Brigada Dessalines desenvolve trabalho de solidariedade há 11 anos no Haiti

O plano de cooperação concentra-se em quatro pontos: reflorestamento, produção de sementes, captação de água e formação

Trabalho da brigada Dessalines desenvolvido no centro nacional de experimentação e agroecologia do Tèt Kole. Fotos: Jackeline Mendes

Por Solange Engelmann
Da Página do MST

Com base no trabalho voluntário e no internacionalismo como princípio, a prática da solidariedade, troca de saberes e de experiências entre os povos, a brigada Jean-Jacques Dessalines desenvolve parcerias com os movimentos populares do Haiti há mais de 11 anos.

Apesar do Haiti ter proclamado sua independente em 1804 e ter sido o primeiro país latino-americano a abolir a escravidão, com a Revolução dos Escravos entre 1791 e 1804, no processo histórico de formação o país sofreu com a imposição de políticas internacionais que o tornaram dependente e com uma soberania limitada.

Para Paulo Almeida, que acompanha a brigada Dessalines, isso impediu que fosse desenvolvido um projeto de país que atendesse os camponeses e a população em geral do Haiti. “Por isso, prestar solidariedade, por mínima que seja a contribuição, para com as organizações camponesas mais sólidas, capazes de lutar por soberania alimentar, são desafios impostos à Brigada Dessalines”, comenta Almeida.

A brigada é mantida pelos movimentos populares da Via Campesina e Alba Movimentos Sociais, que a partir de 2009 iniciaram a solidariedade ao povo haitiano em resposta a ocupação militar coordenada pelo exército brasileiro e promovidas por meio da Missão das Nações Unidas para Estabilização no Haiti (Minustah). Nesse período, a Dessalines já contou com a participação de mais de 70 pessoas e possibilitou a parceria e troca mútua entre os povos e camponeses de vários países, como Brasil, Argentina e Cuba com os trabalhadores haitianos.

No contexto atual, além dos efeitos da pandemia do COVID-19 e o desafio de uma crise econômica e profunda de alimentação, o Haiti também atravessa uma crise política, após eleições presidenciais fraudadas em 2016, que conduziu ao poder Jovenel Moïse.

“O Haiti vive um processo intenso de lutas populares, de enfrentamento e resistência ao governo atual, e modelo político que está estabelecido no país, com controle pelos Estados Unidos. Esses também são desafios e contradições históricas do país, que implicam no nosso trabalho junto aos movimentos populares haitianos”, pontua Paulo Henrique da Silva, militante do MST que atua na coordenação da brigada Dessalines no Haiti.

Trabalho da brigada Dessalines desenvolvido no centro nacional de experimentação e agroecologia do Tèt Kole. Fotos: Jackeline Mendes

O plano de cooperação estabelecido entre os movimentos populares do Haiti, a Via Campesina e Alba Movimentos Sociais concentra-se em quatro pontos: reflorestamento, produção de sementes, captação de água e formação. Paulo Silva, aponta que nesse contexto o trabalho é organizado em frentes de trabalho.

“Uma delas está relacionada à formação com os camponeses na área da agroecologia. Também atuamos na área de produção de mudas para os camponeses no desafio histórico do reflorestamento. Outra ação está relacionada à tarefa da produção e no acompanhamento e organização, formação técnica e política na área de produção de sementes. Essas são as três ações que desenvolvemos na frente da produção”, argumenta Silva.

Segundo ele, na frente de comunicação o desafio é criar uma rede de rádios comunitárias e uma agência popular de notícias dos movimentos populares haitianos para comunicação com o mundo. A brigada também iniciou recentemente um trabalho de formação com organizações urbanas da capital, em Porto Príncipe, em especial com organizações da juventude, sindicais e de periferias urbanas.

Os integrantes da brigada no Haiti apontam que a experiência gerou frutos positivos, como o conhecimento dos trabalhadores do MST que passaram pelo país, sobre a cultura, história e resistência do povo haitiano, a compreensão de que o país não necessita de intervenção militar de países imperialistas, como os Estados Unidos e o fortalecimento dos movimentos populares haitianos.

“A brigada Dessalines é um contraponto a narrativa de que o Haiti precisa de intervenção, o povo haitiano precisa de solidariedade internacional, de que sua luta seja compreendida. Esse percurso histórico da brigada, de desenvolvimento de um trabalho concreto e prático possibilitou outra perspectiva no campo da produção, agroecologia, produção de sementes, do reflorestamento no país”, comemora Silva.

Parcerias

A brigada desenvolve parcerias com organizações camponesas e urbanas como o Tèt Kole ti peyzan Aysyen – Movimento camponês de cabeças unidas do Haiti, MPP – Mouvman Peyzan Papay (Movimento camponês de Papay), MPNKP – Mouvman Peyzan Nasyonal Kongrè Papay (Movimento camponês do congresso de Papay) e KROS – kodenasyon Regional Òganizasyon Sidès (coordenação regional da organização do Sudeste), além da PAPDA – Plataforma Haitiana do Desenvolvimento Alternativo, que congrega movimentos camponeses. Também são realizadas articulações políticas com as organizações urbanas, Molegaf – movimento de juventude, Kay la – movimento de luta urbana por moraria e o partido Rasin Kan Pep la.

“Muita cooperação já foi desenvolvida pela brigada Dessalines, sobretudo após o terremoto de 2010 que sensibilizou milhares de pessoas. Projetos como implantação de 1.500 cisternas, seis centros de sementes, alfabetização, reparação e desenvolvimento do centro nacional de experimentação e agroecologia do Tèt Kole. A implantação de um projeto de cabritos, melhoramento genético em vacas leiteiras, intercâmbio de 80 haitianos no Brasil e recentemente, a escola de formação política”, explica Almeida.

*Editado por Fernanda Alcântara