“MP da Grilagem atende aos que sempre se aproveitaram do país”
Por Luciana Console
Da Página do MST
Enquanto a população brasileira enfrenta uma grave crise na área da saúde por conta da COVID-19, mais retrocessos avançam no governo Bolsonaro. É o caso da Medida Provisória da Regularização Fundiária (MP910), conhecida como MP da Grilagem, que está prestes a entrar em pauta de votação no Congresso. A aprovação da MP pode acontecer à qualquer momento.
A medida prevê a legalização de terras, em sua maioria na região Amazônica, que estejam em posse de grileiros, conhecidos por desmatar ilegalmente florestas, transformar a região em pasto e forjar documentos de propriedade privada, para futura venda destes territórios públicos. A MP é altamente criticada por organizações da sociedade civil e órgãos do governo, como o Ministério Público, por seu alto potencial de danos sociais, ambientais e econômicos. Dados colhidos entre agosto de 2018 e julho de 2019 pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) indicam que a grilagem é responsável por 35% das áreas desmatadas da Amazônia.
Se aprovada, a vida de trabalhadores do campo, indígenas e quilombolas vai piorar muito. É o que explicou Antônia Ivoneide Silva, da direção nacional do MST em entrevista.
Para pressionar os parlamentares à não permitirem a aprovação da MP910, foi lançada a Campanha #MP910NÃO, com o intuito de estimular o ativismo em casa neste período de pandemia. A ação conta com as organizações Greenpeace, Instituto Sociambiental (ISA), Observatório do Clima, Infraestrutura e Justiça Socioambiental, Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN) e WWF.
Confira a entrevista na íntegra:
- O que é a MP910?
Antônia: É uma medida provisória que faz parte do pacote do governo Bolsonaro para atender aos ruralistas do agronegócio e a bancada do Congresso. A MP910 foi uma solicitação da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que usou do argumento de que a medida atenderia aos pequenos agricultores. Mas na verdade, o que a medida faz é alterar a lei da Amazônia Legal, de 2009, que tratava do processo da regularização de terra. Essa lei já tinha muita crítica na época. Agora, a MP910 é uma proposta de alteração dessa lei para que ela beneficie ainda mais os grandes invasores de terra pública do Brasil, por isso que chamamos de MP da Grilagem. Ela pretende regularizar todos que estão ilegalmente em terras públicas até maio de 2014, regularizando propriedades de até 2.500 hectares de pessoas físicas e jurídicas. Todas as empresas envolvidas com especulação imobiliária seriam beneficiadas.
- E porque a MP da Grilagem não atende aos pequenos agricultores?
Ela poderia atender, só que a MP910 diz que só será regularizada a terra de quem está lá passivamente, ou seja, quem nunca foi contestado, que não tem processo.
O que nós, trabalhadores do campo, entendemos sobre regularização fundiária é: regularização das terras quilombolas, demarcação das terras indígenas e a regularização das terras públicas para fins de Reforma Agrária. Elas teriam que ser colocadas à disposição da Reforma Agrária. No entanto, a Medida Provisória 910 não atende à isso, não da forma como está destacada, que é atender até 2 mil hectares e quem entrou de forma passiva e “mansa” (inclusive o termo é usado na medida).
Dentro do pacote de maldade do Bolsonaro, com a questão ambiental, dos trabalhadores, a MP910 está de maneira muito clara atendendo a demanda daqueles que, historicamente, grilaram terras públicas e estão de forma irregular e agora tem a chance de fato de, pagando muito pouco, terem as terras regularizadas. Ou seja, a medida é um crime, porque ela tira as terras públicas que poderiam atender aos pequenos agricultores e populações tradicionais para ser destinada para atender à demanda do agronegócio e dos grileiros de terra deste país. Além disso, a lei possibilita que a terra seja autodeclaratória, ou seja, que a pessoa que grilou irregularmente possa dizer quanto hectare ela tem e onde está localizada.
Isso é um risco que possibilita a sobreposição dessa terra. O fazendeiro ou empresa vai poder dizer que a terra é dele se a declaração se sobrepor sobre um território de camponeses ou outras famílias que ali residem (agricultores, ribeirinhos). Portanto, a autodeclaração é outro indício de violência porque permite que o grileiro ou empresa se sobreponha sobre outro território já ocupado por pequenos agricultores.
- Quais os impactos que a MP da Grilagem teria para os trabalhadores do campo?
A população do campo, os quilombolas, indígenas, pequenos agricultores, ribeirinhos, etc., que estão em terras públicas, vão entrar agora em uma disputa ferrenha com os grandes proprietários de terra e grandes empresas. Porque são os grandes que vão se apropriar, de fato, dessas terras e se regularizar com essa medida.
Em todas as regiões desse país nós temos disputas de terras públicas. Temos nas áreas da zona costeira, temos com o MST, com ribeirinhos, com quilombolas. Todos aqueles que querem, de fato, a posse da terra estão sendo ameaçados agora porque as terras podem ser regularizadas para especulação imobiliária ou para o agronegócio. A situação vai piorar porque os grileiros, que estão de forma irregular, agora virão amparado por essa Medida.
Além disso, como a Medida trata de todas as terras públicas, então todo mundo que está com posse de terra e que tem interesse de disputa, está ameaçado. Incluindo os próprios órgãos federais, como INCRA, IBAMA, Marinha, etc., todos que têm terras públicas entram no processo.
- Em relação ao meio ambiente, de que forma a MP910 influencia?
A medida afetará de forma muito cruel a Amazônia, por exemplo, porque ela vai ampliar o processo de desmatamento com a apropriação das terras públicas. Vai aumentar a perda da biodiversidade, vai afetar a água, por conta das nascentes nos territórios. Vai favorecer a mineração e outras irregularidades.
- E em relação à economia do país?
Ela vai ampliar o consumo de veneno e vai dar prejuízo aos cofres brasileiros ao retirar seu patrimônio, passando pelo processo de privatização das terras públicas nessa de regularização da grilagem. A medida não vai fortalecer a economia do país porque ela vai ser regularizada com pequenas porcentagens, de forma muito irregular como forma de pagamento.
As terras poderiam ir para os pequenos agricultores e outras comunidades, para produzir alimento, mas ela vai continuar servindo para produzir commodities para exportação ou então ser utilizada apenas como reserva para especulação imobiliária. Isso é um prejuízo do ponto de vista econômico.
- Quais impactos da votação ser pautada em um contexto de crise sanitária por conta da COVID-19?
A medida não deveria ir pra votação agora porque ela não tem uma urgência necessária. Ela não vai melhorar em nada a situação produtiva do campo, porque quem já está lá, já está lá. Não tem razões pra ter essa pressa na votação da regularização, entrar nisso agora na questão da pandemia não faz sentido.
Mas há um outro elemento, que o Rodrigo Maia está colocando, é que ela só vai passar se houver um consenso no Congresso e eu duvido que esse consenso vai acontecer, principalmente porque a oposição e a frente ambientalista, entre outras vinculadas à questão ambiental e de território, não vão concordar.
Outra coisa que está acontecendo é que o relator quer modificar e retirar algumas questões para a medida poder ser colocada como pauta de votação. O que ele quer é mudar a data e deixar estipulado que somente quem está nas terras públicas até 2008 seria regularizado. E não até maio de 2014, como está agora no texto. Mesmo assim, isso não muda o conceito e a lógica da medida provisória, que é de não atender aos pequenos.
Portanto, a regularização fundiária para os pequenos trabalhadores não está presente nesta pauta. Ela não é urgente porque não vai aumentar a produção de alimentos, que é o que mais precisamos agora em meio à pandemia. Ela não vai contribuir para melhoria do meio ambiente e nem para recuperação econômica.
- Qual a importância da mobilização para que a MP da Grilagem seja barrada?
A Medida é para atender a demanda do agronegócio, dos grileiros de terras e dos que sempre se aproveitaram deste país, então atualmente há uma grande mobilização. Todos aqueles que defendem autonomia, soberania alimentar, territórios, como a Pastoral do Campo, a Via Campesina, etc., estão contra.
A MP910 tem que ser votada após a pandemia da COVID-19 para que seja possível acontecer debates sobre o tema e também audiências públicas. Como ela está prevista pra caducar neste mês (maio), está em disputa pra que ela seja colocada em votação.
*Editado por Wesley Lima