Tem início o 19º Encontro Estadual do MST no RS

O evento ocorrerá até o dia 20 de dezembro, em Nova Santa Rita
Mística de abertura do 19º Encontro Estadual do MST/RS. Foto: Gabriel Bicho.

Por Maiara Rauber
Da Página do MST

Foi lançado esta semana mais um Encontro Estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Rio Grande do Sul. Em 2019, é completada a 19º edição do evento. Nesse primeiro dia, centenas de Sem Terra de todas as partes do estado gaúcho se fazem presente no assentamento Capela, em Nova Santa Rita, região Metropolitana de Porto Alegre.

No ato de abertura foi realizada uma mística que critica o capitalismo. “O lucro está acima da vida e do bem viver”, declara Adalberto Martins, da direção do MST. Na encenação, havia representantes do Movimento, indígenas e negros que denunciavam os males dos agrotóxicos para a população, com a promessa de não recuar e continuar a lutar pela soberania dos povos.

Análise de conjuntura com João Pedro Stédile, da coordenação nacional do MST. Foto: Gabriel Bicho

João Pedro Stédile, da Coordenação Nacional do MST, abriu os debates em torno da conjuntura nacional e internacional. O economista alerta que alguns dos países desenvolvidos estão atrás dos territórios e das riquezas do Brasil. Ele ainda reforça que o modelo de organização de sociedade do capitalismo está em crise. “Nunca antes na história teve tanta desigualdade”, assinala.

Para além disso, segundo ele, existe uma crise ambiental, que todos os dias a natureza reage, com temporais e alteração do clima. “Tudo isso é consequência de uma agressão que as empresas capitalistas fazem dos recursos naturais”, pontua.

Outro ponto destacado por Stédile está relacionado à leva de privatizações no país, o que facilita a venda de terras brasileiras. Também há um esforço de cortar os serviços públicos, viabilizando a terceirização, e consequentemente dando mais lucro ao capital. Como resultado disso, atualmente no Brasil há 20 milhões de pessoas na linha da miséria. “O capitalismo não é mais progresso”, declara Stédile.

Já na parte da tarde foi realizada a análise de conjuntura estadual por Milton Viário, secretário da Federação dos Metalúrgicos. Ele destacou o momento difícil em que vive o Rio Grande do Sul, sobretudo de retirada de direitos. “A crise que o estado se encontra é real, as crise das finanças públicas é concreta, porém foi uma escolha de alguns governos”, completa.

Lutar pelos territórios dos povos


Juliana Soares, moradora no Kilombo Coxilha Negra, de São Lourenço do Sul, na região Sul do estado, fala sobre a sua história no seu território enquanto negra. “Desde muito cedo tive que estar lutando para viver”, relata.

Segundo a recém-formada em licenciatura em Educação no Campo, as suas comunidades estão diminuindo e não recebem um tratamento igualitário. Portanto, os sujeitos negros passaram a se inserir nos espaços para conquistarem seus direitos. “Devemos nos olhar mais enquanto sujeito negro, enquanto sujeito indígena na sociedade. Está na hora de começar a pautar isso, para que o sujeito seja visto”, reforça a quilombola.

Juliana ainda relata as dificuldades enfrentadas no cotidiano por ser negra. O tratamento preconceituoso está em todas as esferas, o que faz com que a negra e o negro estejam constantemente em luta pela sua sobrevivência e seus direitos. “Não basta não ser racista, tem que ser antirracista”, aponta. Militante do Movimento e do Feminismo Negro, Juliana, convida todas as mulheres e homens a resistirem.

Já Irma Keme Sales, Kaingang da aldeia Fagd, na Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre, conta em seu relato como os indígenas precisam lidar com o preconceito e menciona o valor que o seu povo dá aos seus territórios.

“A gente tem que pedir pra vocês (brancos) um pedaço de terra, porque ter isso é rico pra nós. Ter esse pedaço de terra, para os nossos filhos conhecerem o que nós tivemos quando crianças”, declara.

A indígena relembra os aprendizados passados por seu pai. Ela, quando criança, aprendeu a plantar e seus alimentos não eram industrializados. No entanto, seus filhos não tiveram a mesma oportunidade, pois não possuem terras para produzirem. “Eu sei o que é comer saudável. A gente quer a terra pra gente plantar, porque ela é graciosa”, enfatiza Irma.

“Tenho a dificuldade de comer os alimentos de branco. Nós, como índio, comíamos as coisas sem sal, e hoje quando comemos as coisas com sal ficamos doente, e isso prejudica o nosso corpo, ele não resiste a isso”, afirma a indígena.

Irma fala ainda que, em sua aldeia, seu povo conseguiu recuperar algumas comidas típicas dos Kaingang. “Nós conseguimos as coisas porque provamos para as pessoas que aquilo era bom. Hoje nós temos escola, posto de saúde, assistência médica. Foi com luta que nós conseguimos”, assegura.

“Abri a boca pra falar pela minha etnia, por meus índios, e eu vou começar a falar de novo, por eles”, finaliza.

Mineração contra a soberania dos territórios


Márcio Zonta, coordenador do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), fez um recorte sobre os territórios dos assentados gaúchos que estão na mira da mineração. “70% dos assentamentos estão mapeadas por esses projetos”, comenta.

Debate sobre os impactos do avanço da mineração no RS. Foto: Gabriel Bicho.

Zonta faz um alerta sobre a importância dos Sem Terra se inserirem na luta contra a mineração no estado. Também enfatiza as facilidades que o RS proporciona para esses empreendimentos. “A logística está pronta, o projeto é muito barato pra eles”, diz ele, referindo-se aos países Canadá, Austrália e China, principais interessados no subsolo gaúcho.

Outro ponto abordado pelo coordenador do MAM é para quem será direcionado o que seria retirado dos territórios. “Esses minérios que são extraídos serão revertidos para produtos adquiridos pela burguesia. Nesse momento, nós teremos que ter um nível de unidade entre as comunidades do campo, assentados e indígenas”, conclui.

Adão Pretto – 18 de dezembro, nasce um legado


Para finalizar o primeiro dia de 19º Encontro Estadual, foi realizada uma homenagem ao ex-deputado Adão Pretto que, dia de ontem, 18 de dezembro, completaria 74 anos. Um dos fundadores do MST e defensor da Reforma Agrária, Pretto sempre honrou os trabalhadores do campo.


Homenagem ao ex-deputado Adão Pretto. Foto: Gabriel Bicho

Filho de camponês, cresceu trabalhando na lavoura de seu pai, enfrentou as dificuldades do mau tempo e de estiagem. Nascido em Coronel Bicaco, na região Noroeste do RS, Adão logo entendeu a necessidade da organização e do trabalho coletivo. Inseriu-se na luta sindical já em 1979 e a partir daí suas causas evoluíram. Sempre em defesa dos pequenos agricultores, constantemente na luta por terra para que os colonos e seus filhos não fossem expulsos de seus territórios.

Suas falas sempre foram marcantes sobre o seu sentimento de injustiça para com os camponeses. “Tem muita gente sem terra e muita terra sem gente. Isso não é justo. Se os governos não nos dão o direito a continuar na roça, nós vamos ocupar as terras improdutivas por precisamos de um movimento que organize os Sem Terra”, dizia.

Após a criação do MST, Adão passou a se envolver e a militar com o Partido dos Trabalhadores (PT). Representação é o que camponeses e lideranças de movimentos sociais viram em Adão Pretto: ele seria a pessoa que trocaria a enxada pela caneta para ajudar seu povo.

No ano de 1987, Pretto iniciava sua jornada marcante na política gaúcha. Ele foi o primeiro colono eleito deputado estadual no Rio Grande do Sul.

O ex-deputado Adão seguiu seu legado por mais cinco mandatos federais, todos construídos como ferramenta de luta coletiva, efetivamente com identidade de classe, humildade e coerência. Faleceu em 5 de fevereiro de 2009, em Porto Alegre, em decorrência de uma pancreatite.

*Editado por Fernanda Alcântara