O pensamento de Florestan Fernandes pelo Movimento Negro
Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST
“A democracia só será uma realidade quando houver, de fato, igualdade racial no Brasil e o negro não sofrer nenhuma espécie de discriminação, de preconceito, de estigmatização e de segregação, seja em termos de classe, seja em termos de raça”. A definição, escrita há 30 anos por Florestan Fernandes em Significado do Protesto Negro, carrega um pouco da linha teórica que o sociólogo trazia em seus escritos sobre a questão racial no Brasil. Florestan via um potencial revolucionário na combinação das lutas de raça e de classes e, assim, não é possível homenagear o legado de Florestan sem mencionar a atenção que o pensador dedicava a estas lutas.
Neste contexto, começamos a entender o movimento negro brasileiro como os grupos e organizações que desenvolvem a luta e o combate ao racismo desde a década de 1970. Em 1978, vários destes grupos se reuniram em resposta à discriminação racial do país e nascia o ali o Movimento Negro Unificado (MNU), a partir de um ato que reuniu ícones da luta antirracista, como Lélia Gonzales e o professor Abdias do Nascimento.
Voz importante deste movimento, Milton Barbosa (Miltão), Coordenador Nacional de Honra e um dos fundadores do MNU, relembra os momentos fundamentais para entendermos hoje muitas daquelas reflexões. “Nós tínhamos conversas com Florestan Fernandes em meados de 1970 e era muito interessante, porque era um cara que já tinha ideais da esquerda, então era uma conversa muito produtiva. Ele já havia escrito A Integração do Negro na Sociedade de Classes, e com esta discussão passou a fazer algumas alterações nos enfoques que dava nas suas obras”, conta ele, em entrevista à Página do MST.
Confira!
Página do MST: Qual a importância dos estudos de Florestan Fernandes para a comunidade negra?
Milton Barbosa: O Florestan Fernandes era um dos intelectuais de esquerda com maior atuação junto à população negra, vários setores tinham conversas com ele. Foi um momento muito importante nas nossas relações as discussões que a gente fazia. Era muito bom ter um enfoque de esquerda sobre a questão racial e ele aprofundou esta relação conversando com a Frente Negra Brasileira.
O Movimento Negro Unificado nasceu em 1978. Qual o paralelo que podemos fazer entre o MNU e os pensamentos de Florestan Fernandes? E quais as principais reivindicações?
Na realidade, antes da fundação do Movimento Negro Unificado, nós fazíamos um trabalho no Centro de Cultura e Arte Negra (Cecan) e a obra de Florestan Fernandes era uma das obras que debatíamos. Então foi muito importante esta leitura, e depois estas opiniões foram essenciais em meados de 1970, isso influenciou muito as ações do movimento negro. Então quando temos o MNU, uma das obras muito citadas e debatidas era “A Integração do Negro na Sociedade de Classes”.
Por que é importante reunir e unificar organizações do movimento negro nesse momento da conjuntura?
A questão da unidade é fundamental. Tem que ser uma unidade a nível de ação e de pensamento e não apenas de espaço, mesmo porque, se você faz uma unidade apenas em termos de espaço, a repressão arrebenta com tudo. Há todo um aprendizado por trás do Movimento Unificado, a gente aprendeu a fazer política, a se articular. O MNU sempre teve diversos quadros do movimento negro, sempre teve um papel de influência muito grande sobre os outros setores e também sempre trabalhamos com um posicionamento de esquerda, embora tenha momentos que juntamos todo mundo.
E quando foi esse momento?
Em 1978 a gente juntou todo mundo, esquerda, centro, o pessoal “direitoso”. Depois do ato público, a direita debandou, foi para outros lugares e setores da esquerda, inclusive, criaram outras ações. Tinham divergências, mas o Movimento Negro Unificado era uma ação centralizadora da luta do negro no Brasil e até mesmo nas Américas e no mundo. A Lélia Gonzales fazia ações do 20 de novembro nos Estados Unidos, na Inglaterra, teve o Milton Cardoso, então o MNU tinha uma ação localizada, mas também tinha ações em vários estados e também articulações internacionais. Nós que fizemos as grandes manifestações em defesa dos negros na África do Sul, por exemplo, e em muitas outras regiões também.
E como isso se dá na atual conjuntura?
O sistema tenta nos arrebentar, todo o país que é fruto da escravidão, do colonialismo, tem o racismo no seu interior e os negros tem que lutar para derrotar esse racismo que explora, que violenta. Então é uma luta sistemática que o movimento negro e o MNU têm a sua presença histórica nela. Mesmo com uma infinidade de grupos que foram criados, nós temos uma ação conjunta e isso é de fundamental importância.
Quais as principais conquistas do Movimento Negro desde então?
Desde a criação do MNU nós já apontávamos muitas coisas, como a questão do racismo, da violência policial, o racismo nos meios de comunicação, no ensino oficial, então foram feitas ações nestas áreas. A questão das empregadas domésticas, por exemplo, que eram – e ainda são – bastante exploradas, mas que também conseguiram conquistas, se organizaram, criaram sindicatos. Nós criamos grupos de combate ao racismo em partidos, como dentro do PT, e nos sindicatos também. Hoje, no país todo, em todos os sindicatos importantes, há núcleos e secretarias de combate ao racismo.
Confira a entrevista:
*Editado por Luciana G. Console