Agricultores do RS denunciam descaso do governador em estiagem

A estiagem é considerada uma das maiores da história e já atingiu mais de 400 municípios que decretaram situação de Emergência
Camponeses ocupam pátio do Incra em Porto Alegre para exigir soluções à estiagem. Fotos: Leandro Molina

Em carta à população gaúcha os agricultores da agricultura familiar e camponesa denunciam o total abandono do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB) às famílias atingidas pela grave estiagem que atinge o estado.

Considera uma das maiores da história, a seca já atingiu mais de 400 municípios que decretaram situação de Emergência, devido às grandes perdas nas atividades agropecuárias, especialmente, na agricultura familiar e camponesa, informa a carta.

Os agricultores do Estado também sofreram com os efeitos de enchentes recentes e o Ciclone Bomba em julho, que gerou mais perdas na agricultura, com impactos econômicos e sociais.

No documento os movimentos sociais da agricultura familiar e camponesa são enfáticos em afirmar que o governador Eduardo Leite optou por manobras políticas, que deixaram ainda mais desamparados os pequenos agricultores e agricultoras do Estado, que produzem os alimentos que abastecem a mesa da população gaúcha.

“É lamentável e triste constatar, mas o governador abandonou os pequenos produtores rurais em uma das piores crises da história que contou com estiagem, coronavírus, enchentes e ciclone. Nessa grave pandemia não teve a sensibilidade de criar as condições para uma ajuda emergencial, nem de pressionar o governo federal para que o fizesse. Muitas famílias passam por necessidades neste momento”, denuncia o documento.

Leia a carta na íntegra, abaixo:

CARTA DA AGRICULTURA FAMILIAR E CAMPONESA

Aos gaúchos e gaúchas do Rio Grande do Sul

O ano de 2020 deixará o Rio Grande do Sul marcado pela ocorrência de uma severa estiagem, pela pandemia da Covid-19, por enchentes e um ciclone no litoral, os quais causaram grandes impactos econômicos e sociais. No caso da estiagem, foi uma das maiores da história e atingiu mais de 400 municípios que tiveram Decreto de Emergência, com grandes perdas nas atividades agropecuárias, especialmente, na agricultura familiar e camponesa.

Nesse momento de grave crise, dramático para milhares de famílias, foi marcante também a conduta do governador do RS, Eduardo Leite, que entra para a história como o primeiro governador que virou as costas para os agricultores e agricultoras durante uma estiagem grave.

Desde dezembro de 2019, o Governo do Estado foi alertado e constantemente informado sobre como evoluía a situação da estiagem. Em janeiro de 2020, os movimentos do campo ligados à agricultura familiar entregaram uma pauta ao governo com propostas e reivindicações para enfrentar a situação minimizando os danos.

Em abril, a Assembleia Legislativa realizou uma reunião virtual com a finalidade de debater a grave estiagem que afetava naquele momento o Estado, atividade que mobilizou amplos setores como entidades do setor agricultura, sociedade organizada, órgãos públicos, parlamentares e autoridades. Entre as propostas encaminhou-se a sugestão do Governo do Estado criar um Comitê Emergencial para tratar da Seca.

Em maio, movimentos sociais enviaram novamente a pauta com as suas necessidades e realizaram um protesto em frente do Palácio Piratini, submetendo-se a riscos, mas como grito de desespero e pedido de socorro. E foi assim durante oito meses, com agravamento da estiagem e da pandemia.

Em julho, ocorreu o Ciclone Bomba. Ao mesmo tempo em que houve uma das maiores secas, ocorre uma grande enchente e um ciclone que atingiu o RS, causando prejuízos no meio rural de vários tipos como a destruição de casas, galpões, lavouras e cultivos alimentares, principalmente hortaliças.

A pandemia da Covid 19 (novo coronavírus) causou transtornos e prejuízos para o meio rural. Milhares de agricultores e agricultoras não conseguiram vender os alimentos devido à paralização das aulas, das feiras e pela contração econômica.

O Governo do Estado que poderia ter adquirido os alimentos da agricultura familiar e de suas organizações associativas/cooperativas, para formar cestas básicas para entregar às famílias dos estudantes, visto que a legislação permite tal procedimento, porém optou por adquirir de um grande fornecedor, renegando o que é produzido no Estado.

Mesmo com recursos já negociados para o Programa de Aquisição de Alimentos a atual gestão não deu prosseguimento ao convênio de R$ 25 milhões para adquirir alimentos da agricultura familiar e de suas organizações associativas/cooperativas.

Da mesma forma, não houve empenho em viabilizar o Programa Camponês. Projeto com captação de recursos do Fundo Social do BNDES para apoiar a agricultura familiar e camponesa que tinha a possibilidade real de injetar recursos nas propriedades familiares e na economia gaúcha.

No Programa Troca-Troca de Sementes a expectativa era de anistia, mas o governador Eduardo Leite concedeu só um percentual de desconto da dívida, frustrando os agricultores e agricultoras. Assim foi também com as negociações de parcelas de dívidas do Feaper e Funterra, não atendendo a necessidade do meio rural, gerando insegurança e apreensão.

A reivindicação de um cartão emergencial para apoiar as famílias na crise foi ignorada. Nem mesmo ações emergenciais como de água e alimento para os animais foram efetivadas.

Diante disso, nós, dos movimentos sociais da agricultura familiar e camponesa avaliamos que o governador Eduardo Leite nada fez para amenizar os impactos da estiagem, da Covid-19 e de outras intempéries.
A sociedade gaúcha, que sempre valorizou o povo do campo e a produção agropecuária, precisa saber que tem um governador que deixou desamparados os pequenos agricultores e agricultoras quando estes mais precisaram da presença do Estado.

Recentemente, Eduardo Leite fez anúncios de recursos para perfuração de poços artesianos. Trata-se, porém, de peça publicitária, pois grande parte dos recursos virá do governo federal, da bancada federal gaúcha e dos deputados estaduais, além de somente ser efetivado no próximo ano.

É lamentável e triste constatar, mas o governador abandonou os pequenos produtores rurais em uma das piores crises da história que contou com estiagem, coronavírus, enchentes e ciclone. Nessa grave pandemia não teve a sensibilidade de criar as condições para uma ajuda emergencial, nem de pressionar o governo federal para que o fizesse. Muitas famílias passam por necessidades neste momento, algumas sem mesmo ter a garantia da alimentação para o auto sustento, em muitas propriedades faltou água para o consumo das famílias e para os animais.

Isto posto, gostaríamos de colocar ao Governo do Estado do RS, novamente: a agricultura familiar e camponesa esperava mais presença e ações do Estado, esperavam por medidas para atenuar os prejuízos causados pela estiagem, que na prática é o exercício da solidariedade.

Não é somente um despreparo político ou um equívoco, trata-se de total abandono e desvalorização da produção de alimentos. A população do campo merece tratamento melhor e reconhecimento da sua importância social, econômica e cultural. A segurança alimentar passa pela existência e pelo fortalecimento da agricultura familiar.

O governador Eduardo Leite precisa entender que apoiar a agricultura familiar na crise é amparar famílias e ajudar a impulsionar a economia dos pequenos e médios municípios, e principalmente, garantir alimentação ao povo da cidade. Um líder de verdade não abandona o povo na hora da necessidade. Eduardo Leite abandonou e está abandonando. Ainda resta um pouco de tempo, governador.

Porto Alegre, 03 de agosto de 2020.
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf)
União das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes)

*Editado por Solange Engelmann