Zé Pinto: “Fazer poema de arma, pra fazer arma de flor”

Viva os 60 anos de vida e de luta musicada do cantor e compositor da agroecologia
As canções de Zé Pinto defendem a precisão de se “amar a terra e nela plantar semente” porque “a gente cultiva ela e ela cultiva a gente”. Foto: Luara Dal Chiavon

Por Comunicação do MST em Minas Gerais
Da Página do MST

“Meu nome é José Pinto de Lima. Até esse nome, Zé Pinto, já é uma construção dessa participação nos movimentos sociais, nesses debates, nessas instâncias que nos ajudam a ir se construindo enquanto poeta, cantador, apaixonado por essa ideia de que todo mundo pode ter seu direito de ter um pedacinho de terra, de ter os seus direitos respeitados, de se orientar pra poder dentro dessa conquista por terra, trabalhar a terra com respeito, com paixão sem qualquer tipo de agrotóxico ou algo que possa prejudicar esse relacionamento com a Mãe Terra.”

Mineiro de berço, nasceu no dia 13 de maio de 1960 e nos anos 70 mudou-se para o Mato Grosso. De lá, seguiu para o estado de Rondônia, onde a família conseguiu um pedaço de terra pra viver. Cantor e compositor da Reforma Agrária Popular, Zé Pinto é um dos principais criadores de canções que embalaram a luta pela terra do MST ao longos dos seus 36 anos. Integrante do setor de cultura e produtor agroecológico no assentamento Liberdade, no Vale do Rio doce, Minas Gerais.

Desde muito jovem aprendeu a tocar violão e sempre gostou de compor. Assim como muitos jovens da sua geração, começou a militância na Pastoral da Juventude das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). No início dos anos 80, começou a participar do PT e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais em ouro Preto do Oeste de Rondônia, conheceu o MST ainda em sua gênese e contribuiu para os primeiros passos da sua construção no estado.

“Eu tive a grande oportunidade de ter nascido no seio de uma família de um pai e uma mãe que eram genuinamente camponeses, trabalhadores rurais e que viveram toda a vida na roça. E, apesar de toda a sua humildade, simplicidade e pouco estudo, sempre defenderam a terra.

Meu pai sempre dizia que: ‘uma árvore a gente poda, a gente não corta. Tem que pensar muito pra poder derrubar uma árvore’. Então a gente foi criado nesse ambiente e isso ajudou muito e, além disso, eles eram artistas. Meu pai tocava violão e minha mãe gostava de fazer teatro com a molecada no catecismo e nas quermesses. A gente se reunia pra fazer roda de prosa e cantarolar as coisas das raízes camponesas. Isso foi uma coisa importantíssima na minha vida.”

É dessa origem que se imbrica com a militância, com a construção de ser humano de visão crítica, política, ideológica que suas canções defendem a precisão de se “amar a terra e nela plantar semente” porque “a gente cultiva ela e ela cultiva a gente” (trecho da música Caminhos Alternativos). Nestes 60 anos de vida, Zé Pinto viajou (de ônibus) para quase todos os estados do Brasil. Sempre junto com a luta dos movimentos populares em suas atividades fazendo animações, se expressando artisticamente e construindo cotidianamente a luta por uma sociedade mais justa e igualitária. Uma vida em movimento, algo que não é uma coisa pronta, mas que se constrói coletivamente ao longo dos dias.

Acredito que estamos no caminho certo, porque a gente planta, colhe e canta a vida e essa é a grande lógica de quem acredita num sonho futuro, na beleza de sermos gente realmente superiores.” Foto: Luara Dal Chiavon

E o mês de maio não é de festa somente por comemorar seu aniversário. No dia 26 de maio de 1990, há 30 anos, Zé Pinto se casava com sua companheira, também militante dirigente do MST, Matilde de Oliveira, com quem teve duas filhas, Dandara e Moara.

“Suas canções traduzem as lutas, as conquistas e os desafios da luta no campo brasileiro. Ele é um apaixonado pelas conquistas da Reforma Agrária, pela cultura engajada e pela agroecologia. Estávamos comentando, eu e ele, que nestes 30 anos de casados, devido à pandemia, é a primeira vez que passamos tanto tempo juntos…sem viajar”, comenta Matilde.

Autor de “Descobrimos lá na base”, “Ordem e progresso”, “Caminhos alternativos”, entre tantas outras canções, suas composições revelam o momento exato da luta pela terra, a trajetória que o Movimento Sem Terra vem construindo, ao mesmo tempo que todas essas canções demonstram o amadurecimento político e técnico das composições. O artista e o militante andam lado a lado e Zé Pinto imprime em sua arte a dimensão do projeto de mudança da sociedade.

“A gente junto vai ajudar na construção dessa nossa nova sociedade como isso que a gente já conseguiu construir dentro do MST. Eu, enquanto cantador, minha vida ficaria muito sem sentido se eu não tivesse aprendendo dentro dessa beleza de ser defensor da agroecologia, onde você planta de uma forma sem precisar de tá envenenando a terra. Você planta com a consciência de que você entrega um alimento pro seu filho, ou até que seja pro filho de seu inimigo de classe, mas que você sabe que não está matando aquele inocente com uma porcaria que o agronegócio acha que é tudo de bom. Acredito que estamos no caminho certo, porque a gente planta, colhe e canta a vida e essa é a grande lógica de quem acredita num sonho futuro, na beleza de sermos gente realmente superiores.”

“É por amor a essa pátria Brasil que a gente segue em fileira”


No ano de 1997, cerca de 100 mil pessoas receberam em Brasília, a Marcha Nacional por Emprego, Justiça e Reforma Agrária, em denuncia ao Massacre de Eldorado dos Carajás. Foi no trajeto da marcha que Zé Pinto escreveu a música: “Ordem e progresso”. Em suas próprias palavras: “A música que o povo luta porque ama a pátria. Infelizmente às vezes vem a repressão e bate nas pessoas que estão querendo uma coisa melhor pra todos.”

Mais uma vez, a arte demonstrou seu papel na história, sobretudo, de reafirmar que luta não morre, como alguns querem convencer o povo. Mesmo em meio às crises, de luto pelos mártires, o povo Sem Terra segue cantando, transformando sua dor em rebeldia. Reafirma, com o canto e o bailar de suas bandeiras, assim como entraram em Brasília no ano de 97, que “esse é o nosso país, essa é a nossa bandeira. É por amor a essa pátria, Brasil, que a gente segue em fileira”.

Zé Pinto no Festival da Reforma Agrária. Foto: Luara Dal Chiavon

São essas fileiras que seguem crescendo, mesmo em tempos de crise aprofundada pela pandemia do Covid 19, quando o MST reafirma seu projeto de agroecologia, de produção de alimentos saudáveis e constrói amplos processos de solidariedade junto a outras organizações e movimentos. É desse projeto que Zé Pinto expressa. Um projeto que é mais do que um modo de produzir comida. “A agroecologia é tudo aquilo que dá oportunidade, que é preciso, que cobra essa presença de se juntar, de rezar junto, cantar junto, brincar junto, de reunir a molecada, de aproveitar as noites de lua, de voltar a conhecer o que é a beleza da lua, a beleza das flores brotando no campo, a beleza da fartura na hora das festas camponesas e da partilha, assim, estão profundamente casadas.” É um modo integrado de vida, de sociabilidade e de projeto cultural para a sociedade.

A gente tem até que ter muito cuidado para não confundir cultura simplesmente com arte porque arte é o que dá essa beleza. O movimento vem travando isso justamente por esse motivo, porque acredita junto com outras organizações e com muitas pessoas nesse Brasil que é preciso implantar um modelo diferente no campo brasileiro, na forma de plantar, na forma de possuir a terra, na forma de brincar, de fazer arte. Então, é uma luta muito bonita e o movimento vem se construindo, já tem uma história em cima dessa questão e vai deixar realmente um legado muito bonito pro Brasil.”

*Editado por Fernanda Alcântara