Setores da agricultura familiar sobem o tom contra inoperância do governo estadual do RS

Em audiência pública, movimentos do campo se manifestaram sobre as perdas devido à forte estiagem e cobraram ações do estado
Movimentos do campo e representantes do governo gaúcho estiveram reunidos por videoconferência. Foto: Leandro Molina

Por Leandro Molina
Da Página do MST

A Comissão Mista Permanente de Defesa do Consumidor e Participação Legislativa Popular realizou, na manhã desta segunda-feira (03), audiência pública sobre as perdas dos agricultores familiares e assentados da Reforma Agrária com a seca, vendavais e enchentes no Rio Grande do Sul (RS). A atividade foi proposta pelos deputados Edegar Pretto e Zé Nunes, ambos do PT, e contou com a participação de mais de 130 pessoas de 62 municípios gaúchos na sala virtual destinada às entidades da agricultura do RS.

O deputado Edegar Pretto explicou os motivos que levaram à realização da audiência. Lembrou que em dezembro de 2019 foram registrados os primeiros pedidos de decretos dos municípios, e que hoje chegam a 400, que decretaram situação de emergência. “A situação é dramática e é necessário que o poder público estenda a mão para quem precisa de ajuda, pois o que foi feito até agora está aquém do esperado”, lamentou ele.

Pretto lembrou que em janeiro, quando esteve como presidente interino da Assembleia Legislativa, foi realizada uma reunião com o governador e representações de diversos municípios e entidades da agricultura familiar. Uma das reivindicações entregue com a pauta geral dos movimentos do campo foi a sugestão da criação de um Comitê do governo para centralizar ações contra a seca, que não foi atendida. O deputado ainda citou reuniões com o secretário de Agricultura do Estado, Covatti Filho, e em Brasília, com a ministra da Agricultura Tereza Cristina. Ele lamentou que a expectativa era bem diferente em relação ao tratamento esperado com o setor que produz o essencial para vida humana: o alimento.

O deputado ainda lembrou que dias atrás o governo do estado fez um anúncio de R$ 55 milhões para atender o setor, sendo que a maior parte do valor não foi fonte do governo. “É muito pouco e não estamos conformados que um estado agrícola não tenha ação efetiva diante de tudo que está acontecendo, agravado pelo momento de pandemia”. Pretto ainda citou a rede de solidariedade que se formou no Rio Grande do Sul para ajudar as famílias em situação de vulnerabilidade, com doações de movimentos do campo para trabalhadores e trabalhadoras da cidade.

O deputado Zé Nunes lembrou que o estado vive uma situação muito particular no que diz respeito à atenção dada à estiagem no Rio Grande do Sul desde novembro de 2019. “Nos últimos 20 anos, nosso estado enfrentou cinco fenômenos de estiagem, o que se consolida como um problema cíclico e não ocasional. Porém, nunca tivemos um distanciamento, nunca vivemos tão pouco caso de um governo, como o que tivemos no atual período. Os R$ 29 milhões em emendas federais mais os R$ 10 milhões da Assembleia são troco para o tamanho deste problema. Dividindo estes valores para os municípios, se torna impossível amenizar a situação com tão pouco recurso”, afirmou ele.

Para Zé Nunes, mesmo após as chuvas, é impossível não lembrar que os agricultores já estão endividados. Por esta razão, o deputado defende que é fundamental pensar em políticas permanentes e de longo prazo para estruturar o estado em relação a este tipo de sinistro. “Precisamos refletir a partir de políticas preventivas, para enfrentar as próximas estiagens, porque, infelizmente, elas virão.

No início deste governo, tivemos desmantelamento da Secretaria do Desenvolvimento Rural (SDR), e com todo respeito, não temos uma política concreta na Secretaria de Estado da Agricultura. O atual governo não teve centralidade, não teve nem altivez para cobrar ações do governo federal”. Por fim, o deputado sugeriu a criação de um fundo público para secas e desastres com recursos que não caiam no caixa único e sejam utilizados apenas para este fim.

Entidades do campo se manifestam

Rui Valença (presidente da FETRAF/RS): Estamos vivendo no Rio Grande do Sul um dos piores momentos, mas que nos deixa indignados e tristes é que começamos a tratar do tema da seca lá no meio de janeiro. Desde lá, entregamos nossa pauta e tentamos dialogar com a Secretaria da Agricultura, são oito meses aí. Dia 08/04 tivemos uma audiência com o Covatti Filho onde foi acertado algumas coisas sobre a estiagem, como a criação de um comitê de enfrentamento, porém, infelizmente, passado quatro meses nada foi feito. Então, 15 ou 20 dias depois da enchente, o governo do estado faz um anúncio sobre a estiagem. O que deveria é ser feito sobre a enchente. Não lembro de uma falta de atenção e de respeito com as entidades. Os poços de água são importantes, mas não são suficientes, esperávamos recursos para minimizar a estiagem. Rui apresentou a Carta da Agricultura Familiar e Camponesa que foi enviada aos deputados proponentes e será enviada ao Presidente da Assembleia Legislativa, Ernani Polo e ao Governador Eduardo Leite.

Adelar Pretto (dirigente do MST e integrante da Via Campesina): Existe um descaso da situação que vivemos no campo hoje. Tivemos um ano atípico e esperamos que nunca mais volte a acontecer uma coisa dessas, porque nós na roça estamos sofrendo muito. Temos seis meses de estiagem e praticamente nada foi feito. A única ação que teve do governo do estado que nós pautamos desde o começo foi a semente do milho do Troca a Troca. Isso nos mostra o descaso deste governo com a nossa pauta e com a agricultura do estado do Rio Grande do Sul. Sendo que houve governadores em secas semelhantes que essa, em 2012, por exemplo, o governador Tarso Genro mandou até trigo para dar para os animais, cesta básica e o cartão estiagem. E com esse governo não saiu nada e não foi por falta de alerta.

Gervácio Plucinski (presidente da UNICAFES/RS): Se pegarmos a agricultura familiar no estado, no último censo, somos quase 300 mil famílias. Pegando todas as propriedades nós representamos mais de 80% de propriedades rurais do Estado. E nós representamos 70% dos alimentos que vão à mesa das pessoas. Trago esses elementos para mostrar a importância deste setor. Com relação a estiagem foi a maior e eu não lembro de termos 400 municípios decretando emergência por conta disso. Abrimos negociação com o governo federal e o estadual. Tínhamos promessa de avançar, mas não avançou. A nossa solicitação de criar um grupo de trabalho com outras secretarias além da Agricultura, centro do governo, isso foi prometido em audiência. É um descaso muito grande do governo conosco.

Frei Sérgio Göergen (Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA): Eu acho que o Covatti Filho está sendo injustiçado. Quem deveria fazer alguma coisa é o governador Eduardo Leite, mas ele ficou de costas, insensível, ausente, omisso. O que o governo fez até agora é perfumaria. A seca, estiagem, já passou. Hoje nós temos chuva até em excesso em algumas regiões. As consequências e os efeitos dessa seca não passaram e não passarão tão rapidamente. Então o papel do governo não passou e vai demorar para passar. Essa teoria neoliberal de que não há necessidade de governo é uma furada. E é essa teoria com que governa o atual governo, por isso ele ficou de costa, ausente e omisso neste ato tão grave que atingiu o Rio Grande do Sul.

Kaliton Prestes (representando a FETAG): O Rio Grande do Sul passou por uma seca das mais severas e temos muitas dificuldades para que os agricultores familiares possam continuar produzindo. Tudo o que foi pautado com o governo federal e o governo estadual nós tivemos avanços, mas que ficaram muito aquém das nossas expectativas e das necessidades dos nossos agricultores. E a agricultura não espera, pois é uma atividade muito dinâmica.

Juliano de Sá (presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do RS – Consea): Nós entendemos que a questão da estiagem e da seca mexe com uma questão estratégica, que é a segurança alimentar do Estado e que não começou agora. Inclusive, entendemos ser de grande relevância uma das iniciativas do governo do estado de, lá em fevereiro, via decreto, que regulamentou a Câmara Setorial da Segurança Alimentar, pois é por meio dessa câmara que se pode construir uma estratégia de uma secretaria dialogar com a outra. Porém, não ocorreu nenhuma reunião ainda dessa câmara setorial. Aliás o Consea emitiu diversas recomendações ao governador sobre medidas específicas, e nenhuma foi aceita até agora. Nem em relação à pandemia, nem à estiagem.

Rafael Rafaelli (Defensor Público): Percebemos as dificuldades que o agricultor passa em tempos de normalidade, imagina em tempos como esse de anormalidade. A Defensoria vem atuando de forma muito forte na renegociação de dívidas. Coloco aqui a instituição à disposição, pois muitos agricultores ainda vão passar por dificuldades no quesito econômico. Temos a câmara de conciliação que pode ser uma ajuda a todos os agricultores familiares do RS.

Mario Nascimento (representando a FAMURS): O que acontece é a demora para responder as demandas das entidades e municípios e quem está na ponta sofre as consequências. Temos pautado o governo federal, o governo do estado para que seja rapidamente liberado esses recursos. Existe um problema na Funasa pela a liberação desses recursos. Nos somamos à luta da Assembleia e entidades por políticas permanentes neste setor e que irão ajudar na prevenção de estiagem.

Posicionamento do governo na audiência pública

Pelo governo do estado e representando a Secretaria da Agricultura, esteve presente na audiência o chefe de gabinete da Secretaria, Erli Teixeira. Ele afirmou que o Ministério da Agricultura estará no Rio Grande do Sul ao longo desta semana para tratar da última fase do Estado livre da Aftosa. Além disso, foi realizada a construção de um site para que produtores da agricultura familiar possam continuar comercializando seus produtos. Afirmou que faz poucos dias que o secretário Covatti assinou um convênio de R$ 600 mil com três escolas agrícolas do estado. Que no ano de 2019 foi dada anistia de 100% da safrinha e 60% do Troca Troca. Lembrou que cerca de 400 famílias de comunidades quilombolas do Rio Grande do Sul estão sendo beneficiadas com o fornecimento de 1.450 toneladas de calcário dolomítico pela Secretaria da Agricultura.

Participaram da reunião o deputado Elton Weber, que como presidente da Comissão abriu a audiência pública e os parlamentares Fábio Branco e Silvana Covatti. Também participaram a suplente ao Senado Cleonice Back; Salete Carollo, do MST; Bruno Justim, do Coletivo de Desenvolvimento Regional do Litoral Norte; e Douglas Cenci, do Sindicato Unificado dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Alto Uruguai – Sutraf.

*Editado por Luciana G. Console