Stonewall, conquistas e desafios das manifestações LGBTs

50 anos após a manifestação que deu origem ao dia do Orgulho LGBT, observamos os desdobramentos do evento até os dias atuais
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Os manifestantes tomaram as ruas após os tumultos de Stonewall, no verão de 1969.Foto: Domínio Público

Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST

 

Tema da Parada LGBT deste ano, a rebelião (ou revolta) de Stonewall completa hoje 50 anos e, embora seja um dos maiores marcos da luta LGBT, muitas pessoas desconhecem a sua importância. 
 

A série de manifestações espontâneas de membros da comunidade LGBT começou com a resistência à invasão da polícia, na manhã de 28 de junho de 1969, no bar Stonewall Inn.

Localizado no bairro de Greenwich Village, em Nova Iorque  (EUA), o bar era o único da época para homens gays na cidade onde a dança era permitida.

O espaço virou um ponto de encontro da comunidade em um momento em que as LGBTs não podiam se expressar na rua.

As forças policiais perseguiam as LGBTs e realizavam frequentes batidas em bares. O bar Stonewall já havia sofrido várias destas batidas em que as frequentadoras iam presas e/ou sofriam violência.

Ao longo da década de 1970, o ativismo LGBT teve avanços significativos a partir da resistência dos atos em Nova Iorque, esses avanços duram até os dias de hoje. E, para falar um pouco sobre esse momento histórico e as conquistas e desafios das manifestações LGBTs a partir de Stonewall, convidamos  Alessandro Mariano, do Coletivo LGBT do MST.

Confira:

O que foi a revolta em Stonewall e a importância dela para o movimento LGBT?

A revolta de Stonewall é um grande símbolo da luta LGBT. Foi a primeira grande manifestação da população LGBT contra a invasão da polícia de Nova Iorque ao bar Stonewall. Ela acontece no 28 de junho de 1969 quando as pessoas que estavam no bar decidem resistir. Essa resistência, que durou dias contou com o apoio da sociedade, então, pela primeira vez as LGBTs se colocam contra a violência de forma espontânea e unida. Depois de um ano deste episódio, é realizada a primeira Marcha do Orgulho Gay [nome na época], essa manifestação de aniversário inaugura paradas do Orgulho Gay, que na década de 1990 começam a ser renomeadas para incluir mais a comunidade, até ao que chamamos hoje de Orgulho LGBT, que inclui lésbicas, gays, bissexuais e travestis.
 

O como esta história se contextualiza no Brasil?
 

No Brasil, o movimento LGBT inicia sua organização na década de 1980, e nasce especialmente com o Somos, um grupo da classe média com LGBTs ligados à cultura e ao jornalismo. Então as manifestações nascem um pouco com essa característica de resistência na cidade, durante a Ditadura Militar. Por outro lado, nesta mesma época o movimento LGBT começa a se unir em questões como a luta das travestis. Na década de 1980 existia aqui em São Paulo uma operação chamada Tarântula, uma política estatal de extermínio das pessoas transexuais. Começa então a resistência e denúncia inclusive com apoio do movimento sindical, mesmo com as resistências e preconceitos da luta sindical. Nesse sentido, olhar para a história nos ajuda entender as contradições que a luta LGBT também vivencia.

E quais seriam estas contradições?
 

Uma delas é a contradição do Movimento pertencer a setores da classe média, muitas vezes brancos, que não necessariamente incluem a comunidade. Esta é uma contradição dos espaços LGBT, porque as organizações não necessariamente perpassam as questões das LGBTs que vivem nas favelas, no campo e outros espaços não centrais ou urbanos. O desafio é questionar aonde estão as LGBTs, quais são esses sujeitos que são assassinados. 
 

Pensar essas contradições é observar como a pauta LGBT tem sido apropriada pelo mercado, pelo próprio capitalismo. As LGBTs são sujeitos que consomem um determinado tipo de roupa, que frequentam determinados espaços, e o capitalismo passa a produzir mercadoria para isso, transformando a pauta LGBT em mercado. Isso resulta em certa despolitização da bandeira de luta, o que é uma contradição, porque o mercado se propõe a defender o direito das LGBT de ter emprego, de consumir, mas ignora as pautas de raça e de gênero. Cabe ao Movimento  situar esta materialidade contraditória em que estes grupos estão, porque não basta uma luta apenas de afirmação identitária, ou uma questão de direito de consumo, mas também a luta pelo direito à terra. As LGBTs também tem direito a viver no campo, produzir alimento saudáveis, ter moradia digna e todas estas são questões que estão atravessadas e que o Movimento LGBT apresenta hoje como desafio.desafio em se compreender como espaço de organização das LGBT Sem-teto, sem-terra, indígenas, das que moram na rua, das desempregadas.

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Em 2019, A Parada alcançou a marca de 3 milhões 
de participantes. Foto: Creative Commons

Como esta construção de um “Orgulho LGBT” contribui para outras pautas, como as raciais, de gênero, e etc?
 

Pensamos esta construção o tempo todo. A própria atuação do movimento LGBT em relação à participação da sigla das lésbicas, por exemplo, foi um questionamento por parte das mulheres lésbicas e bissexuais de que os movimentos LGBTs são homogenizados por homens gays e brancos. Então, há uma constante atualização interna de que haja um movimento composto pelas camadas mais pobres, mais populares, de fato possa integrar à periferia e repensar essa representatividade. Precisamos ter mais LGBTs negros e negras no comando dos movimentos, encampando as necessidades da vida como emprego, moradia, acesso à terra.

 

Outra coisa é também tentar sobreviver dentro de uma sociedade patriarcal em que o homem está em uma situação de privilégio, e quando o homem é branco ele ainda vai ter uma sobreposição não só sobre as mulheres brancas e negras como também do homem preto. É preciso combater o patriarcado, que atravessa essa sociedade, e também pensar a questão de superação de racismo, que é estruturante e que perpassa todas as dificuldades pelas quais passam as LGBTs  e movimentos sociais como um todo. É um desafio também pensar esta questão por dentro do movimento da classe trabalhadora, dos partidos, do movimentos sociais em geral, porque é necessário que esta luta seja anticapitalista, anti patriarcal e antiracista. Não tem como ser uma coisa ou outra, é necessário que leve à superação das opressões e da explorações.

E como estas manifestações, sejam elas a celebração (como a parada) ou mesmo a resistência em Stonewall contribuem de forma concreta na conquista por direitos e reconhecimento LGBT?
 

As manifestações como a Parada LGBT, como a que teve no último dia 23 de junho aqui em São Paulo, são um espaço de resistência porque em um país como o Brasil, aonde mais morrem LGBTs, é importante o Movimento se colocar na rua. É colocar a cara no sol no sentido de se afirmar ter orgulho de ser LGBT, que nossas vidas importam e que não aceitaremos mais a homofobia, o machismo, a transfobia. Este é um espaço de quebrar este silêncio, não aceitaremos caladas diante dos absurdos falados pelo presidente Bolsonaro. 

Então, nesse sentido, essas manifestações são encorajadora, pois mostra aos sujeitos que existimos na sociedade e que devemos ser respeitados, que temos direitos e queremos um outro tipo de sociedade, outro país.
 

Bandeira LGBT é hasteada durante o 6º Congresso Nacional do MST..jpg
Bandeira LGBT é hasteada durante o
6º Congresso Nacional do MST

Em termos conquista, nessa última parada também comemoramos a votação no STF pela criminalização da homofobia e da transfobia, que equipara a LGBTfobia com o racismo e outras formas de preconceito. Estamos em um momento em que as ideias propagadas, a partir das falas do presidente,  autorizam que homofóbicos e transfóbicos saiam nas ruas para praticar violências contra as LGBTs, inclusive matar. Então ter uma lei que criminaliza estas práticas, para nós, é um grande avanço, um sinal de esperança.
 

No entanto, não basta só ter a Lei, é necessário que a gente avance também em políticas públicas que garantam acesso à saúde, à educação, à terra e à moradia às LGBTs, porque não é permitido que vivam e se expressem. Assim, o simbolismo de Stonewall a 50 anos atrás está viva e presente, porque ela mostra que as LGBTs têm humanidade, que a forma de viver e de amar deve ser respeitada e são legítimas nos espaços públicos e não somente no espaço privado. 
 

A frase do presidente Lula, que foi utilizada no Bloco “Lula Livre” durante parada : “O amor vai vencer o ódio” resume os desafios deste momento. Lutamos contra o ódio, o conservadorismo, o fascismo que este governo representa e o amor é a principal arma que nós utilizamos. Dançamos e festejamos na parada, mas também afirmamos a luta contra a reforma da previdência, contra os retrocessos que o projeto que governo Bolsonaro representa. Uma Parada com 3 milhões de pessoas mostra que a maioria da sociedade quer uma sociedade inclusiva, que respeite as diferenças, em que as pessoas possam ser livres e possam ser quem realmente são, sem necessidade de se esconder.

Qual cenário da luta LGBT hoje e as perspectivas a partir desta última Parada e destas conquistas?
 

Nós vivemos hoje um cenário em que os direitos das LGBTs estão sendo retirados. Ações que haviam sido conquistadas por meio de políticas sociais voltadas à saúde, como os atendimentos à travestis e à transsexuais e até políticas de HIV/Aids, hoje têm seus recursos diminuídos. Além disso, tentam diminuir  a participação das LGBTs em Órgãos Públicos, com a extinção da Comissão Nacional de LGBTs. Há medidas concretas do governo Bolsonaro contra as LGBTs e a classe trabalhadora em geral.
 

Temos realizado Paradas e manifestações pelo Brasil a fora para que as LGBTs de todos os cantos saiam às ruas e reafirmam estas bandeiras de luta como necessárias. O que estamos dizendo é que as LGBTs não voltaram para o armário, vai seguir ocupando a rua, a política, o movimento social, e lutar contra o conservadorismo e denunciar as violências. Queremos seguir e fundamentar uma unidade na classe trabalhadora nas organizações, nos movimentos e partidos, para resistir não somente às medidas do governo Bolsonaro, mas também incluir as bandeiras LGBTs dentro destas organizações.

É necessário que a classe trabalhadora incorpore a luta LGBT como parte

suas lutas, que não permitam violência contra as LGBT em nenhum espaço

, e nesse sentido, garantir que elas possam ter seus direitos à saúde, educação, terra e etc, e que possam exercer os direitos civis de casamento, da adoção, que são ações já conquistadas mas que ainda enfrentam dificuldades concretamente. Por isso, os movimentos LGBTs junto com as demais organizações e movimentos de esquerda nos próximos períodos tem o desafio de seguir na rua, pautando e lutando contra os retrocessos do governo Bolsonaro, mas também pelas vidas e existência das LGBTs.

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