Inez Pinheiro: “Eu não nasci negra, eu aprendi a ser negra”

O histórico de vida levou a menina da baixada maranhense a enfrentar o capital mundial nas comunidades de Alcântara
Foto: Danielle Melo

Por Mariana Castro,
Da Página do MST

Sobre pedras nascem flores forjadas na luta. Na pequena comunidade maranhense de Itamatatiua nasceu Maria Inez Pinheiro, em 11 de janeiro de 1971. Desde menina, Inez enfrenta a negação de direitos, onde nem vacina existia. Para que pudesse estudar, os pais venderam tudo o que tinham e se mudaram para a capital São Luís, mas mal sabiam que as dificuldades só seriam outras. 

Chegando em São Luís, seu pai usou tudo o que tinha e comprou uma casa no bairro Coroadinho, sem saber que era um bairro de ocupação. No dia seguinte, levaram toda a madeira que seria usada para concluir a construção da casa e ficou apenas o terreno vazio. Graças à solidariedade dos vizinhos, foi possível erguer o teto da família. 

À beira do “Rio das Bicas”, o bairro do Coroadinho surge na década de 1970, a partir de ocupação espontânea. Hoje o bairro é considerado a segunda maior ocupação desordenada da América Latina, segundo dados do IBGE (2010) e amarga altos índices de violência, desemprego, falta de escolas e hospitais. É dentro dessa realidade e com a necessidade de ter voz e garantir os direitos da família que Inez se insere muito cedo nos movimentos sociais. 

Foto: Danielle Melo

Para chegar ao Movimento Sem Terra foram ainda muitas outras pedras pelo caminho, como enfrentar o medo de ser negra dentro do próprio seio familiar. “Minha mãe dizia que a gente tinha que se parecer com as brancas para poder sobreviver”, conta ela em meio às duras lembranças de tentativas de alisar os cabelos – de qualquer jeito que pudesse. “Essa lembrança da minha infância é muito forte, lembro que minha mãe usou tudo o que podia para alisar meu cabelo, até produtos com soda cáustica que machucavam o couro cabeludo”. 

“Eu não nasci negra, eu aprendi a ser negra”. Inez conta que só se tornou negra aos 15 anos de idade, quando deixou de tentar ser branca aos olhos da sociedade. Diziam que “o mundo não daria chance para uma negrinha de cabelo pixaim”, mas hoje ela é quem dá chances ao mundo, em meio aos diversos movimentos e sindicatos em que atua ou já atuou.  

Pelo seu histórico de vida, Inez perpassa então por muitos movimentos na busca por direitos. “Fui do Sindicato dos Bancários, mas não tinha a liberdade de fazer aquilo que eu queria. Foi quando me indicaram que o MST precisava de uma secretária. É nesse momento que me encontro, de fato, como militante do MST e lutadora pela reforma agrária”, relembra a militante. Ela começa a integrar o Movimento aos 20 anos de idade. 

Por conta da sua origem, Inez passa a integrar e coordenar a brigada do Congresso do Povo em atuação nas comunidades de Alcântara. A ideia inicial do Congresso é conversar com os povos da cidade sobre sua realidade, mas no Maranhão a decisão foi conversar com as comunidades de Alcântara, no sentido de conscientização da necessidade de lutar pela garantia de seus direitos, junto ao Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (MABE). Há pelo menos 20 anos o MST constrói ao lado do MABE no processo de resistência das cerca de 800 famílias que podem ser atingidas pelo acordo entre Brasil e Estados Unidos. 

É de mulheres como Inez que é feito o I Encontro Nacional das Mulheres Sem-Terra. Mulheres que enfrentam as pedras desde pequenas, mas floreiam os caminhos por onde passam. 

*Edição: Ednubia Ghisi
** Este é o primeiro perfil do especial “Matriarcas do MST”