Por que o MST é contra a federalização da investigação dos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes?

Mudança poderia comprometer o andamento das investigações, que estão próximas de desvendar o caso
Foto: Marcelo Freixo

Da Página do MST

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julga hoje (27) o pedido de federalização do caso Marielle Franco e Anderson Gomes, realizado em setembro de 2019 pela Procuradoria Geral da República (PGR), sob o comando de Raquel Dodge. Na ocasião, a procuradora foi motivada pela “investigação da investigação” junto à uma análise equivocada do processo de investigação desenvolvido no Rio de Janeiro.

O MST se soma a campanha NÃO A FEDERALIZAÇAO, organizada pelos familiares de Marielle e Anderson, pelo Instituto Marielle Franco e pela Coalisão Negra por Direitos, que está coletando assinaturas, a serem enviadas com máxima urgência ao STJ para o julgamento de hoje.

O MST tem uma histórica defesa do Incidente de Deslocamento de Competência (IDC), termo técnico para a Federalização de julgamentos, que tem como marco doloroso o Massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 17 de abril de 1996, no estado do Pará. Para nós, a federalização pode abrir uma possibilidade importante para sair do cerco de pressões locais que envolvem os julgamentos estaduais ou ainda nas comarcas regionais.

Porém, para exigir a federalização de um caso é necessário que primeiro a investigação local esteja paralisada e cheia de vícios. Em segundo, que haja um pedido das famílias ou dos diretamente interessados na investigação. Por fim, que a cooperação entre os entes investigativos não esteja ocorrendo (entre policias e nível local, estadual e federal). Este não é o caso da investigação de Marielle e Anderson.

Apesar de ser uma questão de repercussão internacional e da demora em responder “Quem mandou mandar Marielle e Anderson?”, defendemos que a investigação continue onde está e que seja acelerada, mas dentro do rigor necessário para apontar os mandantes do crime.

Além disso, o pedido de federalização deve prescindir de uma boa análise de conjuntura. Por isso perguntamos: a quem interessa que este caso seja federalizado? O projeto que esta no poder no país tem inspiração fascista e uma política de extrema direita de caráter ultraliberal e fundamentalista. O presidente Jair Bolsonaro e seus filhos políticos nunca esconderam total desprezo pela pauta dos direitos humanos e pela elucidação de crimes políticos, como foi o de Marielle e Anderson. E pior, incitam que mais crimes contra os lutadores e lutadoras do povo ocorram, numa prática comprovadamente genocida.

Importante lembrar que o processo está em fase de conclusão, ou seja, estamos muito próximos de saber quem mandou matar Marielle e certamente isso seria retardado com a mudança de esfera de investigação. O Brasil tem pressa por essa verdade, pois estes dois assassinatos são simbólicos na máquina política de guerra que é colocada historicamente contra os defensores dos direitos do povo. Em meio à crise profunda que o Brasil vive, agravada de maneira dramática pela pandemia, que expôs a fratura da desigualdade social, racial e de gênero, as vozes da organização popular, direitos das periferias que lutam pra que não morramos de vírus, fome ou bala, são ainda mais ameaçadas pelos usurpadores da riqueza produzida pelos trabalhadores e trabalhadoras.

Os assassinos Ronie Lessa e Elcio Queiroz serão julgados pelo Tribunal do Júri e pelo histórico destes criminosos, fica evidente a participação de milícias no assassinato político de Marielle e Anderson. Nosso país tem uma legislação explicita que proíbe a organização de milícias, citadas literalmente na Constituição brasileira, mas elas sempre estiveram muito próximas do poder e hoje, chegaram ao mais alto cargo do Executivo. Exigir justiça por Marielle Franco e Anderson Gomes é lutar por um mundo sem milícias e contra um Estado que dispara contra pobres, negros, LGBTs jovens e mulheres.

Exigimos que a investigação responda sobre os crimes de Queiroz, o cheque na conta de Michelle Bolsonaro, a queima de arquivo do chefe do escritório do crime, Adriano Nobrega, o conteúdo dos 14 celulares apreendidos, o entra e sai no Condomínio Vivendas, da Barra, no dia do assassinato, e a participação da família Bolsonaro no crime. Perguntas em aberto que podemos estar perto de ter respostas, caso a investigação não seja federalizada.

Por fim nos solidarizamos aos familiares de Marielle e Anderson neste dia de dor, pelos vários sentimentos revirados num julgamento frio que ocorrerá sem a presença deles por conta da pandemia. Que o STJ faça justiça e que a investigação continue onde está. Seguimos despertos e despertas, acompanhando cada passo da investigação. Somos todas e todos Marielle e Anderson! Somos milhões e não ficaremos em silêncio.

*Editado por Luciana Console