“A Reforma Agrária é determinante para a soberania alimentar”

Luiz Zarref fala sobre Soberania Alimentar e alimentação saudável como um direito humano
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Luiz Zarref, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Foto: Barbara Lima

Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST





Essa semana comemoramos o Dia Internacional da Alimentação e, mesmo tendo avançado muito em algumas políticas relacionadas ao tema, a perspectiva é preocupante diante do atual governo campeão em liberação de agrotóxicos. Apesar da agricultura familiar e os pequenos camponeses serem responsáveis por mais de 70% da produção alimentícia brasileira, o que vemos na prática são incentivos ao agronegócio, latifundiários e às grandes redes varejistas multinacionais.

Diante desse cenário, movimentos populares, organizados de várias formas, assumem o dia 16 como um dia de luta pela soberania alimentar, com diversas ações de diálogo e conscientização da população sobre o tema.
 

E, para falar um pouco mais sobre as mobilizações da jornada, entrevistamos Luiz Zarref, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Confira:

O que a ideia de soberania alimentar? 

Soberania alimentar é uma síntese popular construída pelos movimentos articulados pela Via Campesina para enfrentar a lógica da fome. Essa é a ideia que os Estados Unidos promove ao obrigar os países a destruir sua agricultura tradicional/nacional e importar produtos e alimentos produzidos feito pelos Estados Unidos. Então, a soberania alimentar é um conceito de que os povos devem ter autonomia sobre a definição do que comer e como/por quem será distribuída. Ou seja, a soberania alimentar tem como sujeito político o campo, mas em uma relação da classe trabalhadora urbana com campesinato, tudo isso para definir como abastecer as nações, a partir dos povos.

E como essa questão se aplica aqui ao Brasil?

No Brasil a soberania alimentar encontra-se em um grande processo na redemocratização de luta pela Reforma Agrária, pela democracia e pelo fim da fome. Esse era o tripé da campanha da Reforma Agrária. Ao longo da década de 1990 aconteceram várias conferências sobre segurança alimentar. E é com o avanço deste conceito elaborado pela Via Campesina, pelas lutas de várias organizações camponesas do Brasil, que se desenvolve então o conceito do Soberania Alimentar, vinculado ao histórico de lutas pela Reforma Agrária e agora, mais recentemente, em defesa dos territórios e pela agroecologia.

Você citou a campanha no combate à fome. Como a soberania alimentar se insere neste tema?

Antigamente, até os anos 1990, entendia que a fome não era um problema de produtividade, mas político, de distribuição de tudo o que era produzido. Essa leitura se aprofundou com o agronegócio, porque produz muito produto/mercadoria, mas ele é concentrado. Não é mais suficiente pensar só na distribuição destes alimentos, porque o agronegócio tem cada vez mais especializado sua produção de soja e trigo, e a grande maioria desta produção é para ração animal, ou para produtos ultraindustrializados. A agroecologia é uma resposta ao combate à fome porque ela retoma a missão do campo e dos agricultures, que é produzir alimento para o povo. O agronegócio e o latifúndio não produz alimento, a forma de se produzir alimento hoje é com a agroecologia.

E como a política de agrotóxicos se insere neste contexto?

As empresas de veneno construíram todo um modelo, totalmente dependente de agrotóxicos, por conta das sementes que saem das mesmas empresas e já no seu DNA uma dependência de uma adubação química/industria. Por isso que eu afirmo que a única forma de produzir alimento, não commodities, não mercadoria, é a agroecologia. Há ainda o problema da obesidade. Obesidade não quer dizer boa nutrição, ou fartura: está ligada à baixa nutrição porque justamente são pessoas se alimentando destes produtos produzidos pelo agronegócio, altamente industrializados e processados. Então são duas faces do problema: a fome e a obesidade tem a mesma raiz, que é o sistema de produção do agronegócio baseado em commodities e geração de lucro.

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Divulgação/MST

O que o MST  chama de alimentação saudável?

O termo “comida de verdade” tem alguns pilares. O primeira e fundamental é que ela seja livre de utilização de agrotóxicos. O segundo elemento é que a comida seja feita de forma agroecológica, ou seja, em sistemas alimentares que buscam um equilíbrio com a natureza, que buscam estar adaptados com às condições climáticas, do solo, e de espécies de uma região ou bioma específico. O terceiro pilar de uma alimentação saudável é diversidade. Não adianta eu me alimentar de um único produto, sem veneno, que seja agroecológico, mas que seja um único tipo. Quando falamos de diversidade de alimentos, estamos nos referindo desde a sua base nutricional, como vitaminas, fibras, proteínas, energia, açúcares, mas fundamentalmente também à diversidade cultural, aquilo que cria laços entre à região. Todos nós, nossa ou de gerações passadas, tem laços territoriais com a comida. Em Goiás, por exemplo, nós temos o frango com pequi, arroz com gueroba, doce de buriti, e assim cada região tem seu prato típico, a sua relação com a comida, a sua atividade cultural que é exterminada pelo agronegócio. E esta cultura é fundamental para a comida de verdade.

 

Qual é o papel do Estado na promoção da alimentação saudável?

Está no artigo 6.º da Constituição, é direito de todo cidadão brasileiro à alimentação, e entendemos que a alimentação não é o envenenamento, não é o fornecimento de commodities e alimentos ultraprocessados, porque isso é apenas mercadoria para gerar lucro. O que o Estado tem que garantir é o alimento saudável, da comida de verdade. E neste sentido há várias políticas públicas pra que essa comida de verdade esteja na mesa dos brasileiros. São políticas de definição dos territórios e de reforma agrária, porque sem a reforma não há condições de se produzir alimento para a  população brasileira. A grande maioria das terras de boa localização, com características da agronômicas boas para a alta produtividade de alimentos está nas mãos dos latifundiários, e a reforma agrária é determinante para a soberania alimentar. Precisamos de um estado que fortaleça a agroecologia e que também defenda os territórios de comunidades tradicionais, como indígenas e  quilombolas.
Também temos uma série de políticas que fortalecem a agroecologia, desde assistência técnica, financiamento, pesquisa e agroindistrialização até e sua comercialização e abastecimento.

Dentro dessas ações está o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE),  fundamental para a soberania alimentar e alimentação saudável. Ele alimenta milhões de crianças e jovens, então toda esta comida precisa ser saudável para que estas crianças possam crescer em condições sadias, possam mais do que estudar, se alimentar, uma vez que passam quase o dia inteiro na escola. Temos também ações que devem que ser tomadas para abastecimento da população, como  cestas básicas e o estímulo às feiras, os próprios CEASAS, enfim, uma série de políticas de estado que estão neste âmbito da comercialização e abastecimento que garantam que o estado na esteja (como está atualmente e tem estado historicamente)  ligado ao latifúndio e, mais recentemente, ao agronegócio. É determinante que o estado assuma seu papel de não beneficiar o agronegócio, mas sim garantir o direito garantido pela Constituição à alimentação saudável.

Como podemos apoiar a campanha pela soberania alimentar?

Sendo a soberania esta aliança entre o campesinato e a classe trabalhadora, o primeiro elemento que podemos destacar é a conscientização da sociedade na defesa dos territórios e da Reforma Agrária. Isso é fundamental, é a base da agroecologia e da soberania alimentar a terra e o território. O segundo momento é a população, de maneira geral, estruturando estes canais de comercialização que promovem o contato direto entre os coletivos de famílias camponesas e as famílias trabalhadoras brasileiras rurais que fazem esse trabalho sem atravessadores, esta comercialização de alimentos agroecológicos. E terceiro são as organizações sindicais, organizações religiosas, enfim, todas as formas de articulação política,  de promover a consciência de que a soberania alimentar faz parte não só de uma decisão individual, mas de um processo político para o pais. Um projeto que garante a democracia, justiça social, conservação ambiental e dos bens comuns e garante geração de renda para o brasileiro e riqueza para a nação brasileira.