Quais os efeitos que a água contaminada por agrotóxicos pode causar?
Por Iris Pacheco
Da Campanha contra os Agrotóxicos
“Agrotóxicos na água” foi o tema de mais um debate com a população brasileira, durante a live semanal da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos, da última quarta-feira, 27 de maio. O assunto tem relevância atemporal, mas ganha ainda mais expressividade com a abertura da consulta pública do Ministério da Saúde sobre a nova portaria de potabilidade da água.
“Cerca de 2/3 do nosso corpo é feito de água. Quais os efeitos que uma água contaminada por agrotóxicos pode causar em seres humanos e animais? Existem limites seguros? O que podemos fazer para garantir uma água limpa?”. Abordando estas e outras perguntas-provocações, conversaram, ao vivo, com o público o médico e pesquisador do NEAST – Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador da UFMT, Wanderley Pignati, e a imunologista e pesquisadora do Laboratório Especial de Toxinologia Aplicada (LETA) do Instituto Butantan, Mônica Lopes-Ferreira.
O pesquisador Wanderley Pignati iniciou o debate abordando o quanto a água é vital para a sobrevivência humana e para o ecossistema mundial, e o quanto a cadeia produtiva do agronegócio é nociva em relação à contaminação desse ecossistema. “Os agrotóxicos perpassam todos os elos da cadeia produtiva do agronegócio, que começa no desmatamento, a pecuária, a agricultura, transporte e armazenamento. Depois você tem a agroindústria em si, todo o processo de alimento. O primeiro impacto é na saúde do trabalhador, o segundo são os agravos à saúde – as intoxicações, malformações, o câncer, os distúrbios neurológicos e mentais. E um terceiro impacto são os danos ambientais, contaminação da água, do ar, da chuva, dos rios, dos animais… Quanto foi o consumo de agrotóxicos em toda essa cadeia?”, questionou.
Na sequência, a imunologista e pesquisadora Mônica Lopes-Ferreira comentou sobre como o vasto uso de agrotóxicos transforma o Brasil em um extenso campo de pesquisa na área, existindo o que podemos chamar de “dossiê para o que são os impactos dos agrotóxicos país”. Foram citadas pesquisas realizadas pela imunologista com utilização do método de avaliação tóxica em embriões de peixes, referência na União Europeia para testes de água. “O que eu verifiquei é que quanto utilizei a dose diária considerada ideal de agrotóxicos, a maior parte deles já causava mortalidade nesses embriões, então, eles nem chegavam a se desenvolver e já morriam. Quando eu pegava essas doses e diluía mil vezes mais, alguns até mais, essa mortalidade deixava de existir, porém, passavam a existir as anomalias. Então, não existe dose ideal, dose certa de agrotóxico”, explicou.
A pesquisadora reafirmou a importância da realização desses testes para a ampliação da identificação da toxicidade dos agrotóxicos para a saúde humana e do meio ambiente, tendo em vista que, segundo dados da Anvisa, uma a cada quatro cidades brasileiras possui agrotóxicos altamente nocivos na água.
Controle moroso, liberação eficaz, saúde em declínio
Segundo Pignati, estudos comprovam que, em 2019, foram utilizados cerca de 1 bilhão de litros de agrotóxicos ou mais, que dá uma exposição máxima de 5 a quase 7 litros de agrotóxicos por brasileiro. O glifosato representa cerca de 40% deste consumo, além de vários outros, dentre os quais aqueles introduzidos ano passado pelo governo Bolsonaro.
As regiões que mais usam agrotóxicos são também as que mais apresentam incidência de intoxicação aguda e formação cancerígena. No entanto, esses dados não são suficientes para desacelerar o ritmo na liberação de novos produtos pelo governo de Jair Bolsonaro, que tem mostrado celeridade recorde, cerca de 625 novas substâncias aprovadas.
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As novas regras do Ministério da Saúde, objeto de uma consulta pública, aumentam de 27 para 39 o número de substâncias a serem testadas, com base em diretrizes internacionais para controle. As recomendações de alteração construídas pela Campanha e pela Aliança pela Alimentação têm a União Europeia como referência e parte do princípio de que a água não deveria ter agrotóxicos, tendo em vista que o bloco tem os parâmetros mais rígidos do mundo.
Pignati relembrou a importância de revisão da nova portaria de potabilidade da água, uma vez que a atualização deve ocorrer a cada cinco anos e o documento atual foi aprovado em 2011. “Ela prevê a análise tanto de agrotóxicos, solventes e derivados das infecções domésticas… Por exemplo, o glifosato, pode ter 500 microgramas, absurdo, é meio miligrama, enquanto que na União Europeia é 0,1 micrograma…”
Porém, no Brasil as empresas que produzem agrotóxicos não se envolvem com o monitoramento da água. O sistema é custeado apenas pelos cofres públicos e pelas empresas de abastecimento. E agora, o Estado tem estado cada vez mais alinhado com a cadeia produtiva do agronegócio mantendo a alta celeridade de aprovação de novas substâncias e reduzindo drasticamente medidas de controle e procedimentos de alerta para a detecção de agrotóxicos na água.
Abordando as contradições e desafios do contexto atual, Mônica denunciou o quanto ciência tem sido negligenciada. “O cenário é que nós temos um país agrícola, de gigantes monoculturas e, do outro, a agricultura familiar, da agroecologia e da agrofloresta, mostrando que é viável economicamente, mas que não tem espaço… Nós temos uma intensa liberação de agrotóxicos sem que a gente veja os resultados da análise de cada um deles, do porque são liberados. Por outro lado, nós temos a contrapartida disso, que é esse agrotóxico sendo liberado no ar pelas pulverizações, cada vez maiores, no solo e chegando às águas, com o monitoramento de 27 indo para 39, isenção de impostos de agrotóxicos que não para.”
População deve ficar alerta e cobrar medidas efetivas dos responsáveis
Considerando que as empresas dessa grande cadeia produtiva de commodities deveria também ser responsabilizada pelos impactos nocivos derivados do uso destas substâncias, além do Estado e das empresas de abastecimento, é fundamental que a sociedade civil esteja atenta para acessar as possibilidades de participação nas decisões e também construa mecanismos de cobranças de legislações efetivas no controle deste cenário.
Mônica faz o chamamento de que “esse é o momento de nós participarmos ativamente e levar os dados para efetivar a mudança. Nós temos mais de 600 agrotóxicos autorizados e apenas 27 monitorados. Agora pretende-se ampliar o número de agrotóxicos monitorados e ainda pouquíssimo. Uma coisa é decorrente da outra. Se você não tem competência para fiscalizar os 600 autorizados, então não autorize mais. É um primeiro passo, mas ainda não é suficiente. ”
Entre os agrotóxicos encontrados na água do Brasil, há aqueles classificados como “prováveis cancerígenos” pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos e outros apontados pela União Europeia como causadores de disfunções endócrinas, como puberdade precoce e problemas reprodutivos. Porém, controlar a liberação de uso se aponta cada vez mais ineficiente. Pignati afirmou que é necessária uma mudança mais estrutural no campo brasileiro, de forma que, se alterem as relações das forças produtivas de desenvolvimento, superando o atual modelo.
“A primeira medida é mudar o modelo de produção, que a gente chama de mercadoria, nem é alimento, é químico dependente de agrotóxicos e sementes transgênicas, sendo que, dos alimentos que vêm para nossa mesa a maioria é produzida pela agricultura familiar. Podemos discutir a agroecologia que entra e sai na produção sem resíduos de agrotóxicos, metais pesados, fertilizantes químicos… A segunda é organização da sociedade, porque vigilância em saúde sem participação da sociedade organizada não existe. Tem que ter participação popular”, salientou.
Por fim, é fundamental que se questione a viabilidade desse sistema para o desenvolvimento socioeconômico, político e ambiental no mundo, em tempos de crises do Covid-19, em que o Brasil lidera os números de vítimas diárias decorrentes da epidemia, impactando não somente na saúde, mas aprofundando a crise política, econômica, ambiental que vinha instalada.
Confira a live: