“Ou nos salvamos todos ou ninguém se salva sozinho”, afirma dirigente do MST
Da Página do MST
Diante da pandemia do novo Coronavírus, com o aumento acelerado de casos confirmados e de mortes no Brasil e no mundo vítima do vírus, o dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, em entrevista ao jornalista Leonardo Attuch, do portal Brasil 247, aponta a necessidade da sociedade se unificar para enfrentar o que chama de “guerra total”, no combate a um vírus invisível.
Stédile reforça o coro de vários países, entidades sanitárias e profissionais de saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a necessidade de criar condições no Brasil, como políticas governamentais que defendam a vida das pessoas em primeiro lugar, em detrimento da economia.
“Não é possível salvar as empresas se antes não salvar vidas. É preciso uma coalisão de força, o povo, as autoridades, as forças vivas da sociedade, se unificarem e terem unidade e disciplina para buscarem os mesmos objetivos”, argumenta.
Para ele, a Agroecologia, a partir dos assentamentos e da agricultura camponesa e familiar é uma alternativa viável para garantir a Soberania Alimentar e o abastecimento do país nesse momento de crise.
Confira a entrevista:
Leonardo Attuch: Como você vê essa pandemia do Coronavírus?
João Pedro Stédile: Como responsáveis políticos, procuramos nos informar, também da experiência que está sendo o combate contra essa pandemia que vem desde novembro na China. Todos nos dizem, que estamos diante da maior pandemia de saúde pública de todos os tempos – maior, inclusive do que a febre espanhola, que atacou inclusive o nosso país no final do século 19.
Estamos diante de uma tragédia anunciada que vai exigir de toda população, do governo, das entidades, das igrejas, de todos que tem um trabalho social, uma grande união nacional. Por isso, estamos usando a expressão “guerra total”, contra um vírus invisível. Só é possível vencer se toda a sociedade se envolver. É preciso uma coalisão de força, povo, as autoridades, as forças vivas da sociedade, se unificarem e terem unidade e disciplina para buscarem os mesmos objetivos. É essa unidade e disciplina que os médicos nos pedem, fiquem em casa, se isolem, a forma de derrotar o vírus é não deixar que ele se espalhe para outras pessoas.
Gostaria que você comentasse sobre essa dicotomia entre economia e saúde, se isso existe e sobre a maneira que o governo federal brasileiro está atuando no combate a isso?
Sobre as medidas gerais políticas que todos os países estão orientando, na China, Espanha, Itália e no Brasil é de que, essa unidade do nosso povo tem que ser construída com base em alguns objetivos paradigmáticos. Primeiro deles: é a defesa da vida, a vida das pessoas está acima de qualquer coisa. Todos os bens materiais você pode, com a inteligência e o trabalho humano refazer se perder, agora a vida humana não tem volta. Seja qual for o custo necessário, ficar em casa? A economia parar 40 dias, não importa, o que importa é salvar vidas.
Segundo lugar, temos que garantir que para salvar as vidas, as pessoas de toda sociedade tenham as condições materiais necessárias para sobreviver – a comida, a energia. E pra isso as pessoas têm que ter renda. O governo e o Estado para cumprir esse segundo objetivo têm que sinalizar claramente para que o trabalhador não se preocupe no final do mês.
A terceira, temos que fazer uma grande coalisão nacional e rediscutir os rumos da economia. Concordo com alguns economistas keynesianos que têm alertado para os efeitos do Coronavírus sobre a economia mundial, que serão os mesmos da Segunda Guerra Mundial ou piores, porque vão mudar os parâmetros de referências para governos e para empresa.
O Governo Federal propôs deixar as pessoas quatro meses sem salário e depois voltou atrás. Você vê o Governo Bolsonaro como um stress a mais para essa crise?
Eu acho que ele cometeu um suicídio político porque ele foi irresponsável, insistentemente. Ele cometeu o suicídio político, porque ele deu um atestado para nação que não tem condições, nem políticas, nem de saúde mental, de dirigir o país numa situação de “guerra total”, em que precisamos de unidade. Precisamos da unidade de todos os brasileiros, porque em primeiro lugar está a vida. Depois vamos cuidar dos assuntos da economia e do governo. Mas, o governo se suicidou. E na minha opinião acabou!
Nós, povo brasileiro ainda fomos salvos, porque houve uma força maior que o capitão que conseguiu se articular nessa última semana e os governadores estaduais tomaram a iniciativa. Como movimentos populares, estamos preparando uma plataforma com uma série de sugestões, que estamos construindo coletivamente e uma das medidas organizativas que estamos propondo é criar uma grande coordenação nacional para enfrentar essa “guerra”, aonde estaria os ministros do governo, sobretudo, da saúde, do exército, os governos estaduais, alguns prefeitos. Mas, temos que envolver também as igrejas, porque elas chegam no povo, e os movimentos populares, e criar uma grande coalisão nacional que permita ter unidade e disciplina suficiente para tomar essas medidas necessárias. Não é possível salvar as empresas se antes não salvar vidas.
Qual será o papel da agroecologia e dos assentamentos e da agricultura familiar nesse momento. De alimentar a população brasileira?
Finalmente todo discurso que o MST vem adotando nos últimos dez anos, em defender a Soberania Alimentar e utilizar a Agroecologia para produzir alimentos saudáveis agora se revelam uma necessidade de sobrevivência das sociedades.
O que diz a Soberania Alimentar? Que os governos devem usar o Estado para aplicar políticas públicas que estimulem cada território em produzir os alimentos que àquele povo precisa. Na época do PAA [Programa de Aquisição de Alimentos], do Governo Lula e Dilma, era um programa fantástico, de compra antecipada de alimentos. O governo comprava os alimentos produzidos pelos agricultores, que eram entreguem em hospitais, escolas. Isso é uma política de Soberania Alimentar.
No período do PAA, chegamos a entregar para a Conab [Companhia Nacional de Abastecimento], a operadora da logística, 367 tipos diferentes de alimentos, que fazem parte da culinária brasileira. Estamos apresentando essas propostas para os governadores do Nordeste, para que eles vão aplicando isso. Podemos mobilizar os 4 milhões de agricultores familiares assentados que existem no Brasil e o assentado começar a produzir todos os alimentos que a sua terra e seu espaço der. E aqueles que não têm terra, o governo vai ter que fazer um programa emergencial de distribuir terra. Utilizar, inclusive a Lei de utilidade pública. Como estamos numa calamidade com falta de comida, é hora de utilizar um instrumento que está na Constituição, que é desapropriar por interesse público.
Você acha que agora a sociedade acorda para a necessidade de uma Reforma Agrária, de valorização à agricultura familiar e não apenas do agronegócio? Agora pode sair uma Reforma Agrária voltada para o abastecimento e para garantia de um preço estável pro Brasil?
Eu acho que vai dar elementos para a sociedade se organizar. Agora a implementação dessas medidas vai depender do tipo de governo que nós conseguirmos construir, porque depende de políticas de Estado. De imediato, a associação de supermercados tem dito que: há estoque nos depósitos para atender a população brasileira por mais de um mês. E num mês, nós temos uma série de produtos alimentícios que vamos conseguir produzir. Alface, as verduras, seja, por exemplo, ovos de galinha caipira. É fácil e rápido repor as condições alimentícias.
Porém, há medidas mais de médio prazo e que exigem políticas de Estado, como no referido PAA. Se o governo botar dinheiro no PAA para os governadores administrar, nós rapidamente vamos motivar os agricultores a começar a abastecer as áreas sociais, como hospitais, quarteis, escolas. Assim, como teríamos que proibir a exportação de bens alimentícios que o nosso povo precisa. Por exemplo, de frango, de carne de boi.
E do ponto de vista macroeconômico, só há uma saída para essa crise econômica, anunciada desde 2008, se estatizarmos o sistema financeiro. Não é possível mais que as energias da sociedade, a produção, a poupança nacional acabe num banco. Nós numa crise tremenda, 13 milhões de desempregados, 40 milhões de desempregados e os bancos com lucros de 20 bilhões, 15 bilhões. Isso tem que acabar, esse dinheiro não é dos bancos, esse dinheiro é a poupança nacional. Por trás desse dinheiro tem dias de trabalho explorado da classe trabalhadora.
No mundo, já se pode decretar o fim do neoliberalismo? Será que vamos ter um novo modelo econômico, mais ancorado na solidariedade e não no egoísmo?
Eu só otimista. Eu acho que vai nessa direção, de várias vertentes ideológicas. Na China, eles estão repensando, mesmo na Rússia, os Brics. A Europa vai sair dessa com outras ideias, porque eles sabem que sem o Estado ia morrer milhões de pessoas.
O que significa isso? Que a correlação de forças entre países e entre classes sociais, se alterou e, portanto, passada a pandemia, essas forças vão repactuar uma nova forma de vida no planeta. E essa repactuação, já começa por enterrar essas ideias neoliberais do mercado. O mercado não serve pra nada, o mercado não organiza a vida das pessoas, o mercado só explora. Então, o mercado vai ser derrotado.
Segundo tema: a natureza. Esses bens da natureza, na nova etapa devem estar condicionados, a sua exploração a que sirvam para o bem comum. Para que todos os brasileiros sejam beneficiados.
Terceiro elemento, que é mais ideológico: esses “loucos” da ultradireita achavam que com a manipulação pela internet iam manipular a população. Felizmente, a inteligência humana está se dando conta. Portanto, o nosso papel como ativistas sociais é levar as pessoas a pensarem. Há energias positivas na sociedade para superar e construir uma sociedade mais justa e igualitária.
Confira abaixo com a entrevista completa:
*Editado por Gustavo Marinho