COVID-19: Amapá representa 41% dos óbitos entre população quilombola

Boletim epidemiológico da CONAQ destaca a frágil estrutura do sistema de saúde nos territórios e risco iminente de tragédia
Vulnerabilidade frente à COVID-19 de quilombolas no Amapá é alta. Foto: Anderson Menezes/Amazônia Real

Por Maryellen Crisóstomo
Da Comissão Pastoral da Terra

De acordo com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas (CONAQ), em comunicado divulgado nesta terça-feira (05), o primeiro óbito entre a população quilombola por causa do novo coronavírus foi registrado no Amapá em 11 de abril, sendo noticiado pela Alma Preta Jornalismo. Vinte cindo dias depois, o Estado representa 41% das mortes mapeadas em todo o Brasil. A vítima mais jovem tinha 38 anos e era do quilombo Ambé, localizado no município de Macapá, capital do estado. O quilombo Ressaca da Pedreira concentra 42,8% dos óbitos do Amapá.

As lideranças locais, juntamente com a articulação da CONAQ no Amapá, estão fazendo um levantamento autônomo para mapear as pessoas que apresentam sintomas ou já tem o diagnóstico da COVID-19. Porém, há denúncias de negligência por parte dos governos locais. “Não tem assistência, não dá medicamentos. Nós estamos com falta de água nas comunidades e eles (do estado do Amapá) não dão à mínima. O Estado está aqui do lado da gente e não faz nada”, relata Núbia Cristina, coordenadora da CONAQ.

Segundo a CONAQ Amapá, no quilombo Engenho do Matapi, município de Santana, são 15 quilombolas infectados. O primeiro caso contraiu o vírus no pronto socorro.

No quilombo Ressaca da Pedreira, onde se concentra o maior número de óbitos, foram confirmados até o momento quatro casos de contaminação entre familiares de uma das vítimas fatais. O levantamento ainda não está concluído. Ceará também tem casos de quilombolas contaminados, mas não registra óbitos, conforme informações CONAQ local.

Ao todo, são 17 óbitos entre quilombolas de todo o Brasil, oriundos de quilombos dos Estados do Amapá, Bahia, Goiás, Maranhão, Pará, Pernambuco e Rio de Janeiro. Na Bahia, além de um óbito confirmado, há um óbito com suspeita, sem diagnóstico.

Leia na íntegra, o Alerta Público elaborado pela CONAQ e parceiros:

BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO DA CONAQ APONTA 17 QUILOMBOLAS MORTOS PELA COVID-19 EM 25 DIAS

Os dados de alastramento da Covid-19 no Brasil já chamam atenção, são cerca de 7.321 mortes e mais de 105 mil infectados já registradas. A invisibilidade do alastramento da doença em territórios quilombolas revela uma situação potencialmente drástica, que não tem recebido a atenção devida das autoridades públicas e dos meios de comunicação dominantes. Dados da transmissão da doença em territórios quilombolas são sub-notificados, pois muitas secretarias municipais deixam de informar quando a transmissão da doença e morte ocorre entre pessoas quilombolas. 

De acordo com monitoramento autônomo desenvolvido pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas junto aos territórios, há mais de 20 dias ininterruptos, foram diagnosticados nos estados que a CONAQ atua: 63 casos confirmados, 36 casos monitorados, 17 óbitos e um óbito sem confirmação de diagnóstico.

A situação se agravou e os números são: 3 óbitos no Pará, 7 óbitos no Amapá, 2 óbitos em Pernambuco, 2 óbitos em Goiás, um no Rio de Janeiro e um na Bahia. Os dados revelam uma alta taxa de letalidade da COVID-19 entre os quilombolas e uma grande subnotificação de casos. Situações de dificuldades no acesso a exames e de negação de exames a pessoas com sintomas têm sido relatadas pelas pessoas dos quilombos.

Os casos de óbito contabilizados pela CONAQ até o momento são os seguintes:

Moacyr Silva, de 57 anos, no Quilombo Abacate da Pedreira, na capital do Amapá, Macapá , no dia 11 de abril de 2020;

Simone Paixão Moraes, 29 anos, no Quilombo Espírito Santo em Cacoal, no estado do Pará, informado no dia 19 de Abril de 2020;

João Martins, 74 anos, no Quilombo Comunidade Boa Nova em Professor Jamil, Goiás, no dia 19 de abril de 2020;

Óbito em Pernambuco: 13 de abril de 2020 e 20 de abril de 2020;

Jacivaldo Franco do Nascimento, 68 anos, no quilombo de Itacoã Mirim, no município do Acará, no Pará, no dia 20 de abril de 2020;

Gracinete Espíndola, 59 anos, quilombo Ressaca da Pedreira, na capital do Amapá, informada no dia 21 de abril de 2020;

Gilmar Barbosa da Silva, 46 anos, quilombo Quenta Sol em Tremedal, Bahia. Informado em 24 de abril;

H. 25 anos, Quilombo Sacopã no Rio de Janeiro, 18 de abril de 2020;

Pedro Siriaco de Souza, Quilombo Goiabal no Amapá, 22 de abril de 2020;

Quilombola do Arapapu no Pará (a família não autorizou divulgar o nome), 02 de maio de 2020;

Quilombola, Lago do Papagaio no Amapá (a família não autorizou divulgar o nome) 02 de maio de 2020;

Darcio Caetano, 63 anos, Quilombo Professor Jamil em Goiás 02 de maio de 2020;

Maria José Araújo dos Santos, quilombo Camaputiua município de Cajari – MA, 29 de abril de 2020;

Marcleyson Picanço, 38 anos Quilombo Ambé – Amapá, informado em 04 de maio de 2020;

Alberto Flexa Pereira 78 anos quilombo Ressaca da Pedreira – Amapá, informado em 05 de maio de 2020;

Maria Oliveira, tem mais de 60 anos, quilombo Ressaca da Pedreira – Amapá, informado em 05 de maio de 2020.

A desigualdade do enfrentamento ao Coronavírus que, já se mostra evidente nas periferias urbanas, terá um impacto arrasador nos quilombos, se a doença mantiver este ritmo de alastramento e letalidade. Até o momento, aproximadamente a cada dois dias, tem ocorrido um óbito pela COVID-19 entre quilombolas. A CONAQ tem chamado atenção para fatores estruturais alarmantes sobre as consequências do alastramento da pandemia nos territórios quilombolas.

Devido à falência estrutural de sucessivos governos e dinâmicas de racismo institucional, os quilombo não contam com um sistema de saúde estruturado, ao contrário, os relatos da maior parte dos quilombos é de frágil assistência e da necessidade de peregrinação até centros de saúde melhor estruturados. As condições de acesso à água em muitos territórios é motivo de preocupação, pois também dificulta as condições de higiene necessárias para evitar a propagação do vírus. Essa situação tende a ser agravar exponencialmente com as consequências sociais e econômicas da crise da COVID 19 na vida das famílias quilombolas.

Outra dificuldade relatada neste momento em diferentes quilombos é com relação ao acesso à renda básica emergencial, especialmente no que toca à acessibilidade dos procedimentos de cadastramento via aplicativo e falta de ações dos governos estaduais e municipais no sentido de atender demandas emergenciais dos quilombos. É perceptível a paralisia dos governantes que assistem ao caos nos quilombos e acabam por reforçar discursos vazios do governo federal que até o momento não fez chegar amparos emergenciais e medidas de proteção mais efetivas aos quilombos em todo Brasil.

Diante das mortes já registradas e da gravidade do cenário, a CONAQ exige que o governo e a sociedade brasileira se posicionem e tomem medidas em defesa da vida das famílias quilombolas. Não cairemos na invisibilidade e não aceitaremos o esquecimento.

Vidas quilombolas importam!

Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Quilombolas –  CONAQ

Apoiam esse Alerta:

Alma Preta

Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais no Estado da Bahia

Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará – CEDENPA

Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular

Coletivo Sapato Preto

Criola

Equipe de Conservação da Amazônia – ECAM

Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE

Geledés – Instituto da Mulher Negra

Ibirapitanga

Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC

Instituto Socioambiental – ISA

Intervozes

Laboratório Matula/ Universidade de Brasília

Mestrado em Sustentabilidade junto a Povos e Territórios Tradicionais/ Universidade de Brasília – MESPT

Terra de Direitos

Uma Gota no Oceano

UNEAFRO Brasil

*Editado por Luciana Console