Relembremos e nos inspiremos em Betinho!

Herbert de Souza foi fundador da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, rede de mobilização nacional de combate à pobreza
Betinho, em atuação na Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida. Foto: Reprodução

Por Eliane de Moura Martins*
Da Página do MST

A década de 1990 é um marco na vida coletiva brasileira. Recordemos dois importantes pontos desse período, os quais seguem vivos e pulsantes nos dias atuais. Um deles é a decadência do sentido de futuro, alicerçado em uma vida de trabalho, no exercício de uma profissão e o outro foi um dos resultados desse corte e toda a sua crise social, vivenciada na forma de desemprego, de desestruturações dos tecidos sociais, onde uma das expressões mais pesadas foi a miséria e a fome.

A voz e o rosto da luta contra essa fome, ficou registrada nessa figura humana, de Herbert José de Sousa, conhecido por nós por Betinho, o irmão do Henfil. Um sociólogo, defensor dos direitos humanos, nascido em 03 de novembro de 1935 e transformado em estrela em 09 de agosto de 1997. Por essa passagem de sua vida e suas ações, por seu exemplo, o recordamos inserindo-o no contexto histórico do seu tempo.

Os anos de 1990 marcam o fim de um ciclo de meio século, iniciado nos anos 30 com a luta da classe trabalhadora nacional, a crise mundial do capitalismo e as duas guerras mundiais, fatores que colocaram em crise o projeto colonial da classe dominante. Esta, teve de ceder a um projeto de desenvolvimento econômico, com um caráter nacional, embora sob a lógica do capitalismo dependente.

Desde esse projeto de desenvolvimento nacional, em seu interior, desenvolveu-se a “promessa” de inclusão das grandes massas na sociedade salarial, simbolizada na materialidade da carteira de trabalho assinada, sinônimo de alcance ao sonhado mundo dos direitos. Esse lugar de direitos, via o trabalho formal, reconhecido pela burocracia do Estado, cunhou uma positivação moral do trabalho, como lugar correto da mobilidade social, como horizonte de um futuro melhor, ainda que para a geração futura da classe trabalhadora.

Esse horizonte de futuro promissor começa a se esvair na década de 80. Saíamos da Ditadura, sem acertar contas com ela, Betinho e outros tantos voltavam do exílio, as forças populares forjavam lutas e alargavam as fronteiras dos direitos, trazendo em séculos a ideia de universalizar direitos sociais, previdenciários, protetivos. A Constituição de 1988 apontava três grandes acordos: retomar o crescimento econômico, enfrentar as desigualdades sociais e avançarmos sob novos parâmetros a democracia.

Porém, todo esse desenho jurídico-político e esforços de retomar e ampliar a “promessa” de inclusão das grandes massas na vida da nação, que perdeu forças no campo político com as classes dominantes se rearranjando sob as bandeiras neoliberais e os Fernandos da década de 90, irão ativar um Betinho como resposta e como símbolo de resistência. A agenda neoliberal, privatizou, desempregou e aniquilou a lógica coletiva da ida ao trabalho, para uma lógica individual e solitária de indivíduos indo ao mercado, competir para ficarem simplesmente vivos.

Para aqueles que não tiveram forças, condições, estruturas físicas, familiares e emocionais para essa corrida solitária, voraz, desumanizante, foi criada a “Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida“, protagonizada por Betinho, de aparência física frágil, afetado pela AIDS, pela hemofilia, mas gigante em humanidade e com sensibilidade para com a vida, no combate à lógica mortal do mercado e na defesa das vidas humanas dos mais frágeis.

Que estes elementos nos inspirem, nos fortaleçam e que Betinho nos lembre que, mesmo sob condições muito difíceis de militância, sempre temos algo a fazer. Hoje, sob essa crise brutal, o nosso “o que fazer” passa pela solidariedade orgânica. Viva Betinho.

*Eliane é militante da Consulta Popular, do MTD e CPP da ENFF     
**Editado por Luciana G. Console