magistério.
 

Ambas recordam que, no início, o relacionamento não foi afirmado em público. “Primeiro, porque precisávamos passar pelo o processo de aceitação individual para que o relacionamento se torna-se público […]. E essa aceitação foi um processo um pouco difícil para nós”, explica Isabel.
 

Porém, mesmo com essa orientação sexual em construção, ela conta que já “gostava de mulheres”, mesmo assim “era muito estranho e não demonstrava”.

“Meu pai me apoiava muito, mesmo sendo uma pessoa analfabeta e que trabalhava muito na roça, ele me passava uma confiança muito grande e para mim isso foi super importante. Já a minha mãe, não. Ela sempre teve muita dificuldade e, por muito tempo, mesmo depois de eu assumir e irmos morar juntas [com a Lúcia], eu chegava na casa dela [mãe] e ela me perguntava que dia eu chegaria com meu marido.”

Se Isabel tinha problemas no relacionamento com os pais, Lúcia tinha muita dificuldade de se entender enquanto lésbica. Ela conta que sempre teve “resistência” com sua sexualidade e por muito tempo ficou confusa, mas já se envolvia com mulheres.

“A militância nos uniu”

A partir do curso de pedagogia e das diversas atividades realizadas no campo da educação, Lúcia conheceu o MST e contribuiu com o Movimento a partir dos anos 2000. Sobre esse primeiro contato, a Isabel diz que também foi um momento em que ambas se encontram e passaram a trabalhar juntas.
 

“Nós fomos participar de uma brigada de militantes que ia contribuir no processo de organicidade de um assentamento e iríamos passar por lá uns dois anos. O que acontece é que com o passar do tempo, nos envolvemos com tarefas dentro da escola do assentamento, contribuindo sempre com a organicidade. Ou seja, os laços de matrimônio entre a gente foi a militância. A militância foi o que nos uniu e nos deu mais coragem para nos aceitar e nos definir”, comenta Isabel.

Além disso, elas destacam também que foram o primeiro casal de lésbicas que assumiu publicamente o relacionamento numa atividade do MST no estado.

Família no assentamento

Após o trabalho militante, elas decidiram morar juntas no assentamento Palmares 2, localizado em Parauapebas (PA), e continuaram atuando na educação. Esse era o mesmo assentamento onde a família da Isabel residia, e com isso algumas dificuldades foram encontradas. 
 

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Família reunida. Foto: Acervo Pessoal

“Quando chegamos no assentamento, publicamente ninguém falava nada, mas sentíamos os olhares de reprovação. Mesmo assim, a maioria dava apoio e nós fomos construindo essa ideia e vendo a possibilidade das questões mais concretas, entre elas a construção de um lar, pensando em ter a nossa casa, as nossas coisas, a nossa vivência. A partir desse momento começamos a desenvolver atividades nos quais a gente convidava a nossa família”.

Isabel conta que para Lúcia era complicado, porque a família dela estava em Belém, mas mesmo assim, sua mãe estava presente sempre que podia. “Já com a minha família isso era mais difícil, eles se afastaram de mim”.

Mesmo assim, o casal seguiu junto no assentamento Palmares 2, construindo novos laços de amizade e de confiança com a própria comunidade. “A constituição da nossa família no assentamento é muito positiva. Quem nos conhece sabe que nós constituímos uma família e nos trata de forma muito bacana. Porque quando a gente chega num espaço perguntam sempre pela outra, pelas crianças. Ou seja, já nos olham sabendo e respeitando que somos um casal, que temos filhos e somos uma família”, explica Isabel emocionada.

Sobre o ser mãe, ela conta ainda que é muito difícil, mas gratificante. “Além das coisas que a gente já carrega, do peso de ser quem nós somos realmente, pensar no outro ser constituindo essa relação surgem muitas preocupações. A gente pensa nessas questões, mas, por outro lado, a gente fica bem feliz. Porque a possibilidade de construir uma família é muito gostoso. É incrível como muda totalmente a rotina da gente com a chegada dos filhos. Você não vive mais para si, vive para o outro”. 

Já para Lúcia “ser mãe é uma resistência” e relata uma preocupação grande com o preconceito que as crianças podem vim a sofrer. 

Acerca desses limites, dificuldades e desafios de construir uma família composta por duas mulheres num assentamento, Isabel e Lúcia compreendem que a superação da descriminação e do preconceito só será construída na coletividade.

“Acredito que a gente precisa planejar estratégias de formação com nosso povo. Precisamos massificar o estudo sobre o patriarcado e a LGBTfobia”, enfatiza Isabel. Nesse mesmo sentido, Lúcia acredita que o principal desafio é avançar nos acampamentos e assentamentos, desenvolvendo um amplo processo de participação popular na luta e na construção de novos valores. “Valores estes que respeitem todas as formas de ser e de amar”, conclui.

*Com a colaboração de Alessandro Mariano do Coletivo LGBT Sem Terra