Dorothy Stang: Mártir na luta popular na Amazônia

Aos 73 anos, Dorothy Stang somou-se a triste lista dos que foram acusados pelo latifúndio e assassinados por pistoleiros em consórcios formados para eliminar aqueles que representam obstáculos aos interesses privados de mercantilizar os bens da natureza

Por Ayala Ferreira*
Da Página do MST

Vivemos um contexto em que a Amazônia volta a ser o centro do debate e das disputas de modelos de desenvolvimento em nosso país. O dia do fogo na Amazônia realizado em agosto de 2019 foi a materialidade da natureza dessa disputa e o quanto a aliança entre o governo Bolsonaro e grupos locais como madeireiros, garimpeiros, grileiros e grandes empresas transnacionais do agro-minero e hidronegócios podem ser danosos para a biodiversidade e os sujeitos da Amazônia.


Para o avanço desse projeto temos visto a combinação e adoção de vários
mecanismos. No marco político institucional o esforço tem sido empregado para reformular a legislação ambiental e reduzir a faixa de fronteira do que compreendemos como “Amazônia Legal”, sustentado por uma narrativa ideológica que diz que proteger florestas e territórios indígenas e quilombolas representa não ter projeto claro de desenvolvimento para o país.


Esse mecanismo tem legitimado uma pressão sobre os territórios tradicionais para a expansão do plantio da soja e instalação de garimpos; te legitimado a propriedade privada da terra por um programa de regularização fundiária que coloca no mesmo patamar pequenas propriedades de uso individual e coletivo e grandes propriedades griladas que desmataram e praticaram trabalho escravo, dando o que chamaríamos de um salvo-conduto para quem praticou tais crimes.


Outro marco dessa disputa tem sido a legitimação da cultura da violência pela legalização do porte e uso das armas para a defesa dos interesses privados. A propriedade privada da terra se tornou maior que a vida das pessoas, como que para afirmar o que já dizia o poeta: “a vida vale tão pouco do lado de dentro da cerca”. Não é de hoje, como a comissão pastoral da terra tem apresentado: nos últimos 34 anos 1968 pessoas foram assassinadas por conflitos no campo, por defenderem a democratização
do acesso a terra, a reforma agrária, os territórios e povos tradicionais e a
biodiversidade. Esses assassinatos e violações dos direitos humanos e ambientais ocorreram majoritariamente na região Amazônia.

Nesta semana, 12 de fevereiro completa 15 anos do assassinato da missionaria estadunidense Dorothy Stang. Religiosa da congregação Notre Dame de Namur assumiu com radicalidade o princípio do evangelho em levar a mensagem da boa nova e o amor aos mais pobres e, no final dos anos de 1970 começou a exercer sua missão na pequena cidade de Anapú região sudeste do estado do Pará, se colocando ao lado dos camponeses e dos povos tradicionais na luta pelo reconhecimento de suas terras, territórios e de práticas sustentáveis que equilibra a agricultura com o extrativismo florestal no que denominamos de projetos de desenvolvimento sustentável (PDS).


Nos PDS conquistados, Dorothy seguia com a missão de organizar os camponeses na luta por outros direitos como educação, saúde, moradia, estradas e créditos e assim conquistar vida digna no campo.

A partir dos anos 2000 Anapú se transformou numa nova fronteira de expansão do agronegócio, estabelecendo um cenário marcado por disputas e grilagem de terras, pelo desmatamento nas áreas de desenvolvimento sustentável e por ameaças e violações dos direitos de camponeses e povos tradicionais. A violência e perseguição contra camponeses, lideranças políticas, religiosas e comunitárias ampliou vertiginosamente e desde então, dezenas de pessoas foram assassinadas.


Aos 73 anos, Dorothy Stang somou-se a triste lista dos que foram
acusados pelo latifúndio e assassinados por pistoleiros em consórcios formados para eliminar aqueles que representam obstáculos aos interesses privados de mercantilizar os bens da natureza. E a impunidade tão presente nos conflitos agrários aprofunda essa realidade que assassina e destrói perspectivas de vida plena e digna no campo.


Quando não parece haver saída ou sinais de como enfrentar essa situação
ressurge a igreja de Dorothy Stang, com o Sínodo para a Amazônia, vêm como uma poderosa manifestação, uma crítica anticapitalista sobre o uso da biodiversidade e das formas de vida e organização social na Amazônia, é força propulsora é o sonho mais amplo da missionária Dorothy Stang, dos assentamentos agroextrativistas o que agora se torna uma reivindicação ampla e avivada mundo afora, como pregou papa Francisco uma “ecologia integral” como prática de viver, imaginar e defender a Amazônia.

*Ayala Ferreira é integrante do setor de direitos humanos do MST