Curso de educação em Direitos Humanos e acesso à terra no Rio Grande do Norte

Oferecido pelo MST, esta é a segunda turma formada pelo curso da região nordeste
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Curso foi realizado em Ceará-Mirim, no Rio Grande do Norte. Fotos: Hudson Freitas

Por Adna Monise e Jailma Lopes
Da Página do MST

Acaba de ser concluída, em Ceará-Mirim (RN), a segunda turma do Curso de Direitos Humanos e Acesso á Terra – Nordeste, realizado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra em parceria com o Centro de Referência em Direitos Humanos do Semiárido da Universidade Federal do Seminário (CRDH/UFERSA Semiárido).

O curso se dedicou a pensar alternativas frente aos desafios da conjuntura que se apresenta, e teve como objetivo compreender o arsenal jurídico-penal, o fortalecimento a luta em defesa dos direitos humanos, a formação do sistema de justiça, que criminaliza as lutas populares e os que lutam, e a defesa dos territórios da reforma agrária em situações de violações de direitos humanos.

Reunindo cerca de 70 pessoas de diferentes estados do nordeste (CE, RN, PB, PE, AL, SE e BA), a turma, bem diversa, era composta principalmente por pessoas de setores de frente de massas e direitos humanos do Movimento, que  vieram de acampamentos, comunas urbanas e assentamentos da região.

Foram dez dias intensos de estudo, partilhas, vivências de arte e cultura, além de debates acerca dos desafios de seguir em luta ante uma conjuntura de acirramento da luta de classes, ascensão das ideias conservadoras e suspensão de direitos.

Foram estudados temas que vão das noções das garantias constitucionais  e processuais penais, noções de direito agrário, criminologia crítica, conjuntura, elementos da tecnologia da informação e o Programa da Reforma Agrária Popular, contando com assessorias de professores e militantes do MST e organizações parceiras, no qual, os educandos fizeram de todos os espaços locais de aprendizados e construção de táticas para a resistência ativa.

Também houve visita a uma experiência concreta do que o Movimento tem chamado de resistência ativa, o assentamento popular Maria Aparecida, localizado em São Miguel do Gostoso, litoral norte do estado. O assentamento popular  é território de resistência, desde o último 30 de maio, pelo conjunto das forças populares potiguar.

Esse território de resistência está localizado em uma região de disputa com as forças da especulação imobiliária e da energia solar a nove anos, enquanto as famílias propõem um território livre e que produza alimentos saudáveis para o povo do campo e da cidade, a partir da agroecologia. 

   

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O curso também foi um importante momento de reposicionar a articulação em direitos humanos no nordeste, reunindo em roda de conversas Associação de Juristas pela Democracia (AJD), Rede Nacional de Advogados/as Populares (RENAP) e Setor de Direitos Humanos do MST, vez que estão colocados vários desafios para os povos do campo, que demandam unidade, solidariedade, e propor formas de superação. 

De acordo com Ariane Araújo, do Setor de Direitos Humanos e advogada Sem Terra, é necessário fortalecer as articulações em direitos humanos,  com  advogados (as) populares e juristas que defendem a democracia, haja vista o poder judiciário estar sendo um dos principais violadores e atuarem no último período de forma abertamente partidária. 

“Este curso deixa diversos questionamentos para nós, advogadas e advogados Sem Terra, no desafio de enfrentar os casos e processos, tendo em vista as dificuldades de acesso ao poder judiciário brasileiro, alicerçado em bases latifundista e altamente influenciado pelo poder econômico. E, em um contexto que há o fortalecimento do Estado Penal, com o avanço de legislações penais que respaldam desigualdades, perseguir e criminalizam os que lutam.”

Para Ariane, vivemos um período em que as vítimas das desigualdades sociais são inimigas do Estado. “Lutar pela igualdade social, contra a crescente concentração fundiária e miséria no campo, é uma realidade urgente. Cabe a nós, militantes e defensores(as) dos direitos humanos, resistir às imposições que o sistema capitalista insiste para a nossa sociedade e não permitir que o atual governo imponha mais medidas injustas e desumanas. Cabe a nós lutar e construir a reforma agrária popular a partir da realidade de cada região”

Orlando e Rodrigo vivem!
 

 

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A escolha do nome da turma é uma homenagem a Orlando e Rodrigo, militantes da frente de massas da Paraíba, assassinados no início desse ano. Os nomes embalaram a mística da turma, que viram sementes que brotam dentro do peito de cada um dos cursistas.
Para a companheira, Maria Auxiladora da Silva, conhecida como Galega, “o curso expressou os desafios que estão no nosso cotidiano de luta, e o que mais me deixou feliz foi nossa região homenagear Orlando e Rodrigo, dois importantes companheiros da Frente de Massas do estado da Paraíba, que estariam com a gente se não tivessem tirado suas vidas de forma tão brutal e covarde”, afirma. 

Durante o curso houveram várias intervenções culturais, que garantiram pensar o processo de formação a partir de outras linguagens, e possibilitar o enraizamento do programa cultural do MST, garantindo a misticidade e subjetividade dentro da programação. Foram realizados apresentações como da peça Antígona e do sarau Nós Que Amamos a Revolução, Resistiremos! 

A Ciranda Infantil também foi outra dimensão do curso intencionalizada, em que além, de garantir a participação integral das cursistas, desenvolveu processos de educação em direitos humanos com as crianças Sem Terrinhas, atividades sobre plantas medicinais e atividades culturais. 

O atual desenrolar do cenário político, econômico e judicial apontam para os perigos que se aproximam daqueles que se mantêm em luta, como os povos do campo como os  Sem Terra, indígenas e quilombolas. Contudo,  Maria José da Silva, do Setor de Frente de Massas (Nordeste), não coloca para o Movimento o caminho de recuar, mas sim de fortalecer o que é essencial a história do luta do povo e esse curso faz parte desse processo, que exige pelo menos três coisas.

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“Fazer um processo análise com a nossa militância sobre o que estamos vivendo no Brasil, em um profundo cenário de retrocessos e ataques a direitos conquistados a duras penas; refletir sobre como defender nossos territórios, e entender o novo sujeito alvo do nosso trabalho de base, que estão vivendo das nas periferias e estão sujeitos as várias formas de degradação da vida; e ter clareza sobre o caminho que vamos trilhar enquanto Movimento Sem Terra, que é a resistência ativa”, pontua Silva. 

 

São nestes momentos que a necessidade de fortalecer a base se faz mais presente; na consciência de que não existe luta sem povo,  e que o povo precisa se munir de suas garantias constitucionais para continuar de pé encarando de punho erguido a violência do Estado. 

Os educandos retornaram para seus estados com a tarefa de se somar a Jornada de Formação e Trabalho de Base que o Movimento construirá, e de enraizar e aprofundar os debates dos estudos iniciados no curso com o conjunto da organização. Segundo os organizadores, a propagação dos direitos dos trabalhadores não será interrompida na conclusão do curso: pelo contrário, firma-se o compromisso de difundir o conhecimento dos direitos humanos para aqueles que permanecem na linha de frente pela reforma agrária popular. 

*Editado por Fernanda Alcântara