Precisamos falar sobre mudanças climáticas, queimadas e desmatamentos

Quem são os principais responsáveis?
[125] No último mês, a área da Amazônia com alerta de desmatamento subiu 278% em julho de 2019. Foto_ Mayke Toscano_Gcom-MT.jpg
No último mês, a área da Amazônia com alerta de desmatamento subiu 278% em julho de 2019. Foto: Mayke Toscano/Gcom-MT

Por Wesley Lima
Da Página do MST

 

Não é de hoje que fala-se em mudanças climáticas e sobre seus impactos. Nas últimas semanas, foi divulgado o Relatório do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), que traz diversas conclusões sobre as mudanças climáticas. 

O relatório, construído por mais de 100 cientistas, inclusive do Brasil, constata que a temperatura do planeta, em todos os continentes, subiu 1,5ºC nos últimos 150 anos.

Mas, o que isso quer dizer? Ao analisar essa e outras mudanças climáticas, é possível fazer comparações, verificar a intensidade das chuvas, o derretimento de geleiras. Assim, podemos afirmar que está tudo interligado.
 

[126] Especial Amazonia.jpeg
João Pompeu, biólogo e pesquisador do INPE.
Foto: Acervo pessoal

João Pompeu, biólogo e pesquisador no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), explica que antes de tirarmos conclusões sobre as mudanças climáticas é importante compreender que há inúmeros centros de estudos no mundo, governamentais ou não. 

“Cada um tem sua forma de estudar o clima. No Brasil, o INPE é a principal instituição de estudos climáticos. Mas o importante é sabermos que todos esses centros convergem para uma única conclusão: as atividades humanas a partir da revolução industrial foram capazes de alterar a composição atmosférica da Terra e, portanto, o clima”, contextualiza. 

Sobre o aumento da temperatura no planeta no último século, ele alerta para alguns problemas: “Há intensificação dos eventos climáticos extremos, como as secas prolongadas, a desertificação, as fortes chuvas, ondas de calor e temperaturas mínimas cada vez mais baixas. Evidentemente quem mais sofre com isso são as populações historicamente empobrecidas e marginalizadas, como a agricultura familiar, moradores de rua e habitantes das favelas”.

Ou seja, discutir as mudanças climáticas, além de ser um tema da atualidade, não pode ser pensado desassociadamente das relações sociais constituídas numa sociedade capitalista.

Já ouviu falar no efeito estufa?

Um problema causado pela ação do ser humano na natureza tem sido o efeito estufa, que provoca o aquecimento global.

Pompeu explica que o efeito estufa é um fenômeno natural de alguns planetas, inclusive da Terra, causado pela composição da atmosfera. “Gases como vapor de água, dióxido de carbono e metano não deixam o calor que chega do Sol na superfície terrestre de volta para o espaço. Isso cria uma condição de aquecimento”, e completa: “É graças ao efeito estufa que estamos aqui, pois ele garante uma temperatura estável e compatível com a vida na Terra”.

Porém, Pompeu destaca que o problema é que a emissão de Gases de Efeito Estufa  (GEE) altera a quantidade desses gases na atmosfera e isso leva a um aumento indesejável da temperatura média do planeta.
 

[124]A ONU afirma que à crescente queima de combustíveis fósseis tem intensificado o efeito estufa. Foto_ Reprodução.png
A ONU afirma que à crescente queima de
combustíveis fósseis tem intensificado o
efeito estufa. Foto: Reprodução

Nesse contexto, o Relatório da ONU afirma que a crescente queima de combustíveis fósseis, que representam a base da industrialização e de muitas atividades humanas, tem intensificado o efeito estufa.

As queimadas nas florestas para transformar suas áreas em plantação, criação de gado e pastagens, também colaboram para o aumento desse fenômeno. Por isso, não podemos cometer o erro de colocar o problema do aquecimento global apenas nas mãos do homem, indivíduo, mas pensar isso a partir da ação de grandes multinacionais, que se apropriam dos bens naturais para produção de mais e mais dinheiro. 

Pompeu argumenta que “em nível global, a degradação dos ecossistemas terrestres é responsável por aproximadamente 23% da emissão de GEE. E qual a causa dessa degradação? A expansão do agronegócio. Já no Brasil, esse número sobe para 73%.”

“Mas a maior parte da emissão de GEE do mundo é pela queima de combustíveis fósseis, que é justamente a base do sistema agrícola e industrial, que hoje é regido por algumas poucas multinacionais, que por sua vez são controladas por um número ainda menor de grupos financeiros.”

Nossa Amazônia grita por socorro!

Em um estudo publicado no periódico científico “Nature Ecology and Evolution”, em 2018, foi diagnosticado que diversas empresas que praticam a pesca ilegal em todo o mundo usaram paraísos fiscais para registrar suas embarcações, e que investimentos na agricultura que danificam a floresta amazônica, em grande maioria, provêm de contas destes locais.

Esse estudo vem na esteira do vazamento de 2015 dos “Panama Papers”, que mostraram como indivíduos e empresas usam esquemas em paraísos fiscais para reduzir suas contas.
Os cientistas também citaram documentos do Banco Central do Brasil revelaram que quase 70% do capital estrangeiro investido por grandes empresas no plantio de soja ou no gado de corte no país — ou 18,4 bilhões de dólares de um total de 26,9 bilhões de dólares — partiu de paraísos fiscais no período 2000-2011.

Esse capital tem avançado na derrubada de vegetação realizada para abrir fazendas de soja e de gado de corte. A maioria dos fundos para esse investimento partiu das Ilhas Cayman, das Bahamas e da Holanda.

O relatório do periódico não mencionou empresas de pesca, mas os cientistas escreveram a companhias listadas nos documentos do Banco Central brasileiro, que mostraram que Cargill e Bunge têm as maiores quantidades de empréstimos ou de dinheiro fluindo através de paraísos fiscais. E o desmatamento só aumenta.
 

LEIA MAIS: Brasil é campeão em desmatamento de florestas primárias no mundo 

O INPE, ano após ano, tem emitido diversos alertas sobre o desmatamento na Amazônia, onde foram detectadas suspeitas de extração de madeira em uma área de 40,5% maior no período que se encerrou em julho de 2019 do que a média dos três períodos anteriores (ago/15 a jul/16; ago/16 a jul/17; e ago/17 a jul/18). 

Se formos considerar apenas os dados do último mês, a área da Amazônia com alerta de desmatamento subiu 278% em julho de 2019, se comparada ao mesmo mês de 2018.
Por outro lado, o governo Bolsonaro critica os dados sistematizados pela Coordenação-geral de Observação da Terra (Deter), do INPE,  afirmando que eles não representam o balanço oficial de desmatamento.

Enquanto isso, a temperatura sobe

O ano de 2018 bateu todos os tipos de recordes. Foram registradas temperaturas altas em diversos lugares do mundo em meio a um período de clima quente excepcionalmente prolongado.

Grandes porções do hemisfério norte presenciaram uma sucessão de ondas de calor que atingiu Europa, Ásia, América do Norte e norte da África.

A preocupação é que essas ondas de calor e frentes frias estejam sendo bloqueadas – represadas em regiões por longos períodos – com maior frequência devido às mudanças climáticas, levando a eventos climáticos extremos.
 

[124] Especial Amazonia.jpeg

Combater a raiz do problema

Que desafios temos? Com ênfase, Pompeu diz que é preciso combater a raiz do problema, que é “o sistema global de circulação de mercadorias, baseado na exploração da terra e dos seres humanos”.

E continua: “Ao mesmo tempo temos que nos organizar para minimizar e nos adaptar aos impactos que as mudanças climáticas já causam na sociedade. Por exemplo, as migrações em massa dos chamados refugiados ambientais; a morte recorrente de sem teto pelo frio extremo, agravada por políticas de segregação; as mortes e perdas causadas nos deslizamentos de terra pelas chuvas cada vez mais intensas, principalmente nas comunidades pobres e predominantemente negras; e o risco de diminuição da disponibilidade de alimentos, que aumenta o preço dos bens mais básicos para a nutrição humana”, conclui.

 

*Editado por Fernanda Alcântara