13 anos da lei Maria da Penha: mulheres vítimas de violência doméstica

Artigo traz reflexão sobre a luta das mulheres contra a violência e ausência de atuação política

 

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No Brasil, a taxa é de 4 mortes para cada grupo de 100 mil mulheres. Foto: Luara De

 

Por Lucinéia Miranda de Freitas* 
Da Página do MST

 

Pela vida das Mulheres, 
Somos todas Marielle!

De Margarida Alves, liderança sindical assassinada em 12 de agosto de 1983 à Dilma Ferreira, dirigente do MAB, assassinada em 22 de março de 2019. De Maria da Penha, vítima de tentativa de feminicídio em 1983, às milhares de Marias, Marielles, Marianas, Fabianas, Mateusas, Fátimas. Vítimas de diversas formas de violências todos os dias, revelam um quadro social onde o patriarcado é estruturante.
 

Em 7 de agosto de 2006 o Estado brasileiro sancionou a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), com objetivo de enfrentar esse grave problema que atinge principalmente as mulheres, mas com efeito na sociedade em geral. 13 anos depois, vemos que os índices de violência, tanto sociais quanto domésticas, continuam assustadores e crescente. De acordo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), há 536 casos de violência por hora no Brasil e quase a mesma proporção de mulheres que dizem ter sido vítima de algum tipo de violência sexual. O número de mulheres que sofreram espancamento é assustador: em torno de 1,6 milhão. Todos esses dados remetem à violência doméstica: 76,4% das mulheres conheciam o autor da violência, a maior parte aconteceu dentro de casa.

Estudo do Escritório das Nações Unidas para Crime e Drogas mostra que a taxa de homicídios femininos global foi de 2,3 mortes para cada 100 mil mulheres em 2017. No Brasil, segundo os dados relativos a 2018, a taxa é de 4 mortes para cada grupo de 100 mil mulheres, ou seja, 74% superior à média mundial.

Esses dados se acentuam quando falamos da realidade das mulheres negras. As informações são do Atlas da Violência 2018 do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada (Ipea), a taxa de homicídio de mulheres negras foi de 5,3 a cada 100 mil; Nos 10 anos de análise (de 2006 a 2016), enquanto o país matou menos brancas (queda de 8%), os homicídios entre as negras cresceu (aumento de 15,4%). 

No campo, vemos com grande preocupação, pois há uma completa ausência de instrumentos para atendimento a partir das especificidades destes territórios. São preciso ações que considerem as distâncias que impedem acesso aos aparelhos, mesmo que sejam as delegacias, o isolamento das moradias que dificultam o pedido de socorro, a dependência do agressor até mesmo para se locomover devido à falta de transporte público, a ausência de política para autonomia financeira, dentre outras. Devemos considerar também que, nas cidades do interior, as mulheres dos assentamentos e comunidades não encontram segurança em procurar as delegacias devido a outros processos de conflitos e violações de direitos humanos aos quais estão submetidas.   

Por outro lado, temos iniciativas importantes, como a Lei Maria da Penha, que foi uma conquista dos movimentos feministas e que configura como uma legislação fundamental no enfrentamento à violência contra mulher pela sua completude, pois não é só uma lei penal, ela tem característica de uma política pública de enfrentamento e prevenção deste cenário de violência. Engloba desde prevenção, medidas protetivas, trabalhos com autores de violência, implementação de aparelhos públicos de atendimento integral às mulheres vítimas, como as Delegacias das Mulheres e as Casas da Mulher Brasileiras.

No entanto, desde que a lei foi sancionada, há um desafio efetivo em implementá-la nas distintas realidades do nosso país, que vai desde o pacto federativo (a lei, para funcionar, depende da Prefeitura, Estado, União, do Executivo, do Judiciário) e limites de ordem financeira, mas também da cultura nos espaços de políticas públicas de visualizar como iniciativas paliativas, já que ainda é vigente no país a ideia de que a violência doméstica é de ordem privada (em briga de marido e mulher não se mete a colher) e, portanto, o Estado pouco pode fazer.

Nesse quadro, algumas propostas legais da atualidade são preocupantes, dentre essas medidas tem “o pacote anticrime do Moro”, que utiliza a ideia “escusável medo ou forte emoção” como critério de absolvição por legítima defesa de responsáveis por matar outras pessoas. Mas também, o decreto que autoriza a posse de armas, relacionado ao direito de ter armas em casa, que é justamente onde as mulheres morrem. Ou seja, nota-se uma reverberação populista de dirigentes políticos que estimulam a violência como resposta pública ao medo e ao crime e ignora que na realidade brasileira não há lugar seguro para as mulheres.

Desta forma, as lutas dos movimentos populares e feministas devem caminhar para que o enfrentamento da violência contra as mulheres articule diversas ações:

– implementação de políticas educacionais sobre Relações de Gênero e Violência de Gênero, com material e conteúdo adaptado para as diversas faixas etárias;   

– dar visibilidade aos crimes;
 
– melhorar as estatísticas incluindo dados sobre região de residência – inclusive não existem dados sobre a violência contra as mulheres do campo – o que impede de construir ações especificas para atendimento deste público; 

– implementar políticas efetivas de distribuição e geração de renda, no campo com a implementação de crédito e assistência técnica específicos para as mulheres;   

– equiparação salarial e política de acesso ao trabalho;

– eliminação da precarização do trabalho;

– política efetiva de Reforma Agrária e de demarcação dos territórios indígenas e quilombolas;

– ampliação e o aprimoramento das redes de apoio à mulher, previstos na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006).

Partindo da premissa de Rosa Luxemburgo, “Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”, é essencial que os movimentos e organizações sociais enfrentem a partir do seu processo político/organizativo, todas as formas de agressão e opressão que as mulheres estão submetidas, como condição de constituir uma sociedade justa.

Estamos todas Despertas!
Rumo ao Primeiro Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra!

* Lucinéia faz parte do Coletivo Nacional do Setor de Gênero do MST

** Editado por Fernanda Alcântara