Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana condena reintegrações de posse em São Paulo

CONDEPE cita 24 casos ocorridos ou em andamento em todo o estado; entre elas, está o assentamento Luiz Beltrame, em Gália
Assentados do Luiz Beltrame, em Gália, são uma das famílias que correm risco de despejo.
Foto: MST

Da Página do MST

Em ofício publicado no último dia 16 de junho, o CONDEPE (Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana) condenou as reintegrações de posse que estão ocorrendo em todo o Estado de São Paulo em plena pandemia da COVID-19. Para o Conselho, as seguidas reintegrações de posse violam os direitos humanos uma vez que ferem o direito à dignidade da pessoa humana.

O documento salienta que a pandemia do novo coronavírus evidenciou e agravou de forma dramática as profundas desigualdades sociais na sociedade brasileira. Contrário às reintegrações, o órgão ressalta a existência de apontamentos na Constituição que protegem a dignidade da pessoa humana e que justifica a não remoção das famílias.

No texto, o CONDEPE cita como exemplos o Estatuto das Cidades, que estabelece as diretrizes gerais da política urbana, e a Lei Federal nº 13.465/2017, que dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União. São normas que viabilizam a segurança na posse de pessoas moradoras de assentamentos precários, em áreas urbanas ou rurais.

O Conselho destaca que a pandemia da COVID-19 é a maior crise sanitária do século XX e que, diante de seu alastramento, os mais pobres, estejam estes nas periferias urbanas, nos assentamentos rurais e urbanos, são os mais atingidos econômica e socialmente. Para ele [..] “os efeitos de remoções nesse atual cenário são imprevisíveis, mas certamente representam a diminuição de chances de sobrevivência daqueles que ficam desprovidos de teto no momento que circula um vírus que já causou mais de 40 mil mortes no país”.

Além disso, destaca que tanto os governos como o sistema de Justiça devem tomar ações imediatas para mitigar os efeitos da pandemia, assim como mediar os conflitos que rodeiam as periferias urbanas, as áreas rurais, os territórios quilombolas e as populações tradicionais para garantir a sobrevivência das famílias diretamente atingidas.

O Conselho lembrou que “[…] o Procurador-Geral de Justiça do Estado de Seção Paulo expediu o Aviso nº 168/2020-PGJ, para que os membros do Ministério Público […] avaliassem a possibilidade de requererem em cada uma das ações judiciais específicas a suspensão das ordens de reintegração de posse enquanto perdurarem as necessárias medidas de isolamento social e de enfrentamento da doença”.

O CONDEPE ainda cita o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU Habitat), de 14 de maio de 2020, em que este documento recomenda aos governos de todo o mundo a adoção de medidas emergenciais que atendam as necessidades básicas de comunidades ou bairros vulneráveis como alimentos, água, saneamento, higiene e cuidados
primários de saúde “[…] além de medidas específicas para garantir o direito à moradia adequada, como a proibição dos despejos devido a atrasos de aluguel, o adiamento de pagamentos de financiamentos, a suspensão de despejos forçados” entre outras.

Ainda citando o documento da ONU Habitat, o CONDEPE ressalta que a Organização das Nações Unidas chama a atenção dos Estados Membros das Nações Unidas na obrigatoriedade de respeitar, proteger e cumprir o direito à moradia adequada como parte do direito a um padrão de vida adequado.

Negar aos moradores e comunidades este direito durante a pandemia da COVID-19 pode ter consequências devastadoras, incluindo maior exposição à COVID-19 e outras infecções, além da exposição à insegurança e violência, perda de renda e acesso limitado a redes de segurança socioeconômica e serviços básicos, incluindo cuidados de saúde.

O despejo e remoção de moradores e comunidades antigas, particularmente de assentamentos informais, durante a pandemia, não só violaria seus direitos fundamentais, como também poderia expor tanto eles quanto o resto da população local a um maior risco de exposição ao vírus.

O Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana lembra que existem soluções indicadas na Resolução nº 10/2018, do Conselho Nacional de Direitos Humanos e que podem ser adotadas soluções garantidoras e medidas preventivas em situações de conflitos fundiários coletivos rurais e urbanos. Ela traz uma série de recomendações para a garantia do direito à moradia, primando pela autocomposição e, em última instância, por formas que evitem medidas violentas contra os atingidos e possam garantir o direito à terra ou moradia.

O CONDEPE também lembra que o Conselho Nacional de Justiça, em sua resolução nº 313, de 19 de março de 2020, entende que durante a pandemia da COVID-19 o direito à moradia deve ser garantido e que formas de violentas contra os atingidos devem ser evitadas.

E ainda, estabelece regras para o funcionamento do Poder Judiciário durante a vigência da pandemia do novo coronavírus, “[…] listando matérias que serão obrigatoriamente apreciadas neste período, deixou de apontar a necessidade de decisões acerca de pedidos de reintegração de posse e consequente despejos forçados.” E reforça que medidas que levem a remoções ou reintegrações de posse durante o período de pandemia “[…] escancaram de forma dramática as desigualdades sociais no Estado mais rico da Federação, onde a terra urbana e rural está concentrada na mão de poucos, sem, no entanto, cumprir a sua função social”.

No documento, o CONDEPE entende que as ações de despejo e reintegração intensificam as violações de direitos das populações e que ao dar sequência a tais ações, o poder público e o sistema de justiça direcionam as populações atingidas a uma situação de maior precariedade. O Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana, no texto, lista e denuncia as ameaças ou ações concretas de remoções durante a pandemia envolvendo o poder público ou agentes privados e cita 24 casos ocorridos ou em andamento em todo o Estado. Entre elas, está a reintegração de posse do assentamento Luiz Beltrame, em Gália/SP.

No texto, o Conselho destaca que o assentamento, apesar de ser uma comunidade extremamente produtiva, consolidado pelo INCRA por meio da Portaria nº 19 em 2013, com várias benfeitorias construídas pela dedicação das famílias assentadas, encontra-se em risco iminente de despejo a qualquer momento. O texto denuncia que “[…] a decisão sequer considerou o período de pandemia.”

O CONDEPE encerra o documento pedindo que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo recomende aos integrantes do Poder Judiciário paulista que, durante a pandemia da COVID-19, o estado de calamidade pública instituído pelo Decreto Estadual se abstenham de pronunciar sentenças de reintegração de posse e despejos e que proceda para a suspensão da execução dos mandados expedidos.

Em apoio ao Assentamento Luiz Beltrame Castro, em Gália/SP, a culinarista e apresentadora Bela Gil e o ator Marcos Palmeira fizeram um vídeo em que se manifestam contrários ao despejo.

Leia o texto sobre o Assentamento Luiz Beltrame na íntegra:

Reintegração de posse em Gália/SP

A área esteve em litígio para desapropriação para fins de reforma agrária, a qual se estabeleceu o Assentamento Luiz Beltrame, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), há cerca de 6 (seis) anos. No entanto, decisão da 3ª Vara da Justiça Federal de Bauru, prolatada no âmbito do Processo nº 5000671-29.2017.4.03.6108, ordenou o despejo forçado das famílias ocupantes da área, que representam cerca de 70 pessoas, sendo 20 delas menores de 18 anos. Foi concedido o prazo de 120 dias para a saída voluntária destas pessoas, contados a partir de 24 de abril, quando a ordem de despejo foi publicada no Diário Oficial da Justiça.

Se não ocorrer de forma pacífica, com o auxílio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), até o dia 24 de agosto, a Justiça autorizou o uso de força policial. O assentamento, é uma comunidade extremamente produtiva, com várias benfeitorias construídas pela dedicação das famílias assentadas, ressaltando que o mesmo foi consolidado pelo INCRA por meio da Portaria nº 19 em 2013. No entanto, diante da decisão da justiça, que determinou a restituição do imóvel para o antigo dono, estas famílias encontram-se em risco iminente de serem despejadas a qualquer momento, em uma decisão que sequer considerou o período de pandemia.

*Editado por Luciana G. Console