“Se tem machismo e LGBTfobia não há reforma agrária”

Mulheres trans na luta pela terra e na construção da Reforma Agrária Popular
Mulheres Trans Sem Terra. Foto: Manuela Martinoya

Por Julia Barbosa e Rafaela Ferreira
Da Página do MST

Oriundas de diversos estados e regiões do país, as mulheres trans Sem Terra falam sobre a participação na luta pela terra e na construção da Reforma Agrária Popular nestes 36 anos do MST.

Dê Silva, Jhenyfer Silva, Paula Robert e Jeniffer Rocha estiveram no I Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra, ocorrido em Brasília no início deste mês de março e relataram suas histórias de vida e de luta em uma sociedade racista, machista e patriarcal.

Dê Silva. Foto: Danielle Melo

Nós estamos na mesma luta. Se tem machismo e LGBTfobia não há reforma agrária”

Mulher trans Sem Terra, Dê Silva, lá pelos anos 2000, já era uma Sem Terrinha ocupando os latifúndios do Mato Grosso. Hoje, pedagoga e pesquisadora de gênero e educação das mulheres Sem Terra, contribui para construção, como ela mesma diz, desse sujeito coletivo chamado MST.

Para ela, se afirmar mulher trans dentro do movimento, parte dos processos históricos de luta para o reconhecimento dos sujeitos em suas diferenças. Com o debate da Reforma Agrária Popular, entende-se que ela não é possível sem aquelas e aqueles que constroem essa luta nas bases. “Nós estamos na mesma luta. Se tem machismo e LGBTfobia não há reforma agrária”, explica.

Dê, que contribui com o coletivo LGBT Sem Terra, desde sua construção, afirma que é caminhando que se enfrenta às adversidades. Diz que, com a atual conjuntura, ela fica mais receosa, mas nunca com medo. Acredita que ela e outras mulheres trans e travestis ocupando seus espaços no I Encontro Nacional das Mulheres Sem terra é a representação desta resistência.

Por fim, Dê Silva reforça a importância de que o debate sobre gênero e sexualidade reivindique, cada vez mais, seu espaço dentro do MST. “Para que a gente fortaleça essa teia que nos une e que se construa, enfim, o terceiro objetivo do movimento: a transformação social”, finaliza.

Jhenyfer Silva. Foto: Anna Julia Romano

“Precisamos nos unir para seguir em frente, para construir esse mundo colorido como a gente sonha”

“Ser trans Sem Terra é não ter medo de nada”. É assim, simplesmente, que Jhenyfer Silva resume sua vivência como uma mulher trans no movimento. Afirmando ser recém-chegada ao MST, já explica como isto mudou sua vida, em sua forma de pensar e agir. Ela conta, ainda, que o apoio das companheiras de luta a ajudou a, finalmente, se sentir e se entender mulher.

Para ela, em meio à tanto machismo e LGBTfobia, esse é o momento para que todas as mulheres se coloquem unidas para as lutas diárias e as que virão. Por isso, compreende que estar representando tantas outras mulheres trans, neste I Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra, é uma forma de fortalecer as lutas contra essa era neofascista – como descreve a atual conjuntura do país.

Jhenyfer afirma, por fim, que, como mulher trans Sem Terra, deseja um mundo que seja digno para todas e todos. “Precisamos nos unir para seguir em frente, para construir esse mundo colorido como a gente sonha”, finaliza.

Paula Robert. Foto: Divulgação MST

Quero fazer direito, medicina e também ser veterinária. Tudo pelo movimento”

Paula namorava a câmera durante o ensaio. Posar para as fotos parecia natural para ela. No I Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra, Paula Robert dividiu sua história. No movimento desde os sete anos, quando seu pai foi assentado, ela conta como as lutas se uniram quando se afirmou LGBT, há 11 anos atrás. Atualmente, Paula mora em um acampamento de base em Taquari, um município do Rio Grande do Sul.

Fazendo um curso técnico em administração na cooperativa da região, ela brinca que não quer parar aí. “Quero fazer direito, medicina e também ser veterinária. Tudo pelo movimento” terminou séria. Ela diz que esse desejo nasce do querer que a militância dos sem terras não dependa de nada do de fora. “Quero que assinem um papel e saibam o que estão fazendo”.

Paula Robert termina afirmando que é a única pessoa LGBT na base, mas entre uma risada, solta um “assumida!”. Ter o espaço, mas sentir que tem pouca voz é algo que incomoda ela dentro do Movimento. O não entendimento do sujeito LGBT é o que gera olhares opressores e brincadeiras machistas.

Jeniffer Rocha. Foto: Divulgação MST

“Temos que mostrar à sociedade que não somos invisíveis. Somos humanas, igual a todo mundo”

“Sou resistência ativa”. Logo de início, Jeniffer Rocha conta que é assim que se sente sendo uma mulher trans dentro do MST. Jeniffer faz parte do Coletivo LGBT Sem Terra e em um ano de luta no Movimento, a integrante do coletivo conta que o MST é um espaço em que ela pode conversar e se expressar, é onde muitos a respeitam.

O Movimento também foi parte de sua descoberta. “Antes do movimento eu não sabia realmente se eu era uma mulher trans ou não”. Jeniffer foi frequentando debates e formações promovidas pelo Movimento e cada vez que participava se entendia mais um pouco. Foi nesse período de luta que conseguiu mudar seu nome de registro.

O I Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra promoveu uma oportunidade para Jeniffer Rocha mostrar para a sociedade que ela não é invisível. E esse desejo também é para o coletivo. “Estou na luta mostrando que não sou só eu que posso conquistar os espaços, mas também as outras trans e os outros LGBT. Temos que mostrar à sociedade que não somos invisíveis. Somos humanas, igual a todo mundo”.

*Editado por Wesley Lima