Agrotóxicos e eleições 2020: o que será que será?

Em um contexto de inúmeras instabilidades, parlamentares e movimentos sociais reforçam a urgência de revigorar a luta contra os agrotóxicos nas disputas municipais
Foto: Campanha Permanente contra os agrotóxicos e pela vida

Por Angelica Almeida
Da Campanha contra os agrotóxicos

“Nós precisamos encarar que esse debate em relação aos venenos que a gente tá comendo no dia a dia. É um debate de todos, não é só da população do campo, mas, em especial, de quem consome o alimento”. Foi com este chamamento que o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP) encerrou a sua fala última quarta-feira (03), durante a live semanal da Campanha Contra os Agrotóxicos. A emergência de conectar campo e cidade na luta pela alimentação saudável, incidindo politicamente para a restrição de agrotóxicos, também ecoou na fala do vereador de Florianópolis Marquito – Marcos José de Abreu (PSOL/SC) e de Maria de Lourdes Vicente, integrante do MST no Ceará e pesquisadora do núcleo Tramas.

Além de denunciar os impactos dos agrotóxicos na saúde humana e do ambiente e as estratégias do agronegócio e seus parlamentares na flexibilização de leis no Brasil, a Campanha tem impulsionado ações de mobilização que reverberem na ampla discussão sobre o tema nos âmbitos legislativos, buscando a criação de leis mais restritivas em relação aos venenos e promotoras da agroecologia. Um destes processos expressivos é a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos – PNARA, que conta com significativo engajamento da sociedade civil e de parlamentares comprometidos com a produção e democratização da alimentação saudável.

Mas quais as possibilidades de pautar a luta contra agrotóxicos nas eleições para vereadores e prefeitos, considerando o atual panorama político do Brasil?


Autor da lei que instituiu Florianópolis como primeira Zona Livre de Agrotóxicos do Brasil, o vereador Marquito analisa que a instabilidade política refletirá no cenário eleitoral, alterando o calendário eleitoral e estratégias das campanhas, ao mesmo tempo em que reforça a pertinência de candidaturas de lideranças do movimento agroecológico, considerando a dificuldade de representatividade e articulação de parlamentares nesta frente.

“É fundamental que esses corpos que militam e acumulam há tanto tempo nessa discussão, que pra nós é tão central, também ocupem essa disputa eleitoral. Os temas ligados à segurança e soberania alimentar, agricultura urbana, acesso a alimentos de forma ecológica e em diálogo com os territórios são muito bem recebidos pela população em geral, e a gente consegue furar bolhas, inclusive do ponto de vista ideológico. Não podemos deixar que esses temas sejam apropriados por quem depois vai destruí-los”, alerta o vereador.

Em concordância, o deputado Nilto Tatto destaca que a pandemia e o aprofundamento da crise econômica suscitam a importância de repensar os rumos do país e do modelo de agricultura. Ele ressalta que, tendo em vista que o agronegócio é baseado na concentração de terra e no uso intensivo de agroquímicos se mostra insuficiente para alimentar toda a população, ele ainda provoca inúmeros efeitos adversos à saúde humana como aumento de doenças como câncer, alzheimer, parkinson, má-formação, cujos custos sociais ainda não são plenamente conhecidos, bem como impactos à saúde do ambiente, tais como degradação do solo e contaminação dos mananciais, entre inúmeros outros impactos.

“No âmbito federal, só pra cadeia dos agrotóxicos, o Brasil dá cerca de 1 bilhão e 200 milhões de isenção fiscal só pra aqueles que produzem e distribuem agrotóxicos”, afirma citando dados do relatório do Tribunal de Contas da União. “Pra vocês terem uma ideia, aqui no estado de São Paulo, de isenção de ICMS também para cadeia de produção de meia dúzia de produtos para exportação, são cerca de 1 bilhão. Quando a gente olha na perspectiva da agricultura familiar, da agroecologia, você não vê esse nível de subsídio de investimento e são poucas as políticas públicas de apoio. É por isso que quando uma pessoa vai ao mercado o produto orgânico, sem veneno, é mais caro”, critica o deputado.

Nilto Tatto contextualiza que, no mesmo período em que o projeto de lei de iniciativa popular do PNARA foi recebido e aprovado na Comissão de Legislação Participativa, a bancada ruralista criou uma comissão especial para alterar a legislação na perspectiva de flexibilização e liberação de agrotóxicos.

“O PL do Veneno e o PL do PNARA estão no mesmo nível para ir para o plenário. O problema é que toda a bancada ruralista que patrocinou o debate do PL do Veneno e fez o combate no debate do PNARA está no governo e domina o Ministério da Agricultura e o Ministério do Meio Ambiente. Fizeram mudanças no próprio Ibama, na Anvisa, que também tem um papel importante na liberação de agrotóxicos, e estão, na verdade, implementando um projeto de lei que ele sequer foi aprovado na câmara”, denuncia.

Para o deputado, a discussão sobre a produção de alimentação saudável precisa ser feita com mais intensidade no conjunto amplo da sociedade, a fim de influenciar o parlamento no endurecimento das leis relacionadas aos agrotóxicos. “Não é um problema de quem está produzindo alimentos e manuseando o agrotóxico. É um problema de todos”, defende.

Como fazer este diálogo com a classe trabalhadora, a partir de problemas reais e urgentes como a fome, é o grande desafio atual diante de crises que expõem a necessidade de repensar a relação com o ambiente, com os alimentos e também os valores sociais, reflete Lourdes Vicente.

“A emergência do agora é a defesa da vida. Infelizmente o Estado brasileiro, a política nacional, tem deixado de cumprir a sua função social e nós estamos neste momento político afirmando agora é ‘nós por nós’, no combate aos diferentes vírus que a gente tem que enfrentar. Os desafios se tornam gigantescos! Especialmente no Brasil, temos o desafio de combater o fascismo, que se instaura na nossa cultura; temos o desafio de retomar a bandeira da democracia tão frágil, tão nova no nosso país, mas que a gente vinha construindo e construindo espaço de decisões importantes”, avalia a pesquisadora.

Pequenos focos de luz, que apontam caminhos…


Sobretudo a partir de referências de projeto de leis estaduais e municipais, tem sido possível vislumbrar a construção de alternativas para a redução de agrotóxicos. A já citada proibição do uso e armazenamento de agrotóxicos em Florianópolis foi umas das experiências pioneiras, que demonstra a importância de um tecido social coeso em defesa da agroecologia.

Como explica Marquito, o projeto não nasceu dentro do gabinete: floresceu de acúmulos sociais como os do Fórum Catarinense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos – constituído por mais de 100 organizações da sociedade civil, do governo, e órgãos de controle -, e por um profundo diálogo, baseado em estudos e pareceres técnicos e científicos demonstrando os prejuízos dos agrotóxicos e que também considerou leis municipais, estaduais e a Constituição.

O vereador relembra que este mesmo comprometimento popular é o que sustenta a defesa pela agroecologia, diante dos sucessivos embates jurídicos sobre a legalidade e constitucionalidade das leis, tendo em vista a reação articulada dos setores do agronegócio.

Saiba como produzir um projeto de lei de iniciativa popular para restringir o usos de agrotóxicos

Outro processo de avanço legislativo foi a proibição estadual da pulverização aérea no Ceará, impulsionado por diferentes fatos históricos que culminaram na aprovação da Lei Maria do Tomé, em um território marcado, por um lado, por violações de direitos provocadas pela intensa presença de empresas transnacionais do agronegócio e, por outro, de ampla participação de movimentos e organizações sociais.

Lourdes Vicente destaca fatores fundamentais para a aprovação e permanência – ainda sob constante pressão – da Lei 16.820/19: a mobilização das comunidades diretamente atingidas pelos conflitos ambientais, em um processo de conscientização dos impactos dos transgênicos e agrotóxicos; o papel dos movimentos, pastorais e universidades na visibilização das lutas locais; a articulação com as universidades no desenvolvimento de estudos, em diferentes áreas de conhecimento, abordando a complexidade dos impactos dos venenos na saúde e na transformação das relações sociais; a articulação da luta local com a luta nacional e internacional, questionando a forma como os alimentos são produzidos, envolvendo diferentes atores, com consumidores, o Ministério Público Federal e a imprensa; e a existência de mandatos parlamentares a serviço das lutas populares.

Afinal, que sociedade queremos construir?


“Não é possível a gente pensar um país que não tenha agroecologia, que não pense no ambiente, que não pense na valorização da cultura camponesa, e que não leve em conta a diversidade toda que o país tem…”. Se o momento é de crise, Lourdes relembra que também é de fortalecer a luta intransigente pela vida e pela democracia, caminhando para formas mais participativas e menos representativas, baseadas na economia solidária e na organização popular, e que levem em consideração bandeiras históricas diversas como a defesa da reforma agrária, da educação pública e de qualidade para todos, do direito à saúde, do combate a todas as formas de violência – incluindo as de gênero e de raça -; da causa indígena, da consciência ambiental, do patrimônio cultural que é a Amazônia.

Compartilhando a mesma análise, Nilto Tatto afirma que os movimentos populares e solidários são embriões do que queremos daqui pra frente, semeando a riqueza da agrobiodiversidade e de expressões culturais nos territórios. Ele recorda que a agricultura “sem camponês” foi construída ao longo dos últimos 40, 50 anos, em um processo de convencimento de que este modelo acabaria com a fome do mundo, e reforça que o caminho do que a gente quer para a sociedade não vai ser construído de “de uma hora pra outra, com estalo de dedos”.

Este projeto passa tanto pela conscientização e controle social da quantidade de veneno que a população consome nos alimentos e bebe na água, quanto por respostas concretas que facilite a vida de quem quer produzir sem veneno. Por isso, o PNARA prevê a progressiva redução de agrotóxicos; o aporte financeiro da agroecologia; o incentivo a pequenas empresas que produzem biofertilizantes e fitossanitários biológicos; o desenvolvimento de pesquisas e tecnologia para facilitar a vida dos agricultores; bem como assistência técnica para produção e comercialização pra quem produz na perspectiva da agroecologia.

Confira o debate completo:

*Editado por Fernanda Alcântara