Guerra ao imperialismo e ao coronavírus na América Latina

Durante a pandemia, a China vem assumindo um papel muito mais destacado, tanto no âmbito econômico e comercial quanto no aspecto político e ideológico

Por Paola Estrada*

Há alguns meses nenhum de nós imaginava que surgiria um novo tipo de coronavírus que geraria uma pandemia e uma crise internacional de enormes proporções, que nos impactaria tão fortemente. Enquanto a epidemia somente acontecia na China, no início deste ano, a maioria de nós duvidava que chegaríamos a esse ponto, mas a realidade foi simplesmente implacável.

No América Latina somente começamos a nos dar conta da gravidade da situação nas últimas três semanas, quando a ampla maioria dos países da região começou a adotar o isolamento social como uma das principais formas de prevenção no avanço da doença.

Desde então, muitas forças populares têm feito grandes esforços de sistematizar o que está em jogo internacionalmente e nos seus países. Têm sido elaborados programas populares para cobrar ações dos governos e debatidas ações práticas de solidariedade entre os povos, sempre com a premissa básica de que as vidas humanas são mais importantes que o capital.

A produção de conteúdo tem sido enorme e o nosso desafio maior tem sido selecionar o que ler, assistir e participar através das telas dos nossos celulares, computadores e televisores. Neste sentido, pretendo contribuir na sistematização do que está jogo nessa pandemia, sob uma perspectiva dos interesses dos povos latino-americanos que combatem o imperialismo estadunidense.

Primeiramente, quero trazer à tona como a pandemia do covid-19 está impactando a ordem internacional que, vale lembrar, já vinha se alterando após a crise econômica de 2008, passando cada vez mais de uma ordem unipolar – com hegemonia econômica, política e militar dos EUA – para uma ordem multipolar, onde principalmente a China e a Rússia, se destacam como novas potências no sistema internacional.

Está ficando cada vez mais evidente que, durante a pandemia, a China vem assumindo um papel muito mais destacado do que tinha antes, tanto no âmbito econômico e comercial quanto no aspecto político e ideológico. Ainda é difícil projetar cenários do desfecho desse processo, no entanto, é inegável que o governo chinês tem sido aplaudido pelo mundo todo pela sua capacidade, eficácia e velocidade em enfrentar o avanço da epidemia na China – garantindo as medidas de isolamento social, construindo hospitais, fabricando testes e insumos hospitalares, qualificando profissionais e investindo em ciência e tecnologia.

Ademais, chama a atenção o fato do governo chinês, em especial suas representações diplomáticas, estarem demonstrando uma postura muita mais ativa e firme, se contrapondo às diversas manifestações racistas e oportunistas contra eles por parte de políticos de direita, tal como ocorreu no Brasil.

Por outro lado, os EUA e o governo de Donald Trump, tem tido uma postura vacilante em relação a pandemia, desacreditando inicialmente os impactos da doença sobre o país até chegar ao ponto de hoje se tornar o novo epicentro da doença, em que o governo não tem mais como negar tal situação e as recomendações da OMS.

Nos Estados Unidos não há um sistema universal público e gratuito de saúde, por isso os trabalhadores, os imigrantes e os setores mais pobres já são perversamente afetados por esse sistema. Mas parece que o governo de Trump, ao invés de se dedicar às questões que afligem o povo estadunidense na epidemia, resolveu tirar proveito dessa situação para desgastar ainda mais seu principal inimigo na América Latina: o governo bolivariano de Nicolás Maduro.

Esse é o segundo ponto que quero destacar, como a atual crise impacta a América Latina, e sobretudo os povos e países que, antes da pandemia já eram o alvo principal de ataque do imperialismo estadunidense e dos governos de direita subordinados à Trump.

Nos últimos quinze dias, os EUA e seus aliados promoveram e apoiaram uma série de ações contra a Venezuela. A ofensiva começou com a absurda negação do FMI de conceder um empréstimo à Venezuela de um fundo criado especificamente para combater a pandemia. Em seguida, assistimos o Departamento de Justiça dos EUA cumprirem um papel deplorável (no estilo velho oeste) oferecendo uma recompensa milionária pela entrega de Maduro e outras lideranças de seu governo. Dias depois, o vice-presidente dos EUA apresentou publicamente um suposto “plano de transição democrática” para tirar Maduro do poder. E, mais recentemente, os EUA moveram as tropas militares do Comando Sul para o mar do caribe, muito próximo à fronteira da Colômbia e da Venezuela.

Não entrarei nas especificidades absurdas de cada um destes episódios, pois tratamos deles em vários artigos feitos em conjunto por Vijay Prashad, Ana Maldonado, Zoe Pepper e por mim, que podem ser facilmente encontrados no site do Brasil de Fato. Entretanto, ao lançar um olhar sobre todas elas, é inevitável não se indignar profundamente. Indigna que enquanto o mundo todo se preocupa em como enfrentar uma crise sanitária internacional sem precedentes, enquanto vários países, como a Itália e a Espanha, enterram centenas de mortos diariamente, o governo de Trump se dedique a uma nova campanha de ataques ao governo de Maduro.            

Indigna a crueldade do governo de Trump, de atacar o povo venezuelano em plena pandemia quando este já é sofre com os diversos efeitos das sanções econômicas dos EUA, que impactam há anos, dentre outros setores, o sistema de saúde do país gerando falta de medicamentos, de insumos hospitalares e uma baixa capacidade de manutenção de máquinas hospitalares, que, segundo estudos demonstram, causaram um aumento significativo da mortalidade no país nos últimos três anos.

Ainda sim, o povo venezuelano resiste, demonstrando cotidianamente sua coragem e lealdade à revolução bolivariana, deixando claro que não está disposto a abrir mão da sua soberania e do seu direito à autodeterminação, recusando-se a ficar de joelhos para o imperialismo estadunidense.

Para confrontar o covid-19 na Venezuela, o governo de Nicolas Maduro implementou o isolamento social rapidamente, incrementou a assistência da saúde pública de casa em casa, garantiu a distribuição de máscaras e de alimentos através das cestas dos Comitês Locais de Abastecimento e Produção (CLAP), proibiu demissões e garantiu a renda da população para que as pessoas fiquem em casa.

Ademais, o povo cubano mais uma vez demonstrou sua ternura com o povo venezuelano e com os povos do mundo. Mesmo com os duros efeitos das décadas sanções dos EUA, o governo de Cuba não vacilou em cooperar com o que pode com outros povos, enviando médicos para lutar contra o covid-19 em diversos países, dentre eles a Venezuela. Não posso deixar de mencionar que da mesma forma, o governo chinês tem enviado médicos, e também medicamentos e insumos hospitalares a vários dos países mais afetados, como por exemplo a Itália, o Irã e também Cuba e Venezuela.

Em tempos de pandemia, em que temos de lidar com tantas mudanças, incertezas, tristezas e ataques da direita e do imperialismo, o exemplo do povo venezuelano, do povo cubano e do povo chinês enchem nossos corações de esperança, de que outro mundo é possível. Estes povos repetem a velha lição de que a mobilização, a organização e a luta são as ferramentas capazes de derrotar os inimigos dos povos rumo à novas sociedades de caráter anti-capitalistas, anti-patriarcais e anti-racistas, onde as relações sociais, políticas e econômicas sejam baseadas na solidariedade, na defesa da vida e da humanidade.

As relações entre os povos também precisam estar baseadas nos princípios da integração, da cooperação e da complementariedade, tal como sonharam Che Guevara, Fidel Castro, Hugo Chávez, Berta Cáceres e outras e outros internacionalistas que nos antecederam.

*Paola Estrada faz parte do Capítulo Brasil da ALBA Movimientos e da Secretaria da Assembleia Internacional dos Povos (AIP)
**Editado por Solange Engelmann