7 pontos que comprovam que Brasil está retrocedendo com o governo Bolsonaro na defesa dos Direitos Humanos

No Dia Internacional dos Direitos Humanos, retrospectiva traz ações de governo contra princípios
Cúpula das Organização das Nações Unidas (ONU)

Do Comitê Lula Livre*

No dia em que se comemora o Dia Internacional dos Direitos Humanos, podemos concluir que o Brasil retrocede a olhos vistos na agenda civilizatória. Desde que assumiu o governo, Jair Bolsonaro pouco fez pelo tema, muito pelo contrário, segue atacando entidades, instituições, defensores e leis, mesmo quando diz que apoia. É o caso da recente proposta que desobriga empresas a contratarem pessoas com deficiência, pauta que ele abraçou ainda no discurso de posse, ao lado da esposa, que traduzia suas promessas para Libras.

O caso é tão grave que um relatório do Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas (ONU) alerta para violações dos direitos humanos no Brasil. O documento apontou problemas em diversos tópicos, sendo os mais críticos a violência, a liberdade de expressão, e o direito das mulheres, dos refugiados e da comunidade LGBT. Nesse cenário, o Brasil tem abandonado a cooperação internacional, segundo a entidade.

O presidente Jair Bolsonaro está “atacando frontalmente” os direitos humanos no Brasil, denunciou o diretor da ONG Human Rights Watch (HRW), Kenneth Roth. Para ele, o presidente estimula a polícia a usar a força letal sem justificativa adequada; tem tentado enfraquecer o poder da sociedade civil e da mídia; ataca os defensores da floresta, dá aval à [exploração de] madeira ilegal na Amazônia e mina os esforços para combater a tortura.

“Um presidente, somente porque foi eleito, não está acima da lei. Muitos autocratas no mundo tentam se colocar acima da lei. É assim que emerge um governo autoritário, assim que são gerados esses tipos de ditaduras eleitas”, alertou.

Mensagens de intolerância e ódio são espalhadas por pessoas que buscam o poder, utilizando lógica enviesada e falsas promessas, fabricando flagrantes mentiras.

Aos poucos, esta nociva onda de ódio está crescendo e princípios vitais que protegem a paz nas sociedades estão sendo varridos. É preciso impor limites. Onde houver discriminação, é preciso se manifestar para ajudar a garantir o direito de alguém de viver sem medo ou abuso.

Confira 7 pontos que comprovam que Bolsonaro aplica uma política de morte:

Investigação Marielle e assassinato de militantes


Mais de 600 dias após o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e de seu motorista Anderson Gomes, a Polícia Civil e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ainda não conseguiram elucidar o crime. A investigação, marcada por reviravoltas e falhas, prendeu em março, um ano após o homicídio, dois suspeitos de executar o atentado — o polícia militar aposentado Ronnie Lessa, vizinho do presidente, e o ex-policial militar Élcio Queiroz.

Essa demora e a suspeita de que membros da força de segurança fluminense próximos a milicianos estariam agindo para atrapalhar as investigações levaram a ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge a solicitar em setembro a federalização do caso. A proposta passou a ter forte apoio do ministro da Justiça, Sergio Moro, e do presidente Jair Bolsonaro depois que o nome do presidente foi envolvido nas investigações em outubro.

O número de mortes por conflitos de terra foi o maior em 14 anos. A violência ligada a questões fundiárias é atribuída a ocupações ilegais que beneficiam grandes proprietários e madeireiros.

No início de Novembro, aconteceu o assassinato do guardião Paulo Paulino Guajajara após o grupo dos agentes florestais indígenas “Guardiões da Floresta” ter sido emboscado por madeireiros dentro de seu próprio território. Em março, a coordenadora do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), Dilma Ferreira Silva, foi morta a facadas no nordeste do Pará, junto ao seu marido e a um conhecido do casal.

Abusos cometidos pela polícia, incluindo execuções extrajudiciais, contribuem para um ciclo de violência que prejudica a segurança pública e coloca em risco a vida de policiais e civis, preocupam especialistas e assustam a população.

Censura ao termo gênero


Diplomatas brasileiros começaram a implementar instruções do Itamaraty de vetar qualquer referência ao termo “gênero” em resoluções da ONU. Numa reunião para negociar uma das resoluções em Genebra, a nova posição do Brasil abriu um debate inédito com europeus, que insistiram que não iriam retirar o termo “gênero” do texto.

A posição do chanceler Ernesto Araújo, ironicamente, foi apoiada por governos como o da Rússia, Paquistão e da Arábia Saudita, acusado por ongs e mesmo por governos ocidentais por seu tratamento às mulheres.

No total, porém, mais de 14 referências ao termo “gênero” foram vetados durante os encontros pelo governo brasileiro até agora. O número deve crescer, já que nem todos os trechos ainda foram alvo de negociações.

Enquanto o Brasil falava, delegações estrangeiras literalmente abriam a boca de surpresa, se olhavam de forma assustada e combinavam reações imediatas, enquanto outros suspiravam para lamentar a nova posição nacional.

A forma como juízes e políticos trataram a questão de condição sexual e identidade de gênero levou ao aumento de ameaças e ataques contra lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. No relatório da ONU, o presidente Jair Bolsonaro é apontado como um político que “endossa a prática de tortura e outros abusos, e fez declarações abertamente racistas, homofóbicas e misóginas”.

A falta de instrumentos públicos de proteção às vítimas e a precária investigação e punição de criminosos é apontada como combustível para a escalada da violação de direitos. Em 2017, mais de 1,2 milhão de casos de violência doméstica estavam pendentes nos tribunais. E o país conta com apenas 74 abrigos de proteção. “Mantida impune, a violência doméstica costuma escalar e pode levar à morte”, alerta a ONU.

Devastação do meio ambiente


Depois de admitir a investidores árabes que “potencializou” a realização de queimadas por não concordar com as políticas ambientais traçadas em governos anteriores, o presidente Jair Bolsonaro voltou a atacar o meio ambiente brasileiro ao permitir o plantio de cana na Amazônia e no Pantanal.

Foi publicado no Diário Oficial da União, em novembro, Decreto 10.084, que revoga o Decreto 6.961, de setembro de 2009, em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva instituiu o zoneamento para o plantio da cana e as operações de financiamento ao setor sucroalcooleiro.

O Ministério da Agricultura ainda liberou o uso de 382 agrotóxicos em 2019, mantendo o nível de registros como o mais alto da série histórica, iniciada em 2005.

O que incomoda Bolsonaro e seus apoiadores integrantes do agronegócio e do extrativismo é a alta eficiência do sistema de monitoramento e alertas sobre avanços do desmatamento. Mas até mesmo o presidente do Instituto CNA, braço da Confederação Nacional da Agricultura, Roberto Brant, disse que o governo federal prejudica a imagem da agricultura nacional.

Fim da fiscalização do trabalho escravo


No primeiro Orçamento elaborado pelo presidente Jair Bolsonaro, os recursos para fiscalizações trabalhistas foram cortados para o menor patamar da série histórica, segundo dados do próprio governo.

De um total de R$ 1,4 trilhão de despesas previstas para 2020, foram reservados R$ 26 milhões para operações de inspeção de segurança e saúde no trabalho, combate ao trabalho escravo e verificações de obrigações trabalhistas.

A queda em relação ao orçamento de 2019 —R$ 70,4 milhões— supera 63%.

O enxugamento vem na esteira de uma série de medidas adotadas pelo governo para afrouxar a legislação trabalhista.

De janeiro a outubro, a equipe de Bolsonaro usou pouco mais da metade dos recursos orçados para fiscalizações trabalhistas neste ano.

Apenas R$ 38 milhões, de um total de R$ 70,5 milhões autorizados pelo Congresso, foram desembolsados, sendo que a maioria se refere a ajustes feitos no eSocial, plataforma para que empregadores forneçam dados dos trabalhadores exigidos por lei.

O corte no orçamento tem consequência maior em cidades do interior onde não há auditor do trabalho. Sem fiscalização, a tendência deve ser o aumento de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho.

Fim das cotas para pessoas com deficiência


O presidente Jair Bolsonaro acabou com o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade), uma das bandeiras da campanha de Bolsonaro.

Segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil existem 45,6 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, o que representa 23,92% da população brasileira.

Há uma semana, um projeto de lei encaminhado pelo governo Bolsonaro ao Congresso Nacional pretende modificar a atual política de cotas para pessoas com deficiência ou reabilitadas, substituindo a contratação pelo pagamento de um valor equivalente a dois salários mínimos mensais. Ou seja, na prática, elas serão desobrigadas de empregar pessoas com deficiência.

Perseguição à imprensa


A relação entre o governante e a imprensa tem sido marcada pela hostilidade contra jornalistas e veículos que publicam reportagens críticas sobre o poder público. Bolsonaro já ameaçou não dar mais entrevistas à imprensa caso um tema comentado por ele não fosse tema de reportagens “no dia seguinte”. A suposta notícia sugerida pelo presidente, porém, não era verdadeira, como acontece com frequência.

No episódio mais recente, o jornal Folha de S.Paulo foi excluído de uma licitação do governo federal para a contratação de empresa de comunicação especializada no fornecimento de assinaturas online. Após manifestação contrária dos órgãos de controle, o governo recuou.

Em meio a denúncias contra o senador Flávio Bolsonaro, primogênito do presidente, sobre movimentações suspeitas em sua conta e do ex-assessor Fabrício Queiroz, em março, o presidente compartilhou informações falsas que atribuíam a uma jornalista do jornal O Estado de S. Paulo a “intenção” de arruinar o parlamentar e o governo.

Outro episódio ocorreu em julho, um mês após o site The Intercept começar a divulgar diálogos de conversas atribuídas aos membros da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba e ao então juiz responsável pelos processos na capital paranaense, Sergio Moro, hoje ministro da Justiça.

Após a pasta publicar uma portaria que previa a deportação sumária de “pessoas perigosas” em até 48 horas, Bolsonaro negou que medida tenha sido tomada para atingir o editor do veículo, o jornalista americano Glenn Greenwald. O presidente então levantou a possibilidade de que Glenn pegar “uma cana” no Brasil.

O presidente também editou duas medidas provisórias cancelando a obrigatoriedade da publicação de balanços financeiros e de editais de licitação em jornais. Na ocasião, Bolsonaro afirmou ironicamente que esperava que o Valor Econômico, jornal do Grupo Globo, sobrevivesse à medida, que comprometeria a receita do veículo.

Em outubro, após uma reportagem do Jornal Nacional revelar que o presidente havia sido citado por uma testemunha na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, Bolsonaro fez uma transmissão ao vivo nas redes sociais ofendendo jornalistas do grupo e ameaçando não renovar a concessão da TV Globo.

Licença para matar?


Dez meses depois de receber a proposta do pacote anticrime de Sergio Moro, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o projeto, mas com diversas modificações impostas pela Oposição, uma vez que o texto-base apresentado pelo ex-juiz da Lava Jato nada mais era que uma licença pra matar. A proposta modificada agora está sendo analisada no Senado.

As organizações alertam que existiam cinco pontos perigosos na proposta de Moro: o incentivo do uso da força letal pelas polícias; a possibilidade de aumento do feminicídio, uma vez que crimes cometidos mediante medo, surpresa ou violenta emoção terão a pena suspensa ou reduzida pela metade; a dificuldade em prevenção à tortura devido a substituição da audiência presencial com o juiz por uma videoconferência; o aumento da prisão provisória, que viola o princípio de presunção de inocência e início da pena em regime fechado que atenta contra o direito da ampla defesa.

A proposta contava ainda com ponto com potencial que seria muito cruel, em especial, com a população pobre, sem acesso a bons advogados: o chamado plea bargain, um acordo que um acusado por crime pode fazer diretamente com o promotor, para obter a redução da pena, o que cria uma possível epidemia de inocentes que se declaram culpados para evitar penas maiores.

* Texto publicado originalmente no Site do Comitê Nacional Lula Livre