Lucineide Soares: Negra, nordestina e de luta

“Nossa principal tarefa é romper as cercas da opressão”, afirma Sem Terra
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Lucineide é militante há 20 anos. Foto: Divulgação MST

Por Wesley Lima
Da Página do MST

Com um sorriso no rosto, Lucineide Soares (42) relembra momentos importantes de sua trajetória de vida enquanto mulher negra, nordestina, Sem Terra, mãe e trabalhadora rural. 

Tímido, o mesmo sorriso trouxe a memória da luta pela terra construída pela sua família no estado do Piauí, que enfrentava diversas dificuldades, como a convivência com o semiárido, a garantia dos estudos para os filhos e a exploração do trabalho por parte de latifundiários. 
Filha de um casal pobre que residia no sertão, Lucineide sempre foi uma filha que apoiava as decisões de seus pais e enfrentava junto com eles os problemas do cotidiano. 

Ela conta que, nesse período, uma das maiores dificuldades era a família não ter um “pedaço de chão”. “Você trabalhar para os outros e sempre depender dos outros para sobreviver não era fácil […]. Além disso, a gente tinha muita dificuldade com o próprio estudo e a garantia da própria alimentação.”

Foi a partir daí que Lucineide, junto com seus pais, conheceram o MST. Nessa época, ela tinha apenas 15 anos. 

Sobre esse processo comenta que primeiro o pai e a mãe foram morar no acampamento, enquanto isso, ela e seus irmãos ficavam na cidade estudando. Cinco anos depois, ela começou a frequentar a comunidade, que agora se chamava assentamento Lisboa, localizado em São João do Piauí (PI), onde reside até hoje. 

Sobre a conquista da terra, afirma que “agora ele [o pai] teve autonomia para plantar, produzir naquele pedaço de chão para ele mesmo. E isso acabou sendo uma forma mais livre dele atuar lá dentro da terra”. 

Militância e luta política

Ainda que de maneira tímida, Lucineide conta que seu primeiro contato com a militância e a luta política do MST se deu nos processos organizativos do assentamento. 

“Meu primeiro espaço de militância foi nos núcleos de base, organizados no assentamento. Foi ali que a gente dividia as tarefas como membro de núcleo, pensando no conjunto de famílias que moram na comunidade.” 

Ela lembra também que como tinha conseguido estudar, mesmo morando no assentamento com seus pais, assumiu algumas salas de aula pelo programa de Educação para Jovens e Adultos (EJA).

Com o passar do tempo, Lucineide foi assumindo mais tarefas dentro do MST e hoje compõe a direção nacional do Movimento pelo estado do Piauí.

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Lucineide em marcha com seu filho no
estado do Piauí. Foto: Acervo pessoal

No estado, o movimento está organizado em três regiões: Norte, Centro e Sul. Cerca de 2 mil famílias estão assentadas e existem 300 famílias acampadas, que aguardam a desapropriação de algumas áreas para fins de reforma agrária, assim como a família da Lucineide quando ela tinha 15 anos de idade.

Mulheres na luta

Sobre a participação das mulheres na luta pela terra destaca: “No Piauí não estamos invisíveis”.

“Ainda temos muitos casos em que as mulheres estão presas ao lar. Mas, nos assentamentos e acampamentos a gente já consegue trazer essa discussão do feminismo, trazer essa pauta da mulher em alguns encontros e assembleias. Aqui para nós isso tem sido muito importante.” 

“A gente sabe que a cultura dominante tem ensinado a mulher a ser cada vez mais refém. Nós, mulheres, começamos nesses espaços [assentamentos e acampamentos] a trazer essa discussão, a trazer essa discussão do feminismo, da importância da igualdade de gênero, da importância da gente estar percebendo as agressões que foram construídas ao longo dessa sociedade no espaço do lar, no espaço da vivência com a mulher. Diante disso, temos avançado na formação da consciência das mulheres”, pontua.

Enquanto militante do MST, Lucineide conta que tem sofrido com muitas “piadinhas machistas” de alguns homens da organização, o que tem atrapalhado a sua atuação, mas, mesmo assim, permanece na luta.  

Ela diz também que “para nós é um desafio, pois é necessário romper com muitas cercas. Romper com as cercas da opressão, as cercas das inferioridades”, e continua, “a gente segue firmes nesses espaços, construindo isso com as outras companheiras, provocando nas reuniões, encontros, assembleias e junto com as famílias assentadas e acampadas a necessidade de construir novas relações de gênero”.

*Editado por Fernanda Alcântara
** Este perfil faz parte de uma série que homenageia mulheres Sem Terra na Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha​