Mudanças na regulação de agrotóxicos são um retrocesso de 40 anos

Pioneiro da agroecologia, o professor da USP Adilson Dias Paschoal relança livro clássico sobre agrotóxicos
[129] O professor Adilson Dias Paschoal relança sua obra clássica com novo nome:
O professor Adilson Dias Paschoal relança sua obra clássica com novo nome: “Pragas, agrotóxicos & a crise ambiente”, pela Expressão Popular / Foto: Virgínia Mendonça Knabben

Por Vinicius Galera e Virgínia Mendonça Knabben
Do Brasil de Fato

A liberação de agrotóxicos como vem sendo feita hoje no Brasil é um retrocesso de 40 anos. A opinião é de um dos maiores especialistas sobre o tema, o professor e pesquisador Adilson Dias Paschoal, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP).
 

Há quatro décadas, Adilson lançou um livro que serviria de base para a proibição de elementos como o DDT (Dicloro-Difenil-Tricloroetano, um inseticida de baixo custo) e a elaboração de todas as legislações estaduais sobre o uso de agrotóxicos. Na obra, ele demonstrava que, ao contrário da argumentação da indústria – sustentada até hoje pelo agronegócio –, a utilização de agroquímicos nas lavouras favorece o aumento de pragas, que se tornam mais resistentes e demandam novos produtos num ciclo interminável.
 

Considerado um clássico, o livro deve voltar ao mercado a partir de outubro, pela editora Expressão Popular. A atualização aparece logo no título: Pragas, agrotóxicos & a crise ambiente (a obra original, de 1979, era intitulada Pragas, praguicidas & a crise ambiental). Criador da palavra “agrotóxico”, o professor agora incorpora sua criação no título. 
 

“Eu criei a palavra ‘agrotóxico’ numa época que ‘praguicida’ era o termo mais usado. Quarenta anos depois, com ‘agrotóxico’ usado do Oiapoque ao Chuí e fazendo parte das legislações de todos os Estados, não tinha porque não incluí-la no título da reedição”, diz Adilson em sua sala na Esalq, em Piracicaba (SP).
 

Trata-se de uma obra técnica, voltada para profissionais das áreas de agronomia, ecologia e ciências naturais, mas não é um trabalho cheio de jargões acadêmicos. Ao contrário, tem o mérito de traduzir conceitos complexos em uma linguagem clara e acessível.
 

“Como o livro tem um embasamento ecológico bastante forte, a pessoa lê essa argumentação ecológica entendendo que a agricultura é um sistema. Não é uma unidade econômica apenas, e sim uma entidade de múltiplas interações: biológicas, químicas, físicas, sociais, econômicas”, diz o professor.
 

O livro foi escrito em 1977, depois que Adilson obteve o Ph.D. em ecologia e conservação de recursos naturais pela Universidade de Ohio, nos Estados Unidos. O autor, responsável também pela criação da primeira disciplina de agroecologia e agricultura orgânica do Brasil, lembra da influência que teve no contexto em que foi lançado.
 

“Muita coisa mudou no Brasil a partir das recomendações que fiz. A importância do trabalho está, principalmente, em dois aspectos: proibição dos produtos clorados, que eram os mais problemáticos, e as legislações, que nós não tínhamos. Havia uma série de decretos, mas não uma lei”. Mas o livro significou – e significa – muito mais.
 

Na obra, Adilson Paschoal demonstra que, quanto mais diversificado, mais estável é o sistema agrícola, o que equivale dizer que nas policulturas é maior o número de interações entre os diversos organismos. 
 

“Se há mais diversidade há estabilidade. Se há estabilidade não há necessidade de fatores que não sejam biológicos, ou seja, não há necessidade de agrotóxicos”, afirma. Assim, o controle de pragas é feito por inimigos naturais: competidores, parasitas e predadores. O uso de agrotóxicos elimina o controle biológico e ainda provoca a dependência do produto químico.
 

Surpreende o entendimento de que o uso do agrotóxico é necessário. Isso porque está atrelado ao modelo da agricultura empresarial no qual está inserido. O pesquisador explica que, como estamos “forçando” a terra a produzir, ela acaba precisando dos venenos. Mas esse é um modelo finito, limitado e que mata a vida dos solos. Mudar o modelo é trabalhoso – e oneroso – mas é a única forma de se manter a vida dos solos e de garantir a produtividade a longo prazo. Mais ou menos tóxico, o uso de agrotóxicos insere-se, portanto, numa lógica de se produzir a qualquer custo, visando alavancar a economia.
 

“O erro é a técnica agronômica. Se ela exige agrotóxicos, é porque eliminou o fator natural do trópico: o biológico. Dessa maneira, não há oportunidade para o inimigo natural agir. Substituiu-se um produto por outro sem que o problema fosse resolvido. Ou seja, matam-se pessoas, matam-se inimigos naturais, matam-se polinizadores e a praga continua no mesmo patamar”.
 

Um dos argumentos recorrentes da indústria de agrotóxicos é o de que a agricultura tropical, ao contrário do que acontece nos países de clima temperado, exige o uso mais intenso de pesticidas. “É exatamente o contrário”, diz o professor. “Se na Europa, na América do Norte e no norte da Ásia o clima é o fator de controle, porque quando chega o inverno rigoroso as pragas desaparecem, nos países tropicais o fator biológico é o mais importante”, explica.
 

Momento de relançamento
 

Pragas, agrotóxicos & a crise ambiente volta ao mercado num momento importante. Desde o início do ano, o governo federal, que tem na base o apoio da bancada ruralista, vem liberando centenas de substâncias químicas, muitas delas proibidas em outros países devido a consequências negativas para a saúde humana.
 

No final de julho, foi publicado no Diário Oficial da União o marco regulatório para os agrotóxicos. Especialistas dizem que, na prática, o marco valida o Projeto de Lei 6299/02, chamado “PL do Veneno”. Além disso, também em julho, o governo alterou a toxicidade de produtos, abrandando o potencial tóxico de muitos pesticidas.
 

A obra agora relançada propunha a obrigatoriedade do triplo registro dos agroquímicos tóxicos, feito por um órgão técnico, um ambiental e um órgão da saúde. “Hoje se pretende voltar tudo para o ministério da Agricultura, tirando o registro de agrotóxicos do Ministério do Meio Ambiente e da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], que é um órgão do Ministério da Saúde. É retroceder 40 anos”.
 

Segundo o professor, o retrocesso é justificado pela necessidade dos grandes produtores utilizarem produtos mais eficientes devido à incidência crescente de pragas. “Não há preocupação com a contaminação do pequeno produtor ou do consumidor”.
 

A ineficácia do uso de agroquímicos é exemplificada por estudos feitos nos Estados Unidos citados por Adilson. Eles demonstram que, depois de 50 anos do uso de agrotóxicos no país da América do Norte, não se conseguiu controlar pragas mais do que se controlava no passado.
 

“Destruímos tudo, matamos milhares, destruímos a natureza, contaminamos alimentos e a água para manter o mesmo patamar de controle que se tinha na época da Segunda Guerra?”, questiona.

Lembrando que o agronegócio se tornou o carro-chefe da economia nacional, o professor observa que a intensa migração de produtores gaúchos, mas também de paulistas, para o Centro-Oeste deixou para trás áreas improdutivas.
 

“Isso aconteceu no mundo inteiro, veja os Estados Unidos com a ‘marcha para o oeste’. Foram criando desertos. Essa é aquela ideia de pioneiro, de 1800 e pouco que permanece. Enquanto tiver terra eles vão para a frente. Eles falam que são sustentáveis, mas a técnica agronômica hoje é totalmente incompatível com sustentabilidade”, afirma.
 

A volta dessa obra no atual contexto político, revista e atualizada, certamente ajudará a elucidar questões vitais na compreensão da dinâmica da agricultura brasileira, uma vez que expõe leis ecológicas universais, tão necessárias para o enfrentamento da crise ambiente.

Edição: Vivian Fernandes/ Brasil de Fato