“20 anos de Feira em Alagoas simboliza que o MST é fundamental para a justiça social”

Débora Nunes, da coordenação nacional do MST, destacou em entrevista a importância e a simbologia que a Feira
Foto da 1ª Feira em 1999.jpg
1ª Feira da Reforma Agrária de Alagoas, em 1999. Foto: Arquivo MST

Por Gustavo Marinho
Da Página do MST

Com a realização da 20ª Feira da Reforma Agrária do MST em Alagoas, acampados e assentados de todo o estado se organizam há meses para ocupar a Praça da Faculdade, no bairro do Prado em Maceió, entre os dias 4 e 7 de setembro, com uma diversidade do que é produzido no campo alagoano.

Credito Matheus Alves.jpg
Débora Nunes, do MST
Foto: Matheus Alves

Débora Nunes, da coordenação nacional do MST, destacou a importância e a simbologia que a Feira conquistou ao longo dessas duas décadas no estado “a Feira é a materialização do encontro entre campo e cidade. Aos 20 anos de realização ela simboliza que estamos no rumo certo”, destacou.

De acordo com Nunes, que também integra o Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente do Movimento, a Feira possibilita que a população que vive na capital possa ver concretamente os frutos da luta pela terra e pela Reforma Agrária. “[O objetivo é] fazer com que quem está na cidade, que se alimenta com os frutos da Reforma Agrária, pudesse compreender a importância da luta dos Sem Terra, sem o direcionamento ideológico, distorcido e perverso dos grandes meios de comunicação”.

Nunes reforçou a defesa do Movimento na luta contra os agrotóxicos e o papel da população urbana na defesa da Reforma Agrária.

Confira abaixo a entrevista na íntegra:
 

Nestes 20 anos de realização em Alagoas, o que hoje simboliza a Feira da Reforma Agrária para o MST?

São muitos os símbolos e significados da Feira, mas acredito que o principal seja a materialização do encontro entre o campo e a cidade, numa condição que permite o diálogo da necessidade e da importância da realização da Reforma Agrária. 

Nesse encontro prestamos conta para a sociedade dos muitos processos de luta que fazemos há mais de 35 anos no Brasil. Apresentamos os resultados das ocupações de terra, das marchas e das mobilizações. Nesse encontro convocamos a sociedade a juntar-se a nós Sem Terra para reivindicar e conquistar a Reforma Agrária.

20 anos de Feira da Reforma Agrária simboliza que estamos no rumo certo, que a existência do MST é fundamental para construir justiça social, tão ausente no nosso país. Duas décadas de feira simbolizam que trabalhadores e trabalhadoras Sem Terra, juntos em cooperação, cultivando sonhos e valores, fizeram muito mais do que certos políticos, que passam a vida em cargos públicos, mas sem contribuir efetivamente para a melhora do nosso país.

Simboliza que conquistamos muitas coisas, mas que muito ainda há que ser feito para sermos uma sociedade verdadeiramente justa, livre e igualitária.

O que levou, há 20 anos atrás, o MST em Alagoas decidir pela realização da Feira em Maceió?

A necessidade era de aproximar a realidade da Reforma Agrária da cidade, ou seja, fazer com que quem está na cidade, que se alimenta com os frutos da terra e da Reforma Agrária – macaxeira, batata doce, feijão, galinha de capoeira, farinha, laranja, abacaxi, dentre tantos outros alimentos saudáveis que produzimos  – pudesse compreender a importância da luta dos Sem Terra, sem o direcionamento ideológico, distorcido e perverso dos grandes meios de comunicação, que a serviço dos interesses de grupos econômicos e políticos sempre distorceram e criminalizaram a nossa luta.

Há duas décadas resolvemos ocupar a cidade através da Feira da Reforma Agrária para que, sem atravessadores, pudéssemos levar nossa produção direto para quem a consome nas cidades.

Por muitas vezes o Movimento demarcou que a “Feira é a expressão do projeto do MST para o campo brasileiro”. Que projeto é esse e de que maneira ele é traduzido na Feira?
O projeto do MST para a agricultura brasileira é a Reforma Agrária Popular, que luta pelo povo e pela vida no campo. Um projeto que distribua a terra para quem nela quer viver e trabalhar, respeitando e preservando a terra, a água, as florestas, a fauna; que produza alimento saudável para chegar na mesa de quem está na cidade; que tenha a agroecologia como prática e modo de vida. Um projeto que forje uma nova sociabilidade, com novas e saudáveis relações entre as pessoas e os bens da natureza, que supere o machismo, o racismo, a LGBTfobia e todas as formas de preconceito. 

A Reforma Agrária Popular também quer contribuir para resolver problemas estruturais que afetam quem está nas cidades, pois quando se expulsou milhões de pessoas do campo e não se realizou uma Reforma Agrária massiva. Isso levou ao inchaço das cidades, sem um planejamento, sem dispor de infraestrutura, saneamento básico, emprego, moradia, educação e tantos outras necessidades do povo. 
 

Além disso, temos os tema da saúde que afeta a população brasileira pelo uso intensivo de agrotóxicos na produção que o agronegócio realiza. Enfim, o nosso projeto de agricultura tem o dever de resistir e se contrapor ao modelo hegemônico do capital na agricultura.

Tem crescido o debate e a procura no conjunto da sociedade por alimentos saudáveis. Mas, paralelo a isso, o Brasil vive hoje um processo intenso de liberação de veneno na agricultura. Como o MST e a Feira da Reforma Agrária se posicionam nesse contexto?

A procura da sociedade por alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos, é em decorrência da conscientização e conhecimento das consequências que o uso de veneno tem causado na vida das pessoas. 

Vivemos em um país onde o índice de câncer tem aumentado alarmantemente. As pessoas têm adoecido e morrido, parte em decorrência da comida cheia de agrotóxico, da água contaminada e do ar também. Isso é um desdobramento da política de beneficiar o agronegócio, onde o Estado brasileiro foi sequestrado pelas empresas transnacionais, e garante todas as condições para que ele se desenvolva, desde altos volumes de recursos para seus projetos, até a criação e flexibilização de leis que deveriam estar preocupados com a sociedade, com a saúde pública e o bem estar do povo, mas ao contrário só privilegia os interesses do agronegócio.

O maior exemplo disso é no tema dos agrotóxicos: nestes oito meses de 2019 o governo Bolsonaro já liberou 300 tipos de agrotóxicos, na contramão do que o mundo tem feito, pois enquanto outros países proíbem certos tipos de agrotóxicos, aqui no Brasil eles são liberados, atendendo a pauta e os interesses dos ruralistas e do agronegócio.

Nesse sentido, o posicionamento do MST é de ser contrário e fazer permanentemente a denúncia de mais esse crime contra o povo brasileiro. Temos como linha política a produção de alimentos saudáveis que possam atender as necessidades do nosso povo, através da agroecologia, respeitando os hábitos e costumes alimentares e culturais das diversas regiões do nosso país. 

A experiência da Feira em Alagoas foi pioneira para o MST em todo o país, que hoje realiza inúmeras atividades de comercialização nas capitais e nas cidades polos do Norte ao Sul do país. Quais lições o Movimento têm tirado desse processo?

O processo de comercialização é a ultima etapa no processo de organização da produção, uma etapa de extrema importância para o nosso povo acampado e assentado da Reforma Agrária, mas também para a sociedade. Quando esse processo se dá de forma direta, sem a figura do atravessador, todo mundo sai ganhando.

É por isso que em todo o Brasil temos diversas iniciativas para fazer essa relação direta, sejam através Feiras, dos Armazéns do Campo, das Jornadas de Agroecologia e tantos outros processos que possibilitam essa aproximação com a sociedade através da comercialização da produção de alimentos saudáveis e no diálogo das ideias.

Quais são hoje os principais limites e desafios para que essa produção chegue às cidades?
O principal limite para realização de feiras com o caráter e dimensão da Feira da Reforma Agrária, com maior frequência, seja em Maceió ou nos outros municípios, passa pela pouca importância e prioridade do Poder Público à agricultura camponesa e a Reforma Agrária.

Em todas as partes do mundo a agricultura é subsidiada pelo Estado, através de programas e políticas que garantem condições para os camponeses e camponesas produzirem, desde acesso à terra, ao crédito, estradas, agroindústrias para o beneficiamento, enfim, as condições para permanecer e viver no campo, cumprindo a tarefa de produzir alimentos para alimentar a cidade.

Na nossa realidade os assentamentos não são prioridades. Falta água para consumo, faltam estradas para escoar a produção, falta crédito… Por isso que lutamos para que os governos invistam desde a produção até a comercialização. Assim será possível termos mais feiras, vendermos por preços mais justos para nós que produzimos e para o trabalhador e trabalhadora da cidade também.

A Feira convida quem vive na cidade para defender a Reforma Agrária, como o Movimento acredita que a Reforma Agrária se relaciona com as questões que os centros urbanos enfrentam? Como quem vive na cidade pode contribuir com a luta pela Reforma Agrária?

Costumamos dizer que a Reforma Agrária se materializa no campo, mas ela também deve ser conquistada na cidade. Vir para a capital do estado com os frutos da luta pela terra, para nós, é de uma simbologia grandiosa. Conseguimos concretamente mostrar para a população o resultado da nossa luta e também de maneira concreta como quem vive na cidade está diretamente relacionado com esse processo.

Seja através da produção de alimentos saudáveis que chega na mesa dos trabalhadores da cidade, seja pelo processo de geração de emprego e renda no campo, são diversas as dimensões que conectam a luta dos Sem Terra com as questões dos centros urbanos: o desemprego, a fome, o inchaço nas grandes cidade e tantas outras mazelas.
Entender que a luta pela Reforma Agrária possibilitam passos para a transformação dessa situação é um passo importante para termos nas cidades defensores e defensoras da luta pela terra. Talvez essa seja uma das principais contribuições: abraçar a luta pela terra e pela Reforma Agrária. 

Outras diversas iniciativas também nos aproximam e potencializam nossa relação, em especial através da compra dos alimentos que vem dos acampamentos e assentamentos, propagando e defendendo as ideias de uma sociedade justa.

O que a população de Maceió pode esperar para a edição de 20 anos da Feira do MST?

Uma grande festa na celebração da vida, da luta, do sonho, da resistência e da colheita do alimento saudável! Afinal não é todo dia que comemoramos 20 anos da construção de uma Feira que partilha com a cidade o que temos de melhor na Reforma Agrária.

Além de uma grande diversidade de alimentos saudáveis e artesanato, a Feira traz outras dimensões da vida no campo, a cultura camponesa, a culinária da terra, a educação e a saúde popular.

Quem vai para a Feira pode sentir o gosto, o cheiro e as cores da roça, do campo e da vida nos assentamentos e acampamentos de todo o estado de Alagoas.

Além da produção saudável, do café da manhã, do almoço e da janta com sabor da roça, quem visitar a Feira poderá aproveitar o grande Festival de Cultura popular, com uma diversidade de folguedos, atrações artísticas e culturais do que há de melhor da expressão da cultura brasileira e alagoana.

São quatro dias de muita celebração, partilha e de reafirmar a nossa disposição de seguir contando essa história junto com quem vive na cidade.

*Editado por Fernanda Alcântara