Acampamento Índio Galdino: do eucalipto à agrofloresta
Por Vitor Taveira*
Do Jornal Século Diário
Neste ano não teve festa. A Covid-19 impediu a tradicional celebração camponesa, mas o acampamento produtivo Índio Galdino, em Aracruz, no Norte do Espírito Santo, comemorou a data dentro de um dos princípios do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST): a solidariedade.
No último sábado (23), dia do aniversário da ocupação, os moradores levaram uma doação de três toneladas de alimentos ao Lar São José, entidade beneficente na região de Jacupemba, a 16 quilômetros do acampamento. As doações vêm sendo incentivadas pelo movimento a todos acampamentos e assentamentos de reforma agrária em que participa no Espírito Santo.
Cana, mamão, abóbora, aipim, café, maracujá, banana, feijão, frutas e hortaliças são alguns dos alimentos produzidos pelas 70 famílias que ocupam desde 2016 uma área de 505 hectares na Comunidade Córrego Bom Jesus, que era dominada pelo monocultivo de eucalipto pela Aracruz Celulose, ex-Fibria e hoje englobada pela Suzano. “Ocupamos para mostrar que a terra não é só para produzir eucalipto, tem condições de produzir alimento saudável”, diz Jocimara Batista, uma das acampadas.
Além de contribuírem com a subsistência, os alimentos produzidos pelas famílias são comercializados nos municípios de Aracruz e Linhares, onde fazem vendas e feiras. “A área era destinada à monocultura de eucalipto, que vai degradando o solo e a biodiversidade. Com as famílias chegando, as paisagens foram mudando de acordo os anos, nas lutas por uma agricultura mais saudável através dos sistema agroflorestas”, conta Jocimara sobre o processo que une reflorestamento e produção agrícola.
O nome do acampamento faz homenagem a Galdino Jesus dos Santos, liderança indígena pataxó que morreu após ser atacado com fogo por jovens de classe média enquanto dormia num ponto de ônibus em Brasília, num crime que chocou o Brasil em 1997.
Mas apesar dos quatro anos em meio ao antigo eucaliptal, a luta dessas famílias pela terra começa muito antes. O primeiro acampamento Índio Galdino foi feito em 2005 na área da antiga Fazenda Agril, que chegou a ser desocupada por meio de ação policial. De lá pra cá, os sem-terras continuaram resistindo na região, até se instalar em 2016 na atual região de Jacupemba.
Da comunidade que ali viveu, restava apenas uma pequena capela em ruínas, hoje restaurada pelos acampados e reinaugurada com presença do bispo de Colatina, num momento marcante para os moradores da nova comunidade.
Mesmo sem apoio ou assistência do poder público, famílias investem na produção agrícola
O processo de implantação do monocultivo para a produção da Aracruz Celulose se deu avançando sobre terras de indígenas, pequenos agricultores, ribeirinhos e pescadores, num conturbado processo ao longo de décadas que envolve compras de terras, arrendamentos, grilagens e expulsões.
Por isso, o MST reivindica a área, que já provou ser capaz de abrigar famílias e produzir alimentos com diversidade e ecologia. O movimento entrou em negociação com a então Fibria e ainda segue buscando diálogo com a Suzano e o governo do Estado. O que falta é avançar para transformar a área em assentamento, com posse permanente da propriedade para os camponeses dentro do processo de reforma agrária.
“O governo federal ou estadual precisa fazer o processo de desapropriação da área”, diz Marco Carolino, dirigente nacional do MST, que vem atuando nas negociações. Ele conta, porém, que não há expectativas em relação ao governo federal, que já explicitou sua posição política contra a reforma agrária e a democratização das terras.
No caso do governo do Estado, a criação de assentamentos não ocorre desde os anos 1980, quando o governo de Gerson Camata promoveu a criação de vários deles, num momento de grande efervescência política e mobilização do movimento. “Enquanto não temos soluções, buscamos a permanência das famílias nesses acampamentos produtivos, em que as pessoas continuam criando suas condições de vida, moradia e produção”, diz.
O movimento já conquistou 66 assentamentos frutos da reforma agrária no Espírito Santo, mas há mais de 10 anos não vê a criação de um novo. Hoje o MST organiza oito acampamentos no Estado na luta pela terra em municípios como Linhares, Conceição da Barra, Montanha, Nova Venécia, Presidente Kennedy e Itapemirim.
*Vitor Taveira jornalista amigo do MST do Jornal Século Diário
**Editado por Fernanda Alcântara