Crianças Sem Terrinhas ameaçadas de despejo enviam carta ao governador do Paraná

O documento foi entregue pelos estudantes da Escola Municipal do Campo Zumbi dos Palmares, do assentamento Valmir Mota, onde estuda a maior parte das crianças que se encontram sob o risco de um despejo
“Por favor, senhor Governador não deixe nos despejar, por que a terra é nossa vida e nosso sonho é ser Assentado, não permita que ele acabe”, pedem as crianças na carta (Foto: Eliana Oliveira)

Por Setor de Comunicação e Cultura do MST no Paraná

Crianças ameaçadas de despejo em Cascavel, região oeste do Paraná, enviaram uma carta ao governador do Estado, Ratinho Junior (Partido Social Democrático – PSD) e a autoridades públicas, nesta quarta-feira (11).

O documento foi entregue durante uma visita de representantes da Superintendência Geral de Diálogo e Interação Social (Sudis) à Escola Municipal do Campo Zumbi dos Palmares, localizada no assentamento Valmir Mota, onde estuda a maior parte das crianças que se encontram sob o risco de um despejo.

“Tenho medo do despejo porque é muito ruim, todo mundo vai ficar triste e sem rumo. Nossa família vai enfrentar muitas lutas. Minha mãe vai sofrer, porque não tem emprego e nem a terra para plantar comida e nem a nossa casa bonita. Tem gente que não precisa da terra para sobreviver, para nós a terra é tudo, se tirar nossa família daqui onde vamos morar?”, diz um trecho da carta, lida por uma das crianças durante a visita dos integrantes do governo estadual.  

Os acampamentos ameaçados de sofrerem despejo e serem obrigados a deixar suas casas, a escola, plantações e os animais são: Resistência Camponesa, Dorcelina Folador e 1º de Agosto, ambos com cerca de 20 anos de existência, em áreas do complexo de fazendas Cajati. Entre as mais de 800 pessoas sob risco de despejo, cerca de 250 crianças nasceram nessas comunidades.

A ida da Sudis à Escola fez parte de uma visita do órgão às três áreas ameaçadas, para conhecer a realidade das famílias que vivem nos acampamentos. Os representantes se comprometeram a entregar a carta nas mãos do governador.

Escola Municipal do Campo Zumbi dos Palmares, localizada no assentamento Valmir Mota, em Cascavel (Foto: Eliana Oliveira)

Em vigília contra os despejos


Para denunciar as ameaças de reintegração de posse na região, as famílias das três comunidades iniciaram uma mobilização permanente no dia 28 de dezembro do ano passado. Batizada de Vigília da Resistência Camponesa: por Terra, Vida e Dignidade, a ação ocorre todos os dias entre às 10h e 15h, às margens da BR 277, em Cascavel. A decisão das comunidades é seguir a mobilização até que as áreas sejam transformadas em assentamentos.

Além de cobrar a permanência dos acampamentos em Cascavel, a Vigília reivindica o direito à terra e à moradia para as mais de 7 mil famílias Sem Terra acampadas, em cerca de 80 ocupações rurais no estado.

Em 2019, o Governo do Paraná autorizou a reintegração de posse em nove acampamentos do estado. O resultado foram mais de 500 famílias expulsas de seus lares e de locais de produção rurais.

Confira aqui a carta na íntegra:

Carta das crianças ameaçadas de despejo em Cascavel


Cascavel, 11 de março de 2020.

Escrevo esta carta para o senhor e a senhora que podem nos ajudar, os Desembargadores, Ministério Público do Paraná, Defensoria Pública, juizes, religiosos e outros, para que o senhor Governador Ratinho Junior não mande despejar nossos acampamentos.  

Nós sempre vivemos aqui, desde nosso nascimento. Temos muita comida plantada, preservamos e cuidamos da natureza, temos nossa escola, que estudamos desde o Pré e queremos continuar estudando nela até o fim. Se tiver despejo a escola vai acabar e isso é uma tragédia, os professores vão ficar sem emprego.

Não quero perder meus amigos nem ficar sem nosso campinho de terra e grama, que a gente joga bola e se diverte.

Temos muitas famílias da nossa região que já foram despejadas em Lindoeste, aqui em Cascavel no 7 de Setembro e no Pré Assentamento São João e foram realojadas nos acampamentos 1° de Agosto e Resistência Camponesa. Se forem novamente despejadas não têm para onde ir, vão ir para a rua.

Tenho medo do despejo, porque vamos perder tudo, só vai ficar a tristeza, e a saudade dos meus brinquedos, do balanço na árvore, da casinha, dos animais e, principalmente, a saudade dos meus amiguinhos, que nunca mais eu vou ver. Vai acabar nossa alegria, o despejo traz tristeza e machucado, a polícia é violenta e vão expulsar as pessoas de suas casas e o trator vai passar por cima das plantações.Vai acabar com tudo.

Toda a noite eu rezo com a minha mãe e faço um pedido a Deus que aqui vire um Assentamento. Eu já conversei com meu anjo para que cuide de mim, da minha família e de meus amiguinhos.

Não quero sair daqui, porque aqui é muito legal, é como meus sonhos, eu adoro viver aqui, aprendendo e plantando na agroecologia e preservando a vida e cuidando do planeta. Não pode usar veneno porque ele mata. 

Tenho medo do despejo porque é muito ruim, todo mundo vai fica triste e sem rumo, nossa família vai enfrentar muitas lutas, minha mãe vai sofrer, porque não tem emprego e nem a terra para plantar comida e nem a nossa casa bonita. Tem gente que não precisa da terra para sobreviver, para nós a terra é tudo, se tirar nossa família daqui, aonde vamos morar?

Por favor, senhor Governador não deixe nos despejar, por que a Terra é nossa vida e nosso sonho é ser Assentado, não permita que ele acabe. Queremos crescer e viver no campo cultivando a terra porque a gente cultiva ela e ela cultivava a gente.

Autores: Sem Terrinha dos Acampamentos 1° de agosto e Resistência Camponesa.

Brincar, estudar, construir Reforma Agrária Popular!

*Edição: Solange Engelmann