Educadores se posicionam contra despejo do Centro de Formação Paulo Freire

No espaço, localizado em Caruaru (PE), são realizadas diversas parcerias com escolas municipais e universidades
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Centro de Formação Paulo Freire, em Caruaru (PE). Fotos: Arquivo MST

Por Marcos Barbosa
Da Página do MST

Sob ameaça de despejo emitida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Centro de Formação Paulo Freire, localizado no assentamento Normandia, em Caruaru, é um espaço onde, além de produção agrícola, também se produz conhecimento. Isso porque neste centro são realizadas diversas parcerias com escolas municipais e universidades, como a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade de Pernambuco (UPE), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), além de construir iniciativas com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o próprio Governo do Estado.

De acordo com Rubneuza Leandro, do setor de educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Centro de Formação Paulo Freire, em todo seu processo de existência, esteve voltado para a formação de professores, para a compreensão da lógica da educação na prática, exercitando o trabalho dentro da dimensão da coletividade.

“O Centro de Formação é uma grande escola que nos ensina uma educação que relaciona trabalho e formação política, numa compreensão de que a educação tem que contribuir para o desenvolvimento das comunidades e da formação humana”, reforça. 

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Ainda de acordo com Rubneuza, o centro cumpriu, e ainda cumpre, um papel fundamental para a efetivação do direito à educação de crianças e jovens camponeses. Ela relembra, por exemplo, uma das primeiras experiências da educação do campo com o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem) Campo – Saberes da Terra por meio do qual, com a utilização da metodologia da alternância, foi possível o desenvolvimento de aulas teóricas e práticas, com foco na qualificação profissional da juventude rural. 

Ela lembra, também, que no Centro Paulo Freire é realizado o “Pé no Chão”, curso dividido em três etapas, tendo como base vivências e práticas em agroecologia e que está voltado para pessoas que vivem nos acampamentos e assentamentos do estado. Sendo essa mais uma das várias experiências de educação popular já desenvolvidas em Normandia.

Para Rosa Amorim, militante do Levante Popular da Juventude e diretora de Cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE),  além de um espaço de resistência dos assentados e acampados, o Centro Paulo Freire é, sobretudo, uma escola que forma esses sujeitos do campo. Para ela, esse é mais um ataque à Educação no Brasil. “Isso tem uma simbologia, porque querem tirar uma escola dos assentados e acampados da Reforma Agrária. Querem tirar o direito de estudar e se formar criticamente a esses sujeitos do campo”, denuncia. 

Rosa, que é filha de pais assentados em Normandia, afirma que, pelo fato de ter vivenciado aquele espaço, de ter estado nas cirandas infantis e participado dos espaços coletivos das crianças, aprendeu desde cedo o que era luta de classes. “Se meu pai é um sem terra, eu sou uma sem terrinha. Se minha mãe é professora, eu sou uma professorinha. A gente foi se alfabetizando para a luta naquele espaço”, afirma.

Plenária da Educação

Na última quarta-feira (11), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizou uma plenária com estudantes, profissionais, entidades e sindicatos da área da Educação em defesa do Centro Paulo Freire, no Armazém do Campo do Recife. 

De acordo com Rosa Amorim, o movimento estudantil também está somando força nesse momento de resistência. “As universidades públicas pernambucanas, todas elas têm ligação com Normandia, seja por cursos do Pronera que acontecem naquele espaço. Então, é uma ligação intrínseca, que abarca todos os setores da educação. O movimento estudantil está colocando sua força na defesa de Normandia por entender que lá é um espaço de todos”, declara.

 

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A deputada estadual Teresa Leitão, que esteve na plenária da Educação, afirma que é muito importante o apoio dos educadores e educadoras, pelo simbolismo que tem o Centro de Formação e pela renovação dos compromissos ali reafirmados. “Além de o centro receber o nome do patrono da Educação Brasileira, Paulo Freire, ele também aplica a prática referenciada no pensamento freireano. Ele tem uma concepção pedagógica, metodológica, que é a que foi defendida e que é respeitada no mundo inteiro, de Paulo Freire”, salienta. 

Teresa Leitão está, também, participando do coletivo de defesa do Centro Paulo Freire, lançado na última sexta-feira (13), que reúne parlamentares das esferas municipais, estadual e federal, para influenciar nas negociações e reverter a possibilidade de despejo.

Segundo o professor universitário Roberto Efrem Filho, o Centro Paulo Freire, desde seu surgimento, nasce com a intenção de ser um espaço de formação e educação no interior de um assentamento que resultou de um processo emblemático de luta pela terra e pelos direitos dos trabalhadores rurais. “A luta pela terra é pedagógica sobre o que significa nossa experiência democrática e, no espaço em que a luta pela terra foi extremamente pedagógica, foi construído um centro de formação dedicado à formação educacional dos trabalhadores rurais”, frisa.

Ainda de acordo com o professor, o Centro Paulo Freire, que surgiu a partir dos interesses do assentamento Normandia é fundamental para o seu desenvolvimento ao cumprir o papel de contribuir com uma série de atividades de instituições públicas de ensino, seja a partir do fornecimento de alimentos da agricultura familiar, produzidos nas agroindústrias de Normandia, que abastecem escolas de municípios pernambucanos, seja recebendo universidades para realização de atividades de ensino, pesquisa ou extensão.

Declarações de solidariedade

Desde que foi divulgada a ameaça de despejo do Centro Paulo Freire, entidades e organizações da Educação e instituições de ensino têm demonstrado publicamente solidariedade ao movimento e defesa do assentamento Normandia.

Em nota, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe) afirma que “o Governo Bolsonaro elegeu a educação, os educadores e educadoras e os estudantes como seus inimigos número 1” e que o pedido de reintegração de posse do Centro de Formação Paulo Freire é “mais um absurdo autoritário”. “Há uma ofensiva do governo de Jair Bolsonaro contra os movimentos sociais e sindical em todo o Brasil. A covardia sem limites se materializa nessa ação contra um centro de formação em atividade há 20 anos, tendo contribuído para capacitar milhares de educadores do Brasil e do mundo”, completa a nota.
 

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A Associação dos Docentes da UFPE (Adufepe) também emitiu posicionamento contrário ao despejo e declarou que o Centro Paulo Freire é “um dos ícones da resistência do trabalhador da agricultura e luta pelo direito de cultivar a terra em Pernambuco”. A nota salienta, ainda, as diversas contribuições do Centro Paulo Freire para o desenvolvimento do ensino e da ciência em Pernambuco, por meio de parcerias com universidades, desde a graduação até a pós-graduação. 

Em vídeo, o reitor da UFPE Anísio Brasileiro também declarou o apoio da universidade à manutenção do Centro de Formação em Normandia. “O Centro de Formação Paulo Freire é um dos poucos espaços voltados para a educação popular aqui no Nordeste. A UFPE, através dos seus diversos cursos e projetos de extensão, tem muitas atividades com o centro de formação”, declara o reitor.

*Editado por Fernanda Alcântara