“A pandemia escancarou os excluídos”, diz Coordenador Nacional da Pastoral Operária
Por Catarina Barbosa
Do Brasil de Fato | Belém (PA)
“Vida em primeiro lugar” é o tema do Grito dos Excluídos deste ano, com o lema é “Basta de miséria, preconceito e repressão. Queremos trabalho terra, teto e participação”. A mobilização, realizada tradicionalmente no dia da Independência do Brasil, chega a sua 27º edição nesta segunda-feira (7).
A mobilização popular é realizada em vários cantos do Brasil e tem relação com o tema da campanha da fraternidade da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
O Brasil de Fato convidou Jardel Neves Lopes, coordenador nacional da Pastoral Operária e membro da coordenação do Grito dos Excluídos para dar mais detalhes da edição de 2020, que será realizada em meio a pandemia. Confira abaixo a entrevista.
Brasil de Fato: Jardel, quem são os excluídos de hoje?
Jardel Neves Lopes: A pandemia escancarou os excluídos. Nós sempre vimos, nós sempre trabalhamos com as populações excluídas: populações que não têm casa, trabalho, acesso à educação ou educação de qualidade, à moradia ou moradia de qualidade, que moram em barracos, ocupações, porque fora isso não têm acesso aos programas de moradia para que possam ter acesso à moradia de qualidade. Que não têm acesso ao trabalho e trabalho digno, com remuneração digna, para que isso também forneça possibilidade de ter moradia digna, de ter outros meios que nós consideramos parte da dignidade humana.
Além disso, podemos listar as mulheres no mercado de trabalho que são mais injustiçadas em relação aos homens, população afrodescendente, no modo geral, na nossa sociedade, são mais inferiorizadas do que a população branca.
Os povos indígenas, do campo, os trabalhadores que estão desprotegidos do direito, que não têm carteira assinada, a população LGBT que também é injustiçada em relação aos outros, no ponto de vista de exclusão, consideração e de valor de ação. Ou seja, populações de periferias e de centro. Os excluídos têm vários rostos, cor, território geográfico, sexo. É um conjunto grande quando a gente fala da exclusão.
As pessoas nascem ou se tornam excluídas?
Há pessoas que já nascem no contexto de exclusão. Vamos pegar milhares de famílias que estão em condição de vulnerabilidade, em ocupações ou em favelas, periferias das grandes cidades. Vamos pensar que essas famílias não têm nem condições de moradia digna, essas crianças já nascem sem muitos direitos, no sistema de exclusão.
Então, ela cresce um pouquinho e vamos pensar que precisa de ir pra escola. Muitas vezes não tem uma creche para essas crianças ficarem para que os pais possam trabalhar. Elas encontram uma escola de má qualidade.
Não tem um ensino de boa qualidade, não tem condições físicas para isso e ela precisa acessar os programas de saúde e nem sempre acha um médico especializado. Ela precisa de um ginecologista e os meninos que também precisam de orientações.
De modo geral, essas pessoas chegam à idade de trabalhar, sejam jovens adultos ou aprendiz, e o mercado de trabalho não tem espaço, trabalho ou acolhida.
Acompanhei muitos jovens que junto com o currículo na empresa, tinham que entregar a ficha criminal, porque o endereço era de uma favela. Esse empregador não pede a ficha criminal para qualquer jovem, só para aquele que mora na grande favela, porque ele acha que qualquer um que mora na comunidade pode ter uma ficha criminal suja.
Então tem contexto de exclusão sim e, de acordo com o lugar em que a pessoa nasce, ela já nasce em inferioridade em relação a outros que não passam isso.
Como é que a gente consegue reverter esse quadro de exclusão, o que a gente pode fazer como sociedade?
Para romper com isso precisamos de um Estado forte, de garantia de direitos, desde o momento do nascimento ao direito à educação, de qualidade, para todos e todas. Não como há na periferia, que falta o acesso, ou com piores condições de trabalho para professores, condições de ensino, diferente dos grandes centros urbanos que tem condições melhores.
O Estado que garanta que a Saúde seja para todos e de qualidade. Que médicos, enfermeiros e os técnicos cheguem em todos os povoados, não só nos grandes centros urbanos. Que os postos de saúde da periferia das pequenas cidades e das vilas tenham o mesmo acesso.
A política pública tem que romper com isso, a política da educação e habitação são fundamentais. Garantir que essas famílias que estão em condições de vulnerabilidade tenham acesso. Primeiro que se tenha política de habitação para elas, com acesso a crédito, moradia, a um terreno para morar, facilitado, sem burocratizar.
Nós temos na cidade uma especulação mobiliária horrível, ao ponto de custar 10, 20 mil reais o metro quadrado de terra. Qual é o trabalhador assalariado, de salário mínimo, que consegue comprar uma casa sem ter políticas públicas que ajudem eles a fazer isso?
Então, precisamos de políticas públicas, sobretudo, que favoreçam o acesso ao trabalho, que favoreçam acesso à habitação, que favoreçam acesso à educação, urbanização no caso das grandes cidades. Que todos possam ter direitos iguais na periferia. Não é dar tudo de mãos beijadas para população, mas o acesso para que essas pessoas possam caminhar sozinhas sendo protagonistas da própria história.
De que forma a gente trata a questão do Grito dos Excluídos dentro do governo Bolsonaro com todos os desmontes que ele proporciona para população brasileira, principalmente, para a classe trabalhadora ?
O governo Bolsonaro está destroçando – não só o governo Bolsonaro –, mas o governo Temer começou destroçando o que eram os direitos trabalhistas, previdenciários e habitacional. Os programas do governo atual estão acelerando tudo isso, tirando auxílio emergencial que foi um grande avanço.
Mas vale lembrar que o governo Bolsonaro ia dar R$ 200 de auxílio emergencial para toda essa gente, mas o congresso e os movimentos sociais fizeram pressões para que fosse para R$ 600. Agora, o governo quer diminuir ou quer acabar com isso. Há um avanço de políticas neoliberais, de esvaziar o Estado e transferir dinheiro para os ricos.
Eles anunciaram mais de R$ 1 trilhão para os bancos. Até junho, tinham transferido R$ 81 bilhões para o auxílio emergencial. Quanto era para ter sido investido na Saúde para conter os riscos e os impactos do coronavírus, que não foi investido? Quanta gente morreu, porque não tinham respiradores ou teste?
Diante destas condições de miséria que o governo Bolsonaro nos apresenta, nós precisamos gritar cada vez mais, nos articularmos, nos organizarmos, construir solidariedade de classe, dos grupos da periferia, e isso tem sido feito. Nós olhamos para várias periferias e para quem as acompanha, o que está salvando são as organizações populares, as igrejas de diversos credos, os movimentos populares.
São eles que têm ajudado as pessoas a acessarem o direito básico e se alimentarem na pandemia. Fora disso, precisamos nos organizar para construir políticas públicas.
Como as pessoas podem acompanhar a campanha deste ano?
O Grito nasceu nas ruas, o lugar dele é nas ruas, porém, esse ano nós não podemos incentivar ninguém a sair. Há em certos lugares alguns grupos pequenos, levando cartazes, faixas. A maioria está fazendo de modo virtual.
As redes sociais ocuparam um novo lugar nesse Grito ou o Grito ocupou esse lugar nas redes sociais para denunciar. Estamos acompanhando no Brasil inteiro diversos lugares que estão fazendo manifestações, por meio de lives, vídeos e reuniões virtuais.
Alguns estão fazendo com celebrações em igrejas, outros em praças, ações de solidariedade distribuindo alimentação para pessoas que estão em situação de rua, vulnerabilidade.
Nós temos uma diversidade de formas de dar o Grito. Esse ano, acho que sobretudo o Grito trás, de modo especial, esse canal de organização e articulação. Talvez o Grito não vá ser o Grito, de fato, de ir para a rua e militar. Mas, está sendo um importante canal de articulação das forças sociais brasileiras.
Elas continuam o Grito, que diz: queremos trabalho, terra e teto com participação. Este também é o tema da 6ª Semana Social Brasileira, que é uma articulação puxada pela Igreja Católica, em conjunto com os movimentos populares e iremos trabalhar esse tema até 2021. O mutirão pela vida, terra, teto e trabalho.
São formas de a gente se organizar para quando conseguir ir pra rua, estar mais organizado. Claro que a rua é importante, porque a gente vê multidão e é uma resposta para a população, sociedade e para a política.
Edição: Rodrigo Durão Coelho/BdF