Elite política e estelionatários voltam a ameaçar famílias Sem Terra no Sul de Minas

O despejo da área está marcado para o próximo dia 12

Por Setor de Comunicação do MST-MG
Da Página do MST

Na manhã da última quinta-feira (30), a polícia invadiu a casa de Celso Augusto, acampado no Quilombo Campo Grande há mais de 10 anos, levando-o preso. Conhecido como Celsão, o companheiro tem necessidades especiais em decorrência de um acidente e necessita de remédios controlados. Em seguida a polícia também invadiu a casa do Sr. João e Dona Maria. Ambas famílias moram fora dos limites da sede, que teve o despejo marcado para o próximo dia 12 de agosto.

Os acampados lidam há anos com a coação de pistoleiros, que segundo relatos, agem a mando de Jovane de Souza Moreira, responsável pela antiga usina falida e o principal interessado na remoção das famílias da Fazenda Ariadnópolis. Não bastasse isso, também há a truculência policial escancarada sobre o território SemTerra.

De acordo Débora Mendes, do MST, “o conflito perdura por tantos anos porque os antigos donos da usina falida, como Jovane e filhos, são estelionatários na região e contam com apoio de elites políticas, do atual prefeito e aliados, como o fazendeiro de café João Faria.


Os moradores daqui sabem que esse grupo de corruptos financiam jagunços, que ameaçam constantemente a segurança dos nossos produtores”.

A despeito da corrupção, essa pequena elite local ainda mantém sua influência e poder na política partidária. O filho de Jovane é candidato a prefeito em Alfenas, cidade vizinha ao município de Campo do Meio.

Segundo as informações constantes no processo judicial n. 6105218-78.2015.8.13.0024 o local ameaçado é composto por diversas famílias, que ocupavam uma área de 26 hectares na sede da usina. Porém, no último despacho pelo juiz da Vara Agrária, a área a ser desocupada passou para 52 ha, extrapolando os limites processuais legítimos a serem discutidos no âmbito do processo. A determinação de despejo ignorou o atual decreto de calamidade pública diante da pandemia, em Minas Gerais. Além disso, a área do processo inicial de 26 ha já foi desocupada pela comunidade.

Há um imbróglio jurídico com sucessivas “confusões” que buscam beneficiar os interesses daqueles que se dizem donos da massa falida de Ariadnópolis. Com apoio da elite política, Jovane e família usam o aparato do Estado, as forças policiais, para concretizar um despejo ilegal. Inclusive por abranger área maior do que aquela constante do processo (auto circunstanciado judicial), ultrapassando os limites determinados pelo

Tribunal de Justiça, na decisão ocorrida em 27 de julho de 2020. O caso também é acompanhado pela Mesa de Diálogo e negociação permanente do Estado de Minas Gerais sob a ótica da preservação das garantias constitucionais, que já afirmou a importância das famílias serem mantidas na área.

Débora alerta para as consequências de uma ação policial neste momento, que coloca em risco a vida e a saúde de toda a população da cidade de Campo do Meio. “A vinda de policiais militares agora representa uma dupla ameaça para nós, já que além da truculência, a vinda deles para o município poderá trazer o vírus também. Isso só deixa mais claro que os governos fascistas, como o governo Zema, não estão nem um pouco preocupados com a vida dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiras”.

Entenda o caso

A área da fazenda está ocupada desde 1998 pelo MST, que reivindica sua destinação para a reforma agrária. Em 2011, uma das ações reintegratórias de posse (nº 0024.11.188.917-6) foi requerida pela massa falida da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (CAPIA), antiga administradora da Usina Ariadnópolis Açúcar e Álcool S/A.

Parado na Justiça por cinco anos, o processo ganhou força após a homologação, em 2016, do plano de recuperação judicial da CAPIA, dezesseis anos após a falência dempresa ter sido decretada, julgada e transitada. Em 2015, o governo do estado emitiu o Decreto nº 365, declarando de interesse social, para desapropriação de pleno domínio, a Fazenda Ariadnópolis. Esse decreto serviu de sustento para uma ação do Ministério Público do Estado de Minas Gerais pedindo efeito suspensivo do contrato de arrendamento celebrado entre a massa falida da CAPIA e a Jodil Agropecuária. Segundo o agravo de instrumento apresentado à Vara Única da

Comarca de Campos Gerais, seria necessário “aguardar a solução de uma lide na vara de conflitos agrários para evitar conflito de consequências imprevisíveis”. A ação – bem como o recurso apresentado em seguida – foi indeferida pelo relator do processo, o desembargador Belizário de Lacerda.

Porém, acionistas da empresa, apoiados pela bancada ruralista e latifundiários da região, não aceitaram o caminho para resolução do conflito e levaram o caso à justiça contra o governo de Minas Gerais, pedindo anulação do decreto, que já havia sido validado por dois julgamentos.

Através de uma operação jurídica, os empresários retomaram uma liminar de despejo de 2011, que estava parado há anos. Foi justamente essa a liminar aprovada em 2018 pelo juiz Walter Zwicker Esbaille Júnior, da Vara Agrária de Minas Gerais, colocando em alerta o Acampamento Quilombo Campo Grande, estabelecendo 7 dias para as famílias deixarem a área conhecida como Fazenda Ariadnópolis.

No auto de inspeção judicial de 6 de novembro de 2018, é mencionado um depoimento de Jovane onde afirma que teve acesso à fazenda e encontrou apenas oito famílias vivendo

no local, contrariando a versão do MST de que o assentamento é ocupado por 450 famílias. No mesmo documento, um sargento da Polícia Militar de Minas Gerais, ex-funcionário da antiga usina, relata conhecer bem a região. Segundo ele, pelo menos 200 pessoas vivem na área da Fazenda Ariadnópolis.

Em outra parte do auto de inspeção, Jovane confirma o acordo com João Faria afirmando a existência de um contrato de parceria comercial celebrado com a Jodil Agropecuária e Participações LTDA, sobre uma área que hoje as famílias moram e trabalham. Através da resistência e da comprovação de toda documentação referente a posse da terra o movimento conseguir reverter a limitar de despejo e segue em briga judicial.

Café Guaií produzido no território

Estelionatários da cana

O terreno da antiga Usina Ariadnópolis em Campo do Meio é margeado pela represa da Hidrelétrica de Furnas. Durante muitas décadas, a usina de açúcar e álcool foi um dos motores econômicos da cidade e promoveu a plantação contínua de 3.600 hectares de cana de açúcar. A empresa ficou famosa por contratar trabalhadores rurais da região para as épocas de colheitas, mas em 1970 começou a se familiarizar com a palavra “falência”.

Ao mesmo passo, essas lavouras foram dando espaço para uma outra forma de monocultivo, o café. Atualmente, o estado de Minas Gerais é tido como o maior em produção de café no Brasil, além da presença no cerrado mineiro, o Estado concentra essa produtividade na região sul.

Estas mesmas terras foram disputadas por João Faria da Silva, que já foi o maior produtor de café do mundo e chegou a responder por 7% das exportações brasileiras do grão. Em 2008 chegou a alcançar o posto de maior produtor individual do mundo ao plantar 18 milhões de pés de café. Porém, em 2019, a companhia Terra Forte, do empresário declarou dívidas que ultrapassam 1 bilhão de reais. Seus maiores credores são o Bradesco e o Banco do Brasil. Optando pela recuperação judicial como meio de evitar a falência, João Faria tem uma dívida do grupo de 1,05 bilhão de reais.

Sua Fazenda Campo Verde, com 1.056 hectares, é vizinha das terras hoje ocupadas pelas famílias do Quilombo Campo Grande. Ao todo, Faria detém 5.779 hectares, divididos entre o sul de Minas Gerais e o noroeste de São Paulo. E mesmo enfrentando problemas em série nos últimos anos, não se absteve de entrar na disputa agrária de Ariadnópolis, tentando arrendar parte dos 3.195 hectares da Fazenda Ariadnópolis, área da massa falida da Capia, sob interesses da Jodil Agropecuária e Participações Ltda. O contrato de parceria para exploração agropecuária firmado em 2016 entre a massa falida da Capia e a Jodil Agropecuária é válido por 7 anos.

Em janeiro de 2018, seu nome e o da Jodil Agropecuária foram mencionados no relatório complementar da Operação Rosa dos Ventos, da Polícia Federal, que investigava um mega esquema de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal em Campinas, orquestrado pelo empresário Miceno Rossi Neto.

Do monocultivo à agroecologia

O povo do Quilombo Campo Grande tem história. O Assentamento Primeiro do Sul foi o primeiro a ser ocupado, em 1996, ao lado do território da CAPIA. Ao contrário do que geralmente acontece, o Primeiro do Sul transformou-se em assentamento rapidamente – menos de um ano, por meio de decreto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – e se tornou uma forte base de apoio para as ocupações que estavam por vir.


Em 1998, com a usina já improdutiva, cerca de 60 famílias ocuparam a primeira área dentro do perímetro de Ariadnópolis, às margens da represa de Furnas. A ocupação teve um violento despejo na véspera do Natal de 1998. Plantações e casas desapareceram debaixo das rodas dos tratores. Mesmo sob ameaças, metade das famílias se refugiou em um lugar impróprio, a faixa entre a cerca da fazenda e a água da represa, que estava com nível baixo naquela época do ano. Meses depois, as famílias retomaram a área e estão acampadas nas terras até hoje.

A história mostra que os despejos foram mau negócio também para os proprietários. Em 1998, 2005, 2007 e 2009 os sem-terra passaram pelas mais violentas expulsões de acampamentos instalados dentro do terreno da usina. Mas voltaram. A cada vez que o Estado e o fazendeiro agiam, mais o movimento se fortalecia e retornava para ocupar terras ainda maiores. Até que em 2009 aconteceu o despejo de quatro acampamentos em três dias: Tiradentes, Sidney Dias, Irmã Dorothy e Nova Conquista. O MST se reorganizou e voltou ocupando todos os 3.600 hectares da falida Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (CAPIA).

Hoje são 11 acampamentos (Fome Zero, Potreiro, Resistência, Betinho, Girassol, Rosa Luxemburgo, Tiradentes, Sidney Dias, Irmã Doroty, Vitória da Conquista e Chico Mendes) que foram ocupados um a um dentro do perímetro da antiga CAPIA. O MST coordena também dois assentamentos (Primeiro do Sul e Nova Conquista). Todo esse território se configura no Quilombo Campo Grande.

No entanto, esse desgaste da instabilidade de despejo diariamente coloca em risco uma das experiências mais reconhecidas de transição agroecológica no Brasil. O processo iniciado há mais de oito anos, abolindo o uso de insumos químicos, agrotóxicos e sementes transgênicas, resultou no café orgânico Guaií (“semente boa”, no idioma guarani). Além da produção do café existe uma diversidade de produção e de produtos comercializados por parte das famílias que participam do processo de certificação orgânica participativa, já havendo mais de trinta famílias certificadas orgânicas e dezenas em transição agroecológica.

Hoje nas terras do Quilombo Campo Grande onde é produzido o café Guaií das 450 famílias que moram e trabalham na área, 280 tem o café como sua maior fonte de renda tendo mais de 2000 pés de café produzindo, sendo o resultado de trabalho de anos, muitos produzindo no sistema de cooperação, assim construindo a possibilidade de uma vida digna. Gerando renda para o município e desenvolvimento.

Também é importante destacar que o movimento na região conta com um coletivo de mulheres chamado Raízes da terra que existe a 10 anos, as várias mulheres que fazem parte do coletivo garantem uma diversidade de produção, hoje o coletivovem atuando na produção de ervas medicinais e produtos fitoterápicos, além de seguirem produzindo o café em seus lotes. Além de produzir elas discutem o papel das mulheres no campo e juntas constroem formas de empoderamento feminino. Segundo Tuira Tule, coordenadora do MST na regional do Sul de Minas Gerais, o processo também permite a emancipação financeira das mulheres: “Das nossas famílias que nós organizamos, a relação da mulher com a produção de café tem outro tipo de ação. As mulheres estão envolvidas desde o plantio, nos tratos culturais, na colheita e tem mulheres que produzem sozinhas essa cultura”.

*Com informações do Brasil de Fato e De Olho nos Ruralistas