Saúde coletiva e as práticas de cuidados das mulheres Sem Terra
Por Ludmila Bandeira*
Da Página do MST
No Setor de Saúde, as mulheres Sem Terra são protagonistas nas lutas do MST, em todo o território nacional. Nas ocupações de terra, lá estão elas, quase sempre com as crianças nos braços, fazendo a resistência na luta por Reforma Agrária e justiça social. Nos assentamentos e acampamentos da Reforma Agrária, não há diferença dos outros locais sociais: as mulheres também estão inseridas nos espaços voltados à dimensão do zelo e do cuidado, como o setor de Saúde e Educação. Embora não haja um estudo que trace o perfil nacional, observamos que muitas mulheres iniciam sua vida política por meio do setor de saúde, por perceberem nesse setor a possibilidade de cuidar do outro.
Essa percepção do cuidado perpassa os mais de 20 anos de história do coletivo de Saúde. Avançamos no aprendizado e especialização das práticas populares de cuidados em saúde, tais como reik, aroma terapia, massagem, ventosa, escalda pés, florais, tinturas, argila terapia, fito cosméticos, homeopatias, carvão e alinhamento de chakras, bem como na prática desses cuidados. Em outras palavras, cuidar do outro é levar em conta as relações humanas, é ouvir e sentir o outro.
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O coletivo também é formado pelas bruxas, mulheres conhecedoras das práticas do cuidado, dos encantamentos e magias, e que carregam consigo o saber tradicional, o manuseio e manipulação de ervas medicinais, práticas de curandeiras, o conhecimento sobre o corpo, a saúde e a natureza, como nos trabalhos de parteira. O conhecimento passado através das gerações também se transforma e se ressignifica com as vivências da luta pela terra. Compreendemos que essas experiências das práticas populares do cuidado auxiliam na cura do corpo e da saúde mental.
Entendemos também, por meio da práxis coletiva, que o cuidado é apenas uma das dimensões da saúde e que esta segue estritamente vinculada às questões que dizem respeito ao modo de produzir a vida, ou seja, são determinadas pelas condições socioeconômicas, políticas e culturais da sociedade. O aprofundamento deste entendimento veio através da compreensão de que a saúde não é um campo neutro, mas sim um lugar de disputas políticas.
É possível verificarmos isso a partir do modelo de agricultura adotado no Brasil, baseado totalmente no uso e consumo de agrotóxicos, nas lavouras e, consequentemente, pela população, na perda da soberania dos povos das sementes crioulas, nas disputas de territórios pelos povos e comunidades tradicionais, pela disputa expressa no complexo modelo capitalista “médico-industrial-farmacêutico”.
Portanto, quando colocamos a centralidade do cuidado como um saber ancestral e prática coletiva, que no MST se constitui desde os primeiros acampamentos com as equipes responsáveis pelo cuidar dos militantes adoecidos, estamos construindo na prática novas formas de alterar uma concepção de saúde. Estas práticas apontam um cuidado na manutenção de valores e da ética de proteger e zelar pela vida e a saúde das(os) companheiras(os).
Inicialmente essa preocupação estava centrada na doença, na produção de medicamentos (tinturas, pomadas, florais), que tinham por finalidade sanar as necessidades existentes nos acampamentos e assentamentos. Como um resfriado, por exemplo, que caso não seja tratado adequadamente poderia levar a uma pneumonia; um xarope de ervas específico poderia amenizar o problema.
Entretanto, as mediações desse processo expressam relações humanas alicerçadas em valores de solidariedade, companheirismo, cooperação e fraternidade. Demonstram ainda um conhecimento e um saber popular ancestral sobre os cuidados com a saúde e a relação humana com a natureza, que era próprio dessas trabalhadoras e trabalhadores do campo, transmitido por seus antepassados.
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* Ludmila Bandeira é da coordenação estadual do setor de Saúde do MST em Minas Gerais
** Editado por Fernanda Alcântara