Dom José Gomes, bispo dos Sem Terra, bispo dos trabalhadores

O bispo foi fundamental para o nascimento dos movimentos sociais no oeste de Santa Catarina. Hoje, 19 de setembro, completam-se 18 anos de seu falecimento
Dom José Gomes em atividade com os trabalhadores rurais. Foto: Acervo MST, 1987.

Por Lucas Souza
Da Página do MST

Dom José Gomes nasceu em Erechim, Rio Grande do Sul, em 19 de março de 1921. Foi o quinto de nove filhos de Antônio Gomes e Maria Maggioni. Após finalizar os cursos básicos em sua cidade natal, frequentou o nível científico no seminário em Santa Maria, seguido dos cursos de Filosofia e Teologia no Colégio Cristo Rei dos padres jesuítas, em São Leopoldo. 

Na pequena cidade de Selbach, Dom José foi ordenado padre, com 26 anos de idade, em 1947. Entre os anos de 1951 e 1961, José atuou com suas atividades eclesiásticas na catedral de Passo Fundo (RS). Aos 40 anos, em 25 de março de 1961, Dom José Gomes foi nomeado bispo da Diocese de Bagé (RS) e como já havia feito nos lugares dos quais passou, se envolveu com as questões sociais, colocando-se ao lado dos menos favorecidos. 

Sem explicações, em 1968 o bispo foi transferido para a Diocese de Chapecó (SC), causando manifestações, confusão e protestos. Sua luta na região de Bagé foi então interrompida, mas isso não significou o fim da vontade de uma sociedade mais justa para Dom José Gomes.

Contexto em que Dom José vive e organiza processos de luta

Para refletir e falar sobre a influência de Dom José Gomes nos movimentos sociais é importante apresentar o momento em que a Igreja Católica passava. Em 1965 havia acontecido o Concílio Vaticano II, uma série de debates com a missão de atualizar e abrir a Igreja Católica, discutindo sua atuação e criando uma nova visão do evangelho e em 1979 a Terceira Conferência de Puebla, que teve como preocupação básica: o que é evangelizar, hoje e amanhã, na América Latina? 

Tratou-se do período de efervescência da Teologia da Libertação. Em Chapecó, Dom José se envolveu novamente com os oprimidos, promovendo uma ampla atuação através das Pastorais Sociais, como a Pastoral da Saúde, a Operária, a da Juventude e principalmente a da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da qual também foi presidente nacional. 

Também assumiu a defesa dos interesses indígenas, atuando através do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que ajudou a criar e do qual foi seu primeiro presidente.

Utilizava as reuniões das pastorais para fazer o povo perceber e enfrentar seus problemas, de maneira organizada e independente. “Este foi um tempo riquíssimo em que a igreja estava em um processo de aproximação do evangelho, em que retoma a sua missão junto ao povo”, é o que conta Maria Izabel Grein, integrante do Setor de Educação do MST. 

Como bispo, estava atento e tratava a todos com carinho e igualdade, assim construiu coletivamente a diocese e a equipe das pastorais que, através da CPT, promoveram diversas atividades na região de Chapecó. Foram grupos de reflexões, que realizavam debates, cursos de formação e encontros de estudos bíblicos e utilizavam das passagens da bíblia para criar a consciência de luta entre os pequenos agricultores e agricultoras.

Assentamento Dom José Gomes. Foto: Acervo MST, 2020.

Dom José e a organização dos movimentos sociais no oeste catarinense

Os processos construídos a partir das pastorais foram importantes para o nascimento dos movimentos sociais do campo no oeste de Santa Catarina, entre eles o MST, o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Maria Izabel reforça que Dom José sempre reafirmava que “esses movimentos deveriam ser independentes da igreja. Ele não queria nem um movimento submisso à igreja”.

Durante um encontro da Pastoral da Juventude de Chapecó, em 1979, Vilson Santin, hoje integrante da direção estadual de Santa Catarina, teve o despertar para a luta, numa época em que o país vivia a ditadura militar. Vilson, que era amigo de José Gomes conta que “ele [Dom José] dizia para todos da hierarquia da igreja: vocês têm que ajudar o povo, ajudar a organizar o povo, organizar os trabalhadores e organizar a classe que vocês fazem parte”.

Neste período em todo Brasil a questão da reforma agrária era muito profunda. Os sindicatos rurais não defendiam os interesses dos pequenos agricultores. Com o auxílio de Dom José começaram a organizar em toda a região uma oposição sindical para reorientar os trabalhos dos sindicatos, que estavam sob controle dos latifundiários. 

O Bispo também sempre defendeu a igualdade das mulheres camponesas e durante essa luta de oposição sindical ele incentivou e conscientizou as mulheres agricultoras de que a luta também pertencia a elas. 

Carmem da Rosa Kilian Munarini, da coordenação do MMC, conta que naquela época era muito difícil para mulheres se sindicalizarem, por diversas restrições e a própria cultura dos sindicatos. Segundo ela, “após o incentivo de Dom José nós fomos atrás dessas mulheres para poder se associar ao sindicato e formar uma auditoria para que a mulher também pudesse estar junto”. Essa foi uma das primeiras organizações realizadas pelo MMC, na época chamado de Movimento de Mulheres Agricultoras (MMA).

No final da década de 1970, a Eletrosul retomou os estudos de projetos na região da Bacia do Rio Uruguai. As obras projetadas iriam atingir cerca de 40 mil famílias de agricultores dos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul e não possuíam planos de diálogo ou indenização. O bispo Dom José, através da CPT, iniciou debates e conversas com os atingidos, que organizaram então uma Comissão Regional de Atingidos por Barragens (CRAB), que anos mais tarde se tornaria o MAB e assumiria caráter nacional.

“A inspiração que ele deixava para a militância e as comunidades é de que o povo tinha que se organizar, o povo tinha que fazer mobilização e o povo tinha que fazer o enfrentamento”, diz Pedro Eloir Melchiors, da direção do MAB. 

Com a intensificação dos conflitos durante as décadas de 1970 e 1980, Dom José Gomes passou a sofrer perseguição e ameaças. Mas isso não abalou o ímpeto do bispo, que permaneceu sempre ao lado dos pequenos e excluídos incentivando as lutas e a organização dos movimentos, sejam dos índios, trabalhadores sem-terra e pequenos agricultores.

O bispo trabalhou durante mais de trinta anos na diocese de Chapecó e suas ações tiveram reflexos em todo o Brasil e perduram até os dias atuais. Em 1998 Dom José se aposentou de suas funções oficiais, mas permaneceu como bispo emérito até seu falecimento, em 2002.

Contudo, permanece vivo e sua luta segue germinando. Pedro Rocha, morador do assentamento que leva o nome do bispo em sua homenagem, reforça que “Dom José sempre falava que era pra tocar em frente a nossa luta. Ele deixou muitas sementes, semente de esperança, semente de vida, semente de luta, semente de resistência, semente de força, coragem”. Conclui dizendo que o MST tem grande reconhecimento por Dom José e segue seu exemplo, por isso, “aqui no assentamento nós produzimos alimentos, alimento agroecológico, sem veneno, isso gera vida, gera emprego, renda, qualidade de vida. Nós continuamos a luta. Dom José Gomes! Presente!”, finaliza.

*Editado por Maria Silva