Sem Terrinha do RS reivindicam melhorias à educação no campo

Crianças entregaram uma carta a deputados e representantes de instituições durante ato em Porto Alegre
Mística de abertura reuniu crianças de vários assentamentos. Foto - Leandro Molina..png
Mística de abertura reuniu crianças de vários assentamentos
Foto – Leandro Molina

 

Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST 

 

Crianças Sem Terrinha do Rio Grande do Sul participaram nesta sexta-feira (11), em Porto Alegre, de um ato público em defesa da infância e da escola pública de qualidade. A atividade, organizada pelo Setor de Educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), aconteceu no Memorial do Legislativo, no Centro Histórico da capital, em alusão ao Dia das Crianças.

O ato, que integrou a programação do 19º Encontro Estadual das Crianças Sem Terrinha, que acontece até sábado (12), em Nova Santa Rita, na região Metropolitana de Porto Alegre, reuniu apoiadores do MST, profissionais da área da educação, parlamentares, representantes da Defensoria Pública, da Fundação Luterana de Diaconia (FLD), do Centro dos Professores do RS (CPERS), do Ministério Público e do Conselho Estadual da Educação. 

A convidada especial da atividade, Zoia Prestes, filha de Maria e Luiz Carlos Prestes, gaúcho que liderou a Coluna Prestes, lembrou que uma das bandeiras do movimento era uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos. “Foi uma coluna invicta que atravessou o Brasil a pé e a cavalo, e encontrou muita fome e pobreza pelo caminho”, recordou.

Zoia relatou lembrou de sua infância e a história dos seus pais, exilados na União Soviética durante a ditadura militar brasileira. Ela contou que sua mãe é filha de camponeses, que sempre defenderam o acesso à terra a quem nela trabalha e produz. Sobre o seu pai, disse que ele enfrentava seus opositores e sempre foi respeitado, inclusive por quem não comungava de suas ideias. Além disso, quando eleito senador, defendeu a Reforma Agrária. “Não herdei a chama da luta dos meus pais pelo sangue, mas participando e acompanhando a luta deles”, destacou.

Zoia afirmou que a busca por educação não deve estar desvinculada da luta pela terra e que o MST é um movimento social que tem muito a ensinar. Disse ainda que grandes transformações sociais são possíveis e motivou as crianças a continuarem buscando seus direitos. “Lutar é um dever e um direito nosso. Lutar pela terra é também lutar pela educação e pelo maior acesso ao conhecimento que a humanidade produziu”, acrescentou.

Carta lida durante o ato também foi entregue a deputados e entidades. Foto - Leandro Molina (1).png
Carta lida durante o ato também foi entregue a deputados e entidades
Foto – Leandro Molina 

Realidade Sem Terrinha

Após as manifestações de Zoia, um grupo de crianças de diversas regiões do estado contou como é o dia a dia nos assentamentos em que moram e as escolas onde estudam. Segundo Felipe do Prado, de Nova Santa Rita, “ser Sem Terrinha é a melhor coisa que tem”. No entanto, alega que enfrenta dificuldades para estudar. “Tem poucos ônibus, fica muito apertado. Na estrada tem muito buraco e muita lama quando chove. Tem vezes que o ônibus não consegue ir na escola”, comentou.

Viviane Ramos, de Manoel Viana, na Fronteira Oeste, falou de sua família, que produz hortaliças, mandioca, feijão, amendoim e outros alimentos. Ela falou que gosta de morar no assentamento, “porque é calmo e sem violência” e “tudo é resolvido no diálogo”. Lá ela estuda, ajuda seus pais e brinca. “É maravilhoso”, ressaltou. Quanto à sua escola, contou que por falta de verbas está paralisado um projeto de produção de hortaliças orgânicas para a merenda.

O Sem Terrinha Felipe José, de São Gabriel, também na Fronteira Oeste, explicou que recebe um bom ensino em sua escola, porém o prédio é precário e há salas de aula sem ventilador. “É muito calor pra gente se concentrar. Mas o grande problema é a condição das estradas. Muitas vezes ficamos sem ir na escola, porque além do município não arrumar as estradas, os transportes vivem quebrados”, denunciou.

Ato em defesa da educação pública de qualidade lotou o Memorial do Legislativo. Foto Leandro Molina. (2).png
Ato em defesa da educação pública de qualidade lotou o Memorial do Legislativo
Foto Leandro Molina

Carta e manifestações de apoio

As crianças do MST entregaram uma carta aos deputados Edegar Pretto e Sofia Cavedon, ambos do PT, e a representantes das instituições presentes no ato. O documento reforça que elas não têm acesso a uma escola de qualidade devido a vários fatores, como falta de infraestrutura e precária situação das estradas. Ainda lista as melhorias necessárias, como a reforma de prédios, a construção de quadras esportivas e refeitórios, a fiscalização do transporte escolar e a garantia do quadro de funcionários.

Luciana Casarotto, promotora de educação da região Metropolitana de Porto Alegre, afirmou que o Ministério Púbico já tem conhecimento da situação das escolas dos Sem Terrinha. “A infraestrutura está complicada não só nas escolas de vocês, mas também nas outras. É uma luta que precisamos de muitos corações e mentes para seguir em frente”, assinalou.

A defensora pública Liliane Braga disse acreditar muito na educação e que levará as demandas das crianças à defensoria do estado. Já a educadora Lucia Camini acrescentou que o direito à educação não significa apenas escola construída, mas também ter professores e funcionários qualificados e todas as condições para que as crianças possam frequentar e aprender. “Os Sem Terrinha já nos deram muitas lições. Estamos aqui hoje pela necessidade de asseguramos a educação para todos, com qualidade social”, argumentou.

Dirigente nacional do MST, Silvia Reis Marques finalizou o ato, ressaltando que a militância, composta de homens, mulheres e crianças, é o maior patrimônio do Movimento, que em seus 35 anos de história e 25 anos de Encontros Sem Terrinha sempre lutou pelos direitos dos trabalhadores e transformação social.  “Nossas crianças estarão sempre nos animando. E nós, pais e mães, estaremos em luta, seja pelas crianças Sem Terra ou Sem Teto”, concluiu.

Confira a íntegra da Carta das Crianças Sem Terrinha:

Nós, crianças Sem Terrinha do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST/RS), juntamente com toda a família do MST, neste 19º Encontro Estadual, debatemos o direito à infância, à educação pública de qualidade e a realidade das Escolas do Campo nas áreas de Reforma Agrária.

Somos filhos e filhas de uma história de luta. Nossos pais nos ensinaram que a terra onde produzimos nossos alimentos, a casa onde moramos e a escola onde estudamos foram conquistados com muita luta coletiva. Completamos 25 anos de realização de Encontros das Crianças Sem Terrinha.

Ainda não temos as condições necessárias nos nossos assentamentos. Nosso direito à escola de qualidade é negado! Nossa vida escolar é prejudicada pelas más condições das estradas, que quando chove o transporte escolar não circula. Por vezes ficamos 3 dias da semana sem aulas em vista das situações das estradas. Também falta infraestrutura nas escolas e não temos biblioteca, laboratórios e até sala de aula. Não temos rede de internet e chove dentro da escola.

Os nossos assentamentos não recebem manutenção nas estradas, o que acarreta a perda da produção. Faltam incentivos a espaços culturais, esportivos, postos de saúde, bem como falta incentivo para a produção orgânica e agroecológica.

Queremos viver no campo e para isso a escola precisa ter condições de estudo e ensino com qualidade e que o trabalho e a produção do campo sejam valorizados.

Nossas escolas necessitam ter melhores condições:

– Reformar os prédios existentes e construir quadras de esportes (cobertas) para termos espaço para diversas atividades, refeitórios e aumentar as salas de aula, pois as que temos não dão conta da demanda;

– Garantir um currículo que dialogue com a realidade do campo, que valorize o trabalho camponês e que desenvolva as diversas linguagens artístico- culturais; 

– Ter formação para os educadores das escolas do campo;

 – Garantir a contratação de professores para suprir a demanda de o trabalho nas escolas, bem como o quadro de funcionários: secretária, bibliotecário;

 – Rever o valor de contrato de transporte escolar com as prefeituras municipais;

 – Fiscalizar as condições do transporte escolar e aumentar a linhas de transporte;

 – Subsidiar projetos de experiência agroecológica e cuidado com o meio ambiente.

 

SEM TERRINHA EM MOVIMENTO: POR TERRA ESCOLA E DIGNIDADE!